A população brasileira mais uma vez foi surpreendida, no início deste ano, com mais um ciclo de ataques orquestrados por facções criminosas. Desta vez, o palco dos atentados foi o estado do Ceará. Foram dezenas de atentados contabilizados contra veículos, equipamentos públicos e privados. O Ceará passou pela maior e mais duradoura crise de segurança pública. A onda de violência paralisou comércio, transporte e serviços públicos. Com o afinco das forças de segurança pública, o Estado deu resposta às investidas ilegais. A repressão resultou em mais de 319 adultos presos ou adolescentes apreendidos por envolvimento com os ataques articulados por facções criminosas. Aos poucos, a população cearense voltou ao normal.
[bs-quote quote=”Temos de partir do princípio de que o crime organizado veio para ficar, que não vai desaparecer após uma ou duas operações policiais” style=”default” align=”right” author_name=”EVALDO DE OLIVEIRA GOMES” author_job=”É delegado da PC do Tocantins” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/04/EvaldoOliveirGomes60.jpg”][/bs-quote]
As investidas criminosas ocorreram após a nomeação de Luís Mauro Albuquerque, como secretário titular da recém-criada Secretaria da Administração Penitenciária (SEAP), no dia primeiro de janeiro deste ano. Agente da Polícia Civil do Distrito Federal e ex-secretário da Justiça e da Cidadania (Sejuc) do Rio Grande do Norte, Mauro tem perfil técnico e adota “linha dura” contra o crime organizado. Tem em seu currículo o enfrentamento ao crime organizado na Penitenciária Estadual de Alcaçuz e a reformulação do sistema penitenciário potiguar. Ao afirmar que não reconhecia as facções criminosas e declarar que acabaria a separação de detentos de acordo com o grupo criminoso pertencente, como ocorria, Mauro Albuquerque foi criticado. A fala do secretário foi considerada como um dos estopins para a crise na segurança pública alencarina.
Para vencer a “força paralela”, foi necessária ajuda de outros entes da Federação. O governo cearense pediu reforço da Força Nacional, sendo atendido pelo ministro da Justiça e Segurança Pública. Além disso, em acerto entre governadores, o Estado da Bahia mandou policiais militares de batalhões especializados para apoiar as polícias cearenses. No combate à série de ataques que acontece na capital, região metropolitana e interior do estado, veio reforço também de Pernambuco, Piauí e Santa Catarina.
O exemplo recente, que não é fato isolado e circunscrito àquele estado nordestino, demonstra o quanto a criminalidade organizada no Brasil tem avançado de forma significativa. Nos últimos anos, com inúmeras rebeliões de presos coordenadas simultaneamente e assassinatos de policiais, o crime organizado mostrou de onde surgem os comandos criminosos: as unidades prisionais.
O ensinamento que fica é que a segurança pública não pode perder o foco no combate às organizações criminosas que funcionam dentro e fora das unidades prisionais. Temos de partir do princípio de que o crime organizado veio para ficar, que não vai desaparecer após uma ou duas operações policiais.
Sabe-se que é alarmante a quantidade de informações e ordens trocadas do intramuros com o perímetro externo. Por meio de “salves”, os “faccionados” comandam, matam, traficam, roubam e corrompem agentes públicos. Com o objetivo de obter vantagem econômica ou material indevido, buscam o domínio pela difusão do medo.
A gestão de conhecimento pelos criminosos não pode ser tolerada pelo Estado. A omissão e a ineficácia estatais permitem aos perigosos criminosos o uso de meios de comunicação, acesso à telefonia móvel (celular), computadores, e-mail, livros, jornais, televisões, através dos quais a network da organização criminosa estabelece seus vínculos e se fortalece. Precisamos de um factível modelo de gestão do conhecimento e de que faça frente à network do crime.
É necessária a melhoria da gestão de conhecimento, da rede de comunicação e da difusão de bancos de dados entre as instituições encarregadas da aplicação da lei, para que o Estado disponha de instrumentos apropriados para a reversão do grave quadro de segurança pública delineado.
O Plano Nacional de Segurança Pública implantado pelo governo federal no ano de 2000, previu a implementação de um Subsistema de Segurança Pública no Brasil. Um dos objetivos SISP era o combate integrado à criminalidade organizada transnacional, assim o governo federal propôs a implantação de Núcleos de Inteligência Policial (NIPO) nos 26 estados e no Distrito Federal, com participação conjunta dos setores de inteligência da Polícias Federal, Rodoviária Federal, Civil e Militar e do sistema penitenciário.
Nos estados, é recomendada a criação e manutenção de núcleos de inteligência, na busca de solucionar os problemas que possam surgir nas atividades laborais do setor, bem como de forma preventiva evitando ações decorrentes do crime organizado. Caberiam a tais núcleos as ações de planejamento, execução, análise, síntese e controle para que os resultados obtidos possuam maior eficácia, eficiência e efetividade.
Destaque-se que os serviços de inteligência de polícia judiciária se voltam, especificamente, para a realização da justiça criminal, de propósito instrutório e probatório criminal, bem como para a prevenção e controle de criminalidade (softwares de georreferenciamento, quadros de padrões criminais, estatísticas, mapeamento de manchas de criminalidade). Já a inteligência policial é, nas precisas palavras de FERRO JÚNIOR, “a atividade que objetiva a obtenção, análise e produção de conhecimentos de interesse da segurança pública no território nacional, sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência da criminalidade e também assessorar as ações de polícia judiciária e ostensiva por intermédio da análise, compartilhamento e difusão de informações.”
PACHECO leciona que a inteligência dita de Estado, ou seja, relativa à segurança nacional, isto é, do Estado e da sociedade como um todo, deve ser complementada pela Inteligência de Segurança Pública (ISP), cujo conceito está em construção. Para o Promotor de Justiça de Minas Gerais, a Inteligência de Segurança Pública (ou inteligência criminal) divide-se em inteligência policial (desenvolvida no âmbito das Polícias), e prisional (ou, mais restritivamente, penitenciária, desenvolvida no âmbito dos estabelecimentos prisionais).
Apesar de não haver posições contrárias, a materialização dessa estratégia de enfrentamento ao crime organizado esbarra na falta de recurso. A ausência de destinação de verbas reflete a falta de percepção dos governantes. É necessário mudarmos a tradição brasileira, que sempre se investiu bem mais em policiamento preventivo ostensivo do que em investigação, menos ainda em inteligência policial. Quando não se investe em inteligência, o policiamento fica reativo, atendendo apenas às crises e chamados. Mesmo o policiamento ostensivo para contemplar o mínimo do serviço de prevenção precisa de investimentos em inteligência, do contrário, a política de segurança estará sempre refém do crime.
O investimento em inteligência aumenta a capacidade preventiva das polícias e produz mais resultados. São necessárias aquisições de sistemas de informática de pesquisa e análise, informatização e construção de bases de dados, fundamentais para o planejamento, monitoramento e avaliação das políticas públicas e ações na área de segurança.
Nesse contexto, vislumbra-se que para o combate com rigor às facções criminosas é imperiosa a aplicação de verbas em investigação e inteligência policial, em especial com a implantação de Núcleos de Inteligência Policial, voltados à introspecção, processamento e difusão de informações úteis ao combate à criminalidade organizada.
EVALDO DE OLIVEIRA GOMES
É especialista em Ciências Criminais e em Gestão de Segurança Pública, delegado Classe Especial da Polícia Civil do Tocantins, atuando na 5ª Delegacia de Polícia Civil, em Palmas.
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