A história mostra que a escolha do vice deve mesmo preocupar eleitores e políticos. Os primeiros porque, desde o início da República, em 1889, nem todos acabaram o mandato na sombra, como um Marco Maciel, comportado parceiro dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso; José Alencar, discreto avalista da elite na era Luiz Inácio Lula da Silva; o reservado Paulo Sidnei na segunda gestão Marcelo Miranda; Derval de Paiva, sábio e silencioso conselheiro dos primeiros quatro anos de Raul Filho em Palmas; e Fraudneis Fiomare, pacato companheiro dos oito anos de Ronaldo Dimas em Araguaína. Para os políticos, uma opção errada pode significar dor de cabeça sem fim.
Vices chegaram ao mais alto posto do País já no nascedouro da República. Três anos após a proclamação, o presidente Deodoro da Fonseca renunciou e Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, foi guindado ao comando da Nação, onde permaneceu de 1891 a 1894, fazendo com que a nova forma de governar fosse inaugurada sob os auspícios da ditadura.
Poucos anos depois, Nilo Peçanha presidiu, em 1909 e 1910, com o falecimento de Afonso Pena. A pandemia mundial anterior à atual, a da Gripe Espanhola, permitiu que mais um coadjuvante se tornasse protagonista. A doença atingiu o presidente Rodrigues Alves em fins de 1918 e o matou em janeiro de 1919, alçando Delfim Moreira ao maior cargo da República.
No início da segunda metade do século XX, um vice assumiu a Presidência sob comoção nacional. Com o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, Café Filho ficou no comando do Brasil até 1955. Pouco depois, em 1961, o tresloucado Jânio Quadros renunciou, deixando a faixa presidencial a seu vice, João Goulart. A crise política que borbulhava nos quartéis e na sociedade transbordou e veio o golpe militar de 1964, mergulhando o país em 21 anos de ditadura.
Em pleno regime militar, quase que um vice civil se sentou na principal cadeira do Palácio do Planalto. Pedro Aleixo assumiria com a morte do presidente Costa e Silva, mas foi impedido pela Junta Governativa Provisória de 1969.
Um vice civil só não foi barrado em Brasília quando a ditadura deu o último suspiro, num país que, de novo, chorava uma enorme perda. Eleito indiretamente, mas com amplo apoio dos brasileiros, Tancredo Neves morreu antes de tomar posse e José Sarney, parceiro de primeira hora dos militares, se tornou presidente em 1985.
Nos anos mais recentes, dois vices foram catapultados com o impeachment dos titulares. Em 1992, Itamar Franco assumiu e nunca deixou de ser coadjuvante, uma vez que os holofotes de sua era ficaram para seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Apesar de o Plano Real ter sido obra do governo Itamar, a história registrou a paternidade para FHC. Michel Temer herdou em 2016 a cadeira de Dilma Rousseff, presidente totalmente inepta que conduziu o Brasil para uma crise econômica sem precedentes. O ex-vice foi tragado pela corrupção que já triturava os petistas e atirado para fora do jogo da sucessão.
E os vices do Tocantins? Em 2006, o então reitor da UFT, Alan Barbiero, chegou a anunciar que se licenciaria do cargo para ser opção do PT – seu partido na época – numa composição com a majoritária do governador Marcelo Miranda. Acabou descobrindo que teria que renunciar, não se licenciar, e decidiu permanecer na universidade. Alan acabou virando vice em 2012, da deputada estadual Luana Ribeiro, mas na disputa pela Prefeitura de Palmas.
Na convenção da finada União do Tocantins de 2006, o vice de Siqueira Campos foi anunciado quando a cúpula já estava sobre o trio elétrico que a levaria para a grande festa preparada na região sul de Palmas. Era o hoje prefeito de Araguaína, Ronaldo Dimas, na época deputado federal do PSDB. Uma grande decepção para o então também deputado federal Homero Barreto, que desceu imediatamente do caminhão e ficou sumido por dias, até ser convencido a voltar à campanha pela turma do deixa-disso. Outro que esperava a vaga e também se decepcionou foi o ex-deputado federal Lázaro Botelho, mas, como a discrição é a marca dele, sem esperneio.
