A Polícia Civil é prevista constitucionalmente como uma Força Policial dotada de investigar crimes, cujo âmbito repressivo é sempre destacado. Porém, como já ensinava Hegel, a História nunca é movida por uma força linear; é preciso, sempre, transitar sobre duas forças opostas que gerarão posteriormente uma síntese superior que engloba e transcende as anteriores, trata-se da famosa dialética. Ora, podemos, também, guardadas as devidas proporções, aplicar este ensinamento à instituição Polícia Civil.
[bs-quote quote=”Não cabe à polícia somente investigar, prender, ou evitar que o crime aconteça. Devemos fazer mais. Devemos, pois, também, estabelecer ações rotineiras de prevenção e conscientização de toda a comunidade” style=”default” align=”right” author_name=”ROBERTO ASSIS” author_job=”É delegado de Polícia Civil ” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/05/RobertoAssisnova60.jpg”][/bs-quote]
Já foi o tempo em que as forças de segurança pública cuidavam somente de prevenir e reprimir crimes, muitas das vezes se fazendo valer do monopólio do uso da força para cometer abusos de autoridade, tais como lesões corporais, torturas e mesmo homicídios seletivos. Os policiais civis, sobretudo a Polícia Civil do Tocantins, pauta suas ações na legalidade, no respeito aos direitos da pessoa humana, na igualdade de todos perante a lei e na garantia constitucional de todos de perceberem um tratamento digno da polícia em todos os momentos da investigação e da prisão. Mas não só isso. Não cabe à polícia somente investigar, prender, ou evitar que o crime aconteça. Devemos fazer mais. Devemos, pois, também, estabelecer ações rotineiras de prevenção e conscientização de toda a comunidade. E aqui não me restrinjo ao conceito e ao modelo de Polícia Comunitária.
A Polícia Civil deve estabelecer parcerias constantes com a sociedade civil organizada, visando a integração de políticas públicas que inserem o cidadão de forma participativa nas gestões que dizem respeito à segurança pública. E isso, inclusive, interfere positivamente no trabalho da Polícia Civil e Militar. Quando, por exemplo, ministramos uma palestra em uma escola pública, alertando os adolescentes sobre o risco do consumo de drogas, e relembrando-o sempre de que a polícia irá agir caso ele não queira obedecer nada do que foi sugerido na palestra, isso exerce um poder preventivo muito forte. Afinal, quando o adolescente for convidado para participar de um crime, ou mesmo de utilizar entorpecentes, irá lembrar da palestra dada pela Polícia e pensará duas vezes. Só isso já basta! Pensar duas vezes!
A tomada da consciência crítica sobre a problematização do consumo de drogas envolve, sim, também, a Polícia Judiciária. É claro que a família e a igreja possuem um papel primordial na educação deste jovem, e a escola exerce um papel complementar. Mas quando existe a presença do Estado – agora sob um prisma misto de alerta/educação –, o jovem se vê diante de dois painéis: o primeiro de caráter educativo, pois a Polícia apresenta todos os malefícios físicos, biopsicológicos e sobretudo sociais do uso e abuso de drogas; mas também o jovem vê-se diante de uma palestra da Polícia (não são mais professores cujo respeito infelizmente os alunos há tempos deixaram de dispensar) cujo caráter dissuasório é imediato e muitas das vezes eficaz. Vemos isso na prática: a cada palestra dada, vemos diminuir por alguns meses o consumo de drogas e consequentemente uma redução do número de pequenos furtos. Dura pouco, pois o ser humano possui uma mente porosa ao esquecimento. Daí a importância de se estabelecer tais palestras como uma política fixa institucional.
As palestras e grupos de trabalho não devem se limitar às escolas secundárias. Participar de workshop´s junto a comunidade local faz ver de forma imediata e a curto prazo a ação da polícia nessa esfera preventiva. Uma palestra para mulheres sobre prevenção da violência doméstica, dada pela Polícia Civil, gera resultados efetivos: nesse caso, o efeito é o contrário ao que dizemos acima, pois o que ocorre é um aumento do número de ocorrências policiais envolvendo este tipo de crime. O efeito é reverso porém saneador: a mulher que antes tinha vergonha, receio ou mesmo medo de registrar uma ocorrência policial contra o seu agressor, toma as rédeas da sua vida e comparece até à Delegacia para pedir as medidas protetivas e todo o apoio policial conferido pela Lei Maria da Penha. E isso, também, é uma medida de sucesso que não fica restrita à ação policial meramente repressiva.
Estamos inseridos numa sociedade dinâmica, que exige uma Polícia Civil renovada, com vigor novo, que não se limite a “fazer o seu trabalho”. Devemos ir além. E o diferencial da Polícia Civil do Tocantins, não obstante todo o seu prestígio social pelo combate rigoroso ao tráfico de drogas e aos crimes de corrupção, está também nesta preocupação: a preocupação de ir além do trabalho, de fazer um pouco mais para a sociedade tocantinense. E isso, de forma tangencial, irá refletir e favorecer a atividade-fim da Polícia Civil: com mais atividades educativas, mais informação e conscientização da população, serão menos potenciais criminosos nas ruas, e menos crimes a combater é o que a Polícia Civil e a sociedade inteira esperam.
ROBERTO ASSIS
É delegado de Polícia Civil em Colmeia e escritor
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