A semana era a primeira do mês de novembro de 2006, manhã ensolarada, daquelas que a gente tem quase nada para fazer. Eu estava a irradiar alegria por todos os poros: aguardava ansioso para o início da noite, uma grande festa – colação de grau em medicina de minha primogênita Giselle.
Andava de um lado para o outro… na verdade eu estava procurando um pretexto para digerir o meu primeiro “birinaite” daquela manhã de sábado.
Quando, de repente, meus olhos captaram uma imagem hilariante: estava bem próximo de mim uma bela rolinha “Fogo-pagou”, que, protegida em seu mimetismo, por pouco não passava despercebida. Fizera com todo zelo seu ninho entre as ramagens do muro em “cerca-viva” que separa a casa do quintal. Cumpria ali sua missão de proteger e levar seu calor vital aos ovinhos, até que dois novos seres viessem a eclodir com o sopro da vida.
Era a maternidade em sua plenitude!
E não querendo perder aquele momento único, pequei logo minha primeira latinha do dia, e, sentado em uma cadeira preguiçosa, fiquei de plantão junto dela.
A rolinha nos transmite uma beleza inigualável, sua roupagem e meiguice fazem com que mais pareça uma donzela, e, a chocar os seus ovos, estava ainda muito mais graciosa.
Fiquei a pensar com os meus botões: até quando ela deveria permanecer naquela quietude sem procurar alimento para o seu sustento? Horas, dias, noites ou semanas? Já que teria que manter o ninho aquecido em tempo integral. Confesso que aquilo me intrigou sobremaneira.
O tempo foi passando, e, após umas tantas horas, e eu já meio “grogue” continuava ali: olhando para ela e ela fingindo que eu não a estava vendo. Até que chegamos ao meio dia. Foi quando veio de mansinho o marido, o namorado, … o chegado, ou sei lá – o mundo hoje está tão moderno!
Só sei que trazia na face(?) o senso da responsabilidade para com os seres que estavam para nascer. E, de pronto, foi logo assumindo o seu posto no revezamento do plantão. Foi quando ela, após alguns gorjeios e troca de amabilidades com o amado, partiu em busca do almoço.
Eu aprendia ali, que embora sendo seres tão pequenos e frágeis tinham perfeito conhecimento de sua missão de vida. Uns chamam isso de instinto; outros de herança do código genético; os cristãos de presença de Deus. Prefiro ficar com o último: “ crescei e multiplicai-vos”, povoai a terra, para que dela possa tirar o seu sustento!
Eu, em sã consciência, posso afirmar que foi uma das cenas mais bonitas que já pude ver em toda a minha existência – repleta de ensinamentos, e que haverá de estar gravada para sempre em minha memória. Não são poucas as vezes que presenciamos os humanos, que embora dotados da mais alta inteligência, legada aos seres viventes, deixam suas crias à deriva da sorte.
A eles, deveriam ser dadas as oportunidades de verem, um dia, a troca de plantão da rolinha “Fogo-pagou”.
JALES PANIAGO
É médico, escritor, membro da Academia Palmense de Letras (APL) – Cadeira 23
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