A decisão mais tensa ficou para o grupo do Palácio Araguaia, que rompera com o siqueirismo e temia a volta do ex-governador. Horas e horas de reunião, em que as informações de bastidores se revezavam e se desencontravam. Num momento o vice seria a então deputada federal Kátia Abreu, noutro era Paulo Sidnei e chegou-se a cogitar até o petista José Santana, deputado estadual naqueles dias. Assim foi até a apresentação do trio da majoritária, com a convenção já em andamento. Sidnei como o companheiro de chapa de Marcelo e Kátia disputou o Senado contra Eduardo Siqueira Campos. O PT do Tocantins, de Santana, como sempre ocorre nas eleições estaduais, foi rifado pela executiva nacional e teve que engolir a esdrúxula candidatura de Leomar Quintanilha – acreditem! – pelo PCdoB.
Em 2010, Siqueira e Kátia se reconciliaram e ela chegou a indicar o então deputado federal João Oliveira para concorrer a uma das duas vagas de senador. Como a política é um xadrez, a parlamentar repensou, deu um xeque e colocou seu braço direito como vice – e dizem que o pré-candidato a governador não gostou nem um pouco da mudança, afinal, também ele um enxadrista. No futuro, que chegou rapidamente, em 2014, João daria um trabalho danado. Primeiro para os Siqueira o convencerem a renunciar – detalhe: antes do governador – e, depois, para Kátia, que acabou rompendo com seu principal aliado com uma mais que acalorada discussão.
Ainda sobre 2014, o que chamou a atenção no caso do vice é que o companheiro de chapa de Sandoval Cardoso, sucessor de Siqueira, não foi anunciado por ele próprio, o governador, como de praxe. Quem apresentou Ângelo Agnolin para a vaga foi o prefeito de Palmas, Carlos Amastha, que havia se tornado player na política estadual ao vencer as eleições da Capital em 2012 e cujo vice, o então deputado estadual Sargento Aragão, decidiu não tomar posse do cargo que acabara de conquistar. Aragão cortou relações com seu colega de majoritária e Amastha ficou sem vice. Mas não perderia por esperar…
Isso porque, já naquelas eleições estaduais de 2014, estreava uma bem-sucedida carreira de vice a viúva do senador João Ribeiro, Cinthia Ribeiro. Na primeira tentativa fracassou, ao lado do senador Ataídes Oliveira, que concorreu ao governo do Tocantins.
O nome de Cinthia voltou à baila, e surpreendeu, em 2016, quando apresentada por Amastha, com rasgados elogios, como sua companheira de chapa, numa composição do então prefeito e Ataídes. Eleita, a primeira guerra da, enfim, vice foi contra o presidente de sua legenda, o PSDB. Ela só venceu Ataídes nos estertores do prazo da tal janela partidária agora, no início de 2020.
Com a renúncia de Amastha, em abril de 2018, para disputar a principal cadeira do Palácio Araguaia, a vice Cinthia chegou ao comando da capital do Tocantins e se manteve fiel até as eleições de outubro daquele ano. Como rei morto, rei posto, começou a dar sua cara à gestão e, claro, o ex-aliado esperneou, sem razão. Afinal, a mão que balança a caneta é que deve comandar.
Agora, quem estava contratando um problema era, justamente, a ex-vice Cinthia Ribeiro, ao quase ter que engolir na vaga alguém que não queria. Para o alívio geral dela e de seu staff de campanha, drummonianamente, uma pedra foi tirada do meio do caminho com o acordo não divulgado para que o renegado assinasse a renúncia à candidatura. Assim, todos respiraram aliviados. Mas, antes de comemorar, é bom esperar o DEM anunciar o substituto. Que desta vez, pelo menos, deem uma “googada” para não levar bola nas costas de novo.
Também nestas eleições há quem trate vice como “co-prefeito”. Se isso for levado para além do marketing e a vitória chegar, é outra promissória de problema devidamente assinada.
Afinal, como ensinam todas essas idas e vindas de vices, Poder não se divide.
CT, Palmas, 1º de outubro de 2020.