Se eu fosse parlamentar sugeriria um projeto de lei estipulando o dia primeiro de outubro como o Dia da Polícia Civil do Estado do Tocantins. Tomaria a ousadia de tal sugestão porque foi em primeiro de outubro de 2018, na cidade de Araguaína, que a Polícia Civil do Estado do Tocantins rastreou e identificou nada mais que R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) dentro da mala de um homem (irmão de um Deputado Estadual), após sair de um banco, tendo como suposto segurança do transporte um policial militar.
Essa data foi emblemática, porque após ela uma série de incidentes modificou a relação da Polícia Civil com o governo do estado, logo depois da apreensão do dinheiro e a polêmica que se sucedeu, combinado com a localização de toneladas de lixo, em um galpão, também na cidade de Araguaína, envolvendo figuras ilustres da política tocantinense e contratos suspeitos. Tais investigações levaram à redução das regionais de polícia (centrais administrativas e operacionais) de 13 para apenas 8, em uma clara intenção de retirar da delegacia regional de Araguaína o Delegado de Polícia Bruno Boaventura, o qual, àquela altura, não poupou esforços no apoio à elucidação do crime ambiental que chocou os tocantinenses. E o lixo hospitalar não estava apenas nos galpões, outra grande quantidade de expurgo foi localizada na fazenda da família do Deputado e seu cheiro exalou nas portas da Assembleia e do Palácio Araguaia.
[bs-quote quote=”Em meio a esse turbilhão, um grupo ainda resiste e luta, não se deixando calar e não se rendendo aos desejos e vontades de alguns políticos que insistem em dilapidar a coisa pública, mesmo com a atuação incansável da Polícia e de outros órgãos fiscalizadores” style=”default” align=”right” author_name=”WANDERSON CHAVES DE QUEIROZ” author_job=”É delegado de Polícia” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/03/WandersonChavesdeQueiroz60.jpeg”][/bs-quote]
Logo depois vieram, aos montes, fantasmas, assombrando vários gabinetes da Assembleia Legislativa e nos corredores da sede do governo. Que não sejam esquecidos, entre os capítulos escritos pela Polícia Civil, desde o outubro negro de 2018, os vários vereadores que também figuraram nesta trama, como investigados e presos, de Porto Nacional a Augustinópolis, levando nosso maravilhoso estado, infelizmente, às manchetes das páginas policiais dos mais importantes veículos de comunicação do Brasil.
Em meio a essa novela da vida real, na qual o Jalapão não foi o protagonista, muitos saíram feridos. Em novembro de 2018, frente às pressões exercidas pelo governo, toda a cúpula da Secretaria da Segurança Pública (SSP) e da Polícia Civil pediu exoneração, deixando um buraco no coração da segurança, porém, o poder não deixa vácuo e o vazio rapidamente foi preenchido e a cartilha começou a ser executada.
Nesse outro capítulo, o secretário interino que prometeu entregar a SSP a um Delegado de Polícia de carreira, do estado do Tocantins, possibilitando autonomia ao Delegado-Geral para gerir a Polícia, indicando os diretores que auxiliariam na administração da máquina, não cumpriu sua promessa e, ao contrário, entregou a polícia ao atual secretário, ao mesmo tempo que a Polícia Civil foi rebaixada para o terceiro ou quarto escalão, prova disso é a ausência da mesma no organograma do governo, publicado no diário oficial do dia 1º de fevereiro de 2019.
Mas o que é ruim sempre pode piorar, e o Delegado Hudson Guimarães e suas três sindicâncias instauradas, por críticas “acintosas” ao governo, são provas disso. Felizmente uma decisão judicial reverteu o quadro de perseguição, com o trancamento dos procedimentos.
Adiante, como prova de que o pior pode estar por vir, no início de março nos deparamos com a expedição do Decreto da Mordaça, que sofreu críticas de diversas entidades, entre elas o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Nesse decreto, vale destacar, a exigência absurda de comunicação prévia ao responsável por órgão público, quando do cumprimento de mandado de busca e apreensão (lembrando que cumprimento de mandado de busca e apreensão é cumprimento de ordem judicial) e na impossibilidade da comunicação ao chefe da repartição, a autorização do Delegado-Geral de Polícia. Uma série de outras maldades, inclusive de controle da atividade da imprensa, se encontram nele. Em resumo: decreto com diversos dispositivos ilegais e imorais.
Entretanto, o decreto era só a primeira lapada da chibata, o merecido castigo (ou seria controle?) aos que se voltaram ao combate à corrupção viria com o projeto de Estatuto da Polícia Civil, encaminhado pelo governador à Assembleia Legislativa, em 12 de março, o qual, ao que pese apresentar modificações interessantes e importantes, como a utilização de aplicativos para intimação de pessoas e a utilização de oitivas através de videoconferências. Por outro lado, invade a individualidade do servidor ao dispor sobre sua forma de utilizar as redes sociais e pior, dispõe sobre a impossibilidade de críticas aos superiores e a proibição de veiculação de informações acerca de investigações, ainda que não protegidas por sigilo, ou que sejam de interesse público. Em poucas palavras: as algemas que tantas vezes foram utilizadas no combate ao crime, se voltarão contra aqueles que ousarem discordar, afrontar e combater as ingerências do poder instituído.
Mas não acaba por aí, para aplicar as punições, o projeto cria a figura de “super corregedores” (nomeados pelo Secretário de Segurança Pública) os quais, depois de um ano em atuação na corregedoria, se destituídos do cargo, pelo período de quatro anos, poderão escolher em qual local trabalhar e não poderão ser subordinados a outros Delegados de Polícia, que eventualmente foram punidos ou simplesmente investigados, ainda que tal investigação não apresente provas para punir o servidor.
Felizmente, em meio a esse turbilhão, um grupo ainda resiste e luta, não se deixando calar e não se rendendo aos desejos e vontades de alguns políticos que insistem em dilapidar a coisa pública, mesmo com a atuação incansável da Polícia e de outros órgãos fiscalizadores. Esse grupo de corruptos, que creio ser minoria, insiste em assaltar os cofres públicos, seja através de licitações fraudulentas, seja mediante contratações de funcionários públicos fantasmas, que tem como objetivo apenas retornar ao agente político que o indicou ao cargo a maior parte do salário que recebe.
Resta perguntar se a situação ainda pode piorar e quanto a isso não tenho dúvidas que sim, pois muitos “mecanismos legais” e “autoridades” ainda podem surgir nesse caminho para tentar colocar a Polícia para investigar apenas criminosos pobres, deixando livre o caminho para os que se enriqueceram e os que pretendem se enriquecer às custas do dinheiro que deveria construir hospitais, escolas, delegacias, fóruns, praças, parques, universidades e outros.
Mas é assim, de batalha em batalha, os que não se deixam vencer caminham e lutam pela construção de uma Polícia Civil que não seja “de governo”, mas sim “de estado”.
WANDERSON CHAVES DE QUEIROZ
É delegado de Polícia e Adjunto da Delegacia Especializada em Investigações Criminais (DEIC) – Palmas
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