O Acordo de Paris é um compromisso mundial que busca manter o aquecimento global a menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais, com o objetivo de limitá-lo a 1,5°C. O artigo 5º do Acordo trata da necessidade de envolver e respeitar o conhecimento dos povos indígenas e suas comunidades locais no combate às mudanças climáticas. Nesse sentido, a gestão adequada do território e a promoção da autonomia dos povos indígenas são fundamentais para este enfrentamento.
Os novos modelos de rendas e negócios verdes podem ser uma alternativa interessante para nossas comunidades. Esses modelos buscam a rentabilização a partir da conservação e do uso sustentável dos recursos naturais, e podem ser desenvolvidos em conjunto com as comunidades locais. Dessa forma, é possível conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente e a promoção da autonomia dos povos indígenas.
Essa autonomia é essencial para a gestão dos territórios que habitamos. Nós somos os guardiões das florestas e dos recursos naturais, e nossa participação plena e efetiva nas estratégias de ação climática é fundamental para garantir a sustentabilidade desses ecossistemas. Além disso, a gestão participativa e inclusiva do território permite o desenvolvimento de atividades econômicas que respeitam o meio ambiente e geram renda para as comunidades locais.
Um importante exemplo é o Projeto Ilha do Bananal+, iniciativa que implementará o Redd+ (Redução de Emissões Resultantes do Desmatamento e da Degradação de Florestas) no Tocantins. A ação, que envolve o Governo do Tocantins, ocorre com a participação efetiva de organizações indígenas do Estado -, os povos Javaé, Karajá e Ãwa-Canoeiro-, que têm livre poder de decisão nas tratativas com a empresa brasileira Biofix Consultoria, responsável pela implantação da iniciativa no Estado.
O Redd+ é um exemplo de promoção de iniciativas verdes rentáveis que podem elevar o protagonismo indígena nas iniciativas de proteção ao meio ambiente. Trata-se de um mecanismo desenvolvido no âmbito da Convenção das Nações Unidas, que recompensa financeiramente comunidades que preservam as florestas, diminuindo a poluição e o avanço das mudanças climáticas.
É importante salientar que o artigo 5º do Acordo de Paris ressalta que os povos indígenas e as comunidades locais participem de projetos relacionados à mitigação e adaptação às mudanças climáticas, inclusive por meio da celebração de contratos. No entanto, é importante destacar que esses contratos devem ser firmados de forma justa e transparente, respeitando os direitos humanos, os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais, bem como nossas tradições, conhecimentos e práticas. Além disso, é necessário garantir que esses projetos sejam sustentáveis e contribuam efetivamente para a redução das emissões de gases de efeito estufa e para a adaptação às mudanças climáticas.
Ao mencionar a questão da autonomia para a celebração de acordos com empresas privadas, quero aqui dar visibilidade ao fato de que somos detentores do poder de decidir. Isso, porque ainda há o pensamento limitante de que os indígenas são tutelados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Isso é um correspondente da Lei nº 5371/1967, antigamente chamado de Estatuto do Índio, que criou a antiga Fundação Nacional do Índio, o que já não vigora porque a Constituição de 1988, portanto, soberana sobre o Estatuto, já quebrou essa tutela. O que ocorre é que o racismo estrutural impede a percepção coletiva desse avanço legal que favorece esses povos.
Desde 1988, nós indígenas temos autonomia legal para decidir sobre projetos, sobre nossas organizações, a vida econômica, administrativa e a gestão de nossos próprios negócios. Ou seja, os povos indígenas são sujeitos de direitos no cenário nacional e internacional. Temos autonomia e não precisamos de intermediários ou de tutores que tomem decisões por nós.
Além da Constituição Federal, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1989, reconhece aos povos indígenas o direito de assumir “o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões”, o que impõe aos Estados e organizações privadas modificações em suas relações com os povos, baseada em pilares como obrigatoriedade da consulta prévia, livre e informada para quaisquer iniciativas que interfiram nas referidas populações, submetendo-se à autonomia, prioridades e à autodeterminação, ou seja a cidadania plena desses povos.
Com isso, podemos concluir que o reconhecimento do conhecimento dos povos indígenas e das comunidades locais pelo Acordo de Paris, e com a autonomia dos povos para decidir sobre seus negócios, representa um passo importante para a gestão adequada do território e o enfrentamento das mudanças climáticas. A partir disso, é possível desenvolver novos modelos de renda e de negócios verdes em conjunto com essas comunidades, respeitando seus modos de vida e saberes tradicionais. Essas iniciativas, sempre realizadas em parceria com os povos, é fundamental para garantir a sustentabilidade dos ecossistemas e a geração de renda de forma justa e sustentável.
PAULO IXATI KARAJÁ
É presidente do Instituto Indígena do Tocantins (Indtins); acadêmico de Direito pela Universidade Federal do Tocantins (UFT); vice-presidente da União dos Acadêmicos Indígenas do Estado do Tocantins (Uneit); vice-presidente da Associação Indígena Mané Buré e técnico em gestão de projetos comunicaindtins@gmail.com