É outono em Palmas. A quentura é amenizada com a “friagem” provocada pela chuva que – nessa época do ano – sempre chega pouco antes do crepúsculo. A semana inicia como terminou a anterior, a mesma assustadora e estranha sensação de impotência diante da avalanche de más notícias.
Quando acontecerá a convergência dessa curva insensata, fria e amarga de textos irados dos (sempre) incompreensíveis? É preciso um ponto final. A esperança ainda há de vencer o medo. A literatura e o amor irão urdir a teia da paz.
Nesses momentos, o melhor mesmo é deixar as lembranças, memórias e as ondas sensoriais fluírem. Respiro. Fixo os olhos nos contrafortes da Serra e, em um passo de magia, a natureza descortina o esplendor da sinfonia dos pássaros a ocuparem os ruídos da insensatez.
Um trino único, estridente e melodioso do “pássaro preto” se destaca das algazarras de periquitos, dos sabiás e das araras. O amigo que sempre visita nosso pomar em Taquaruçu é, carinhosamente, chamado de Chico. Chico Preto.
Os pensamentos de paz são estimulados e, na harmonia dos versos do poeta Humberto Teixeira, pego-me a assoviar e canto baixinho:
“…Tudo em volta e só beleza / Céu de abril e a mata em flor / Mas assum preto, cego dos zóio / Não vendo a luz, ai, canta de dor…”.
A ternura dos versos é o passaporte de um passado, por vezes, tão presente.
Sempre que “Chico Preto” canta, lembro-me do querido Cuinha. Nos dias tristes, seu canto acalma o coração. Na alegria, é um revigorante para suportar as enfadonhas afirmações de tolos a acreditarem que são os donos da verdade. Aquele tipo que, para ser bom cavalheiro, tem sempre uma opinião formada sobre tudo e todos.
O ilustre visitante, das manhãs e dos entardeceres, recebeu o apelido de Chico Preto como justa homenagem aos diversos “Franciscos” que marcaram nossas vidas. Homens que ousaram questionar e contrapor o insuportável senso comum dos politicamente corretos.
Como não lembrar de São Francisco de Assis, de Chico Buarque, de Chico Anísio, de Francisco Nzumbi (Zumbi dos Palmares) e, hoje, da Vossa Santidade, o Papa Francisco.
Mas o que aproxima esse amor entre o meu coração e o pássaro é seu jeito brejeiro, manso e humilde, características presentes nos sonhos e conquistas do saudoso Herculino, que por sua alegria e simplicidade, também foi da estirpe dos grandes Chicos.
São dezenas de gerações de pássaros pretos (acredito que da mesma família) a nos visitar nos quase trinta anos de Taquaruçu. Para mim, todos são meu querido pai a confortar e a alegrar nossos dias. Um simples “assum preto” que,
“talvez por ignorância / ou maldade das pior /furaro os zóio/ pra ele assim, ah, cantar mió”
Mal sabe o alegre pássaro que o meu cantar é tão triste como o dele. Outras ignorâncias roubam o amor / “que é a luz, ai, dos óios meus”.
Para meu irmão, a visita matinal é da Dona Jenie, um belo colibri em busca do néctar a nutrir concórdia, amor e Fé.
EDSON CABRAL
É administrador e membro da Academia Palmense de Letras.
ecabral.to@gmail.com
A crônica em vídeo: