“Torna-te o que tu és.” Píndaro, 450 a.C.
Desde cedo, ouvia as pessoas dizerem, metade com tédio, metade com desdém, sobre o que fazer da vida: o que eu seria quando crescer? “Ah, mas você tem que fazer o que você gosta”. “Mas irá ganhar dinheiro com isso?”. “O que adianta você fazer o que gosta e passar necessidade?”. Ou a pior: “você tem que fazer o que ama independente dos outros”.
Toda essa discussão me parecia fútil. E sempre me pareceu temerário escolher uma “profissão” – que iria pautar toda a minha personalidade para o resto da vida. Como se a Vontade de Sentido, termo cunhado pelo psicólogo Viktor Frankl (que passou boa parte da vida como prisioneiro em um campo de concentração nazista), dependesse, necessariamente, e de forma precária e pobre, da sua profissão, do seu curso e do que você irá trabalhar para o resto de seus dias debaixo do Sol nesta terra ingrata.
[bs-quote quote=”O papo de ‘você faz isso por dinheiro ou por prazer?’ nunca me pegou. Porque não se trata disso. De nenhum dos dois” style=”default” align=”right” author_name=”ROBERTO ASSIS” author_job=”É delegado de Polícia” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/11/RobertoAssis01-180.jpg”][/bs-quote]
Isso nunca me “pegou”. Desde muito cedo sabia que minha profissão não iria pautar o que eu sou e, ainda cedo, a maturidade chegou: por circunstâncias pessoais alheias à minha vontade, restava eu aprender a gostar do que fazia, e não o contrário que todos sonham nos status das redes sociais, nas intenções e no discurso da maioria da massa: fazer o que gosta. Desde cedo, tive que auxiliar no sustento da família, e sequer o questionamento desse lugar-comum – “fazer o que gosta” – me passava pela cabeça. Vocação, para mim, nessa época, muitas vezes me parecia fazer sempre algo contra a minha vontade e sem nenhum prazer – somente pela nobreza de cumprimento do dever.
O contato desde cedo com a alta literatura me fazia ter o bom senso de que tempos melhores viriam, e ele veio – o chamado da vida me mostrou que havia desde sempre valores que me perpassavam e me superavam enquanto jovem adolescente e que, ainda, valia a pena eu não só batalhar por eles, mas até mesmo perder a minha vida por eles. Isso não importaria. Se ninguém soubesse da minha luta (ou da minha morte), tanto melhor: meu crédito com Deus na hora da morte aumentaria sobremaneira. E aqui entra o ponto chave que quero falar: vocação, necessariamente, não quer dizer fazer o que gosta. Nunca foi. Vocação, que vem do latim vocare, quer dizer “chamado”. E adivinha de quem vem esse chamado em primeiro lugar? Por isso o papo de “você faz isso por dinheiro ou por prazer?” nunca me pegou. Porque não se trata disso. De nenhum dos dois.
O imediatismo materialista moderno nos deu esse abismo de valores: não temos imaginação sequer para conceber anjos e santos, dizer o que é realmente nossa vocação verdadeira, que sempre e infelizmente ligamos com a profissão ou atividade laboral, de preferência a que estiver mais na “modinha”. Daí a justificativa de sermos um país de invejosos e frustrados: perdendo a referência maior de Deus, tudo o que nos resta é o cientificismo raso e essa confusão geral entre vocação e busca de um emprego melhor. Não é surpresa sermos o país recordista no consumo de antidepressivos.
Pois bem. Em que pese achar uma agressão existencial terrível ter que pressionar adolescentes sem personalidade formada a escolherem um “curso” para vestibular que irá pautar toda a sua vida futura (sua “vocação” por um empreguinho que fique entre entregar prazer e lhe render frutos financeiros), eu acabei entrando no jogo: havia escolhido a “carreira” (termo horrível) de diplomata, embaixador, algo do tipo. Afinal de contas, amava as estórias do maior embaixador brasileiro, José Osvaldo Meira Penna, poliglota e autêntico intérprete da psicologia e sociedade brasileiras – e, claro, amava viajar. Fazer o que gosta era a saída? Mas, eis que a tal vocação – e agora ponho o termo no seu devido lugar – falou mais alto: reprovei no vestibular para o curso de Relações Internacionais, restando, pois, estudar Direito, enquanto não parava de trabalhar enquanto bombeiro em Goiás para sustentar a família que restou. Consegui passar para o vestibular de Direito no Goiás, e de lá, de forma contingente e precária, consegui concluir o curso, sempre pensando: vocação nem é o que dá dinheiro, nem sequer o que me traz alegria/prazer. Pois muitas e muitas vezes fiz o que não quis fazer, por dever, e noutras realizei coisas que nunca me apresentaram retorno financeiro algum – e cujo resultado era zero satisfação também.
Todos nós buscamos sentido para a vida. Uma vida sem significado implica necessariamente em uma vida cheia de ilusões e entretenimento vazio. Logo… O que me ocorreu? Onde houve o estopim da relação sinuosa e frágil entre vocação, fazer o que gosta, fracassos, contingências e necessidade e a… Polícia Civil? Eis que ocorreram duas coisas, e a ajuda de um amigo concorreu para que eu encontrasse não só o sentido da vida de que fala Viktor Frankl, mas também a Polícia Civil.
Mas isso fica para uma próxima conversa…
ROBERTO ASSIS
É delegado de Polícia do Estado do Tocantins e foi bombeiro militar no Estado de Goiás por cinco anos.
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