O crime de receptação, previsto no artigo 180 do Código Penal, penaliza o ato de: “Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte“.
A pena para quem comete tal ilícito, é de reclusão, de um a quatro anos, e multa. Desta feita, verificam-se diversos verbos típicos, abrangendo sobremaneira, várias formas de execução e consumação de tal infração penal. Desta forma, vejamos a seguir, cada forma de cometimento do crime:
ADQUIRIR: A aquisição, trata-se de uma maneira de tornar-se dono, ou seja, mediante compra, troca, ou outra maneira onde a propriedade do bem é transferida;
RECEBER: O recebimento, trata-se da transferência da posse do objeto;
[bs-quote quote=”Visando a sonegação fiscal, ou mesmo para ocultar a propriedade do veículo por diversos motivos, muitas pessoas não consideram tal forma de transferência do registro de propriedade, adquirindo um bem de alto custo, como um veículo, o que, muitas vezes, os tornam receptadores” style=”default” align=”right” author_name=”ROSALINA MARIA DE ALMEIDA” author_job=”É delegada de Polícia ” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/09/Rosalina-Maria-de-Almeida60.jpg”][/bs-quote]
TRANSPORTAR: O transporte, trata-se de mudança de lugar do objeto;
CONDUZIR: O verbo conduzir, abrange os veículos, pois, embora seja bem parecido como o ato de transportar, neste caso, é necessário que o objeto seja passivo de condução, também de um lugar para o outro;
OCULTAR: É o ato de retirar das vistas dos outros, o objeto, para que não seja percebível por quem não detenha o conhecimento do local onde o mesmo está guardado. É possível ocultar na própria roupa, caso o objeto seja pequeno, como uma jóia, ou em um galpão de fazenda, quando o objeto seja grande, como uma máquina agrícola, por exemplo, ou mesmo dentro de uma gaveta, como um relógio, ou uma peça de roupa;
EM PROVEITO PRÓPRIO OU ALHEIO: É condição para o cometimento do crime, pois, além da prática de alguns dos cinco verbos típicos mencionados supra, e do prejuízo de alguém, é necessário que o infrator esteja auferindo alguma vantagem para si ou para outrem;
COISA QUE SABE SER PRODUTO DE CRIME: Aqui, a Lei traz um detalhe bastante subjetivo e de difícil comprovação. Desta forma, caberá ao investigador, acusador ou julgador, analisar, além do conjunto probatório dos atos investigados, a verificação do histórico até a transação do bem, bem como a boa fé do suspeito, o que pode ser mais ou menos de fácil observação.
Atualmente, é crescente o número de pessoas que comercializam diversos tipos de objetos através de redes sociais ou meios eletrônicos. Alguns tipos de anúncios, trazem de forma clara, a possibilidade de ilicitude do objeto, como por exemplo: veículo com pendência de documentação, aparelhos celulares e outros objetos sem notas fiscais.
Ocorre que, para a transferência de propriedade de veículos automotores, existe uma forma prescrita legalmente, que é a mudança de registro no Detran, ou Ciretran local, após vistoria técnica, visando a comprovação da segurança de que o veículo adquirido realmente é o que consta na documentação. Visando a sonegação fiscal, ou mesmo para ocultar a propriedade do veículo por diversos motivos, muitas pessoas não consideram tal forma de transferência do registro de propriedade, adquirindo um bem de alto custo, como um veículo, o que, muitas vezes, os tornam receptadores.
INFLUIR para que terceiro de boa fé a adquira, receba ou oculte: Influir, é direcionar, impulsionar, levar alguém a realizar determinado ato. Vejamos que, aqui, os verbos típicos atrelados ao verbo típico influir são três, e não cinco, como os referentes ao infrator em si. Desta forma, quem influi para que terceiro de boa fé transporte ou conduza, coisa que o influente sabe ser produto de crime, não é ato criminoso por si só. Por que o legislador não previu a criminalização do ato de influir a condução ou transporte do produto de crime? A razão está clara, pois, quem transporta ou conduz, já o adquiriu ou recebeu. Tal diferenciação, visa proteger o terceiro de boa fé, já que, com a quantidade de verbos típicos relativos ao cometimento do crime de receptação, o crime torna-se quase permanente, estando em situação de flagrância quem está na posse do bem, em quase todas as situações.
Continuando, o legislador traz a forma de receptação qualificada, com pena de três a oito anos e multa, para quem comete algum dos cinco verbos típicos relacionados inicialmente (adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar) ou ainda, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, nas mesmas condições anteriormente dispostas, todavia, agora, no exercício de atividade comercial ou industrial, ou seja, trazendo ao adquirente, uma sensação de idoneidade do objeto a ser adquirido, embora seja produto de crime. Estão abrangidas aqui, de forma infelizmente bastante comum, as peças de veículos roubados ou furtados, os quais são desmontados e as peças são expostas à venda, como se fossem provenientes de veículos baixados legalmente, após acidentes de trânsito com impossibilidade de restauração, ou outras modalidades que os coloque sem condições de retornarem ao trânsito.
Trouxe também o legislador, a equiparação à atividade comercial, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência. Sendo assim, não somente a atividade comercial regularizada poderá ser considerada para fins de qualificação do crime de receptação, mas qualquer forma de comércio, ainda que irregular ou clandestino, realizado de diversas maneiras, muitas vezes, organizada ou não, de modo ao enganar os olhos da fiscalização, visando exatamente a comercialização de objetos provenientes de crimes.
Há também uma novidade legislativa, trazida há cerca de três anos (em 2016), que é a receptação de animais, todavia, poderemos analisar tal ato criminoso de modo mais aprofundado em outra oportunidade, cujas características muito se assemelham à receptação de objetos, mas com suas especialidades.
Ainda, visando abranger as diversas práticas de receptação, o legislador trouxe a figura do ato culposo, no qual, o infrator não sabe que o objeto é produto de crime, mas deveria desconfiar da licitude do mesmo, haja vista a desproporcionalidade entre o valor comercial e o valor solicitado pelo vendedor, para aquisição do objeto, ou mesmo a condição de quem oferece o objeto, e mesmo assim, o adquire ou recebe. Disciplina o § 3º do Artigo 180 do Código Penal:
“Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso”
Aqui está abrangida grande parte dos receptadores, que tentam se justificar quando descobertos, arguindo não conhecerem a origem ilícita do objeto que detém em sua posse, todavia, o adquiriu de maneira irregular, sem a observância de regras de segurança necessárias à aquisição ou recebimento de um objeto. Desta forma, muita gente que se considera de boa fé, ou idônea, se deixa levar por um preço atrativo, ou por uma excelente condição de pagamento, recebendo um objeto de origem criminosa.
Precisamos conscientizar nossos próprios atos, bem como conscientizar as pessoas com as quais convivemos, que por detrás de um objeto com ‘facilidades’ para aquisição, ou um preço bastante atrativo, pode se esconder uma vítima de furto, roubo, apropriação indébita, e que, tais crimes somente ocorrem, porque existe o receptador, traz para si, o objeto afanado. Devemos saber que o que havia sido comprado com o suor do trabalho da vítima, muitas vezes, à duras penas e restrições pessoais, para aquisição daquele objeto, fora subtraído sem qualquer preocupação com isso.
Sendo assim, a falsa honestidade de quem adquire um objeto de origem ilícita, e, boa parte das vezes, se vale da arguição do desconhecimento, deve ser combatida, pois a maioria dos ladrões só existem, porque existe o receptador que faz com o que o crime cometido por ele, tenha seu proveito.
ROSALINA MARIA DE ALMEIDA
É delegada de Polícia do Estado do Tocantins, atualmente no DP de Alvorada-TO e especialista em Direito Público
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