Em 1994 tive minha primeira e única experiência como assessor de imprensa de campanha eleitoral. Um amigo candidatou-se a deputado estadual e me convidou. Um dos seguranças já havia trabalhado com ele em várias outras eleições. Um senhor calado, já entrando nos 60, muito educado, mais alto do que eu – e tenho 1,89 metro –, mais forte que uns três cavalos e mãos que abarcavam com folga uma bola de basquete. Eu o apelidei de Mão-de-Onça, e ele ria com gosto.
Eram lendárias as histórias de suas façanhas em campanhas eleitorais. Contavam que uma conhecida deputada estadual da região foi impedida por adversários de subir no palanque num comício. Ela buscou o Mão – como passei a chamá-lo. No pé da escada, o segurança sacou dois revólveres e recomendou:
– Conforme os corpos forem caindo, a senhora vai se desviando para não se machucar.
Como não houve quem ousasse tentar detê-la, por motivos óbvios, todos sobreviveram e a deputada discursou sem ser incomodada, sob o olhar de seu atento anjo da guarda.
Um líder local acertou que nos apoiaria, mas acabou se bandeando para os adversários. Nosso candidato, irritadíssimo, quis ter uma conversa cara a cara com o sujeito. Como o ex-aliado era meio xucro, achamos por bem que o segurança estivesse junto. No carro, a caminho da reunião, meu amigo nos alertou que o tête-à-tête poderia ficar tenso, com risco de fugir do controle. Isso não era problema para o Mão:
– Quando for para começar a atirar é só o senhor me dar um sinal – avisou.
Assustado, o candidato pediu pelos céus e santos que ele sequer levasse o revólver para o fatídico encontro. Com essa providência, mais uma vez, nenhum morto. Tudo correu tranquilamente, conversa pacífica, com leves altercações. Sem acordo, o sujeito deixou mesmo nossa campanha.
Em comícios pequenos sempre há um bêbado ou uma criança levada para tomar a cena e tirar a concentração do orador. Realizamos vários deles, por sorte, sem qualquer problema. Até que num bairro afastado veio o desagradável incidente. Logo que o cerimonial, apoteoticamente, anunciou a fala do candidato, do alto do palanque, onde ficava observando as reações, vi um grupo rindo e, nas proximidades, lá estava o temor de todo o staff, o ébrio.
A situação ficou realmente constrangedora quando todos silenciaram, após jingles, aplausos e aquela costumeira ovação puxada pela claque que dispúnhamos estrategicamente. Começou o discurso e, a cada frase, o bêbado atalhava.
– É mentira!
Mais uma fala e o indiscreto disparava:
– Só tem discurso!
Toda a atenção passou a se voltar para o infeliz e eu percebia que o raio de influência dele ia se ampliando na proporção que o volume das risadas e meu desespero aumentavam. O candidato perdia o raciocínio, ria nervosamente para as pessoas diante das interrupções e me dava umas olhadas enviesadas, com a clara mensagem: “Faça alguma coisa”. Eu temia um escândalo, por isso, evitava mandar o segurança. Mas chegou a um ponto que quase metade do público dava risadas e a outra parte procurava descobrir o que estava ocorrendo.
– Mão, chega lá, vai sem correria, sem chamar a atenção, e, pelo amor de Deus, não faça nada que cause escândalo, porque arrebenta com a candidatura do doutor, hein! – supliquei, por fim.
O segurança desceu do palanque de mansinho, serpenteou calmamente pelas pessoas e se postou ao lado do bêbado. Eu não o perdia de vista com medo dele dar umas bifas no sujeito no meio de todo mundo e aquilo acabar com o comício.
Não houve nada disso. Tudo se acalmou, o cidadão se calou e até passou a acompanhar os aplausos da plateia, meio que mecanicamente, bem apático, mas melhor do que tirar a atenção do público com seus gracejos.
O discurso seguiu normal. Ênfase em algumas propostas, a claque puxava a plateia com gritos e palavras de ordem, fim do comício, fogos, jingle e a banda contratada manteve o povo animado. A festa se estenderia até meia-noite, quando a legislação dizia que tinha que parar.
Aliviados, comemoramos que o bêbado tenha resolvido ficar em silêncio. O constrangimento atrapalhou os primeiros cinco minutos de um discurso de cerca de 25, então, tudo bem. Curioso com a repentina mudança de comportamento do impertinente, perguntei ao segurança o que ele disse que emudecera o sujeito.
– Ara, doutor, falei nada, não. Apliquei um alicate nas costelas dele e se calou na hora. Quando vinha os aplausos, eu apertava e dizia para bater palmas e ele batia. Aí eu apertava de novo e falava para e ele parava.
Como se vê, com Mão-de-Onça de segurança, as campanhas fluem bem mais tranquilas.
P.S.: Antes que me peçam, infelizmente não tenho mais o contato dele.
CT, Palmas, 25 de setembro de 2020.