Nos dias atuais, Dianópolis minha primeira terra natal, antigo Nordeste de Goiás, desde 1º de janeiro de 1989 Sudeste do Tocantins e Goiânia minha segunda terra mãe por adoção desde 1º de janeiro de 1968, cidades que mesclam meus sentimento de Goiano por nascença e Tocantinense por força de lei e que em ambas em função da miscigenação existente, muitos não sabem o significado do termo “chuva do caju”, mesmo porque em nome da ganância material inúmeros são os que se esquecem de analisar e apreciar as lições que a natureza nos oferece no dia a dia.
Esse maravilhoso fenômeno natural que aliado às palavras e sentimentos um tanto poéticas e sonhadoras, recheadas de recordações da infância, ocorre, geralmente, no início do mês de setembro, embora nos últimos tempos não venham ocorrendo como tempos atrás, que nos traz o prenúncio da primavera, quando a natureza está quase toda preparada para nos presentar com as primeiras chuvas e a terra ferida e ressequida pelo sol causticante, aguarda o milagre do líquido cicatrizante das águas e os beija-flores brincam de donos da natureza.
Quando as árvores dos quintais e dos campos se angustiam à espera de madrugadas acompanhadas daquelas chuvas fininhas, preguiçosas e dormideiras, na expectativa de eclodirem em forma de flores dos ipês e de outras, embora rústicas, tão delicadas que se comparam a lírios do campo, para depois surgirem os frutos do cerrado.
Dentro de poucos dias, quando o cerrado, chapadas, campinas e vales eclodirem em variadas novas vidas e manhãs e tardes se farão nubladas, enfumaçadas e mais quentes, duvido que exista alguma pessoa, principalmente nascida no interior, que não se deixe embalar pelo momento mágico da primeira chuva, aquela que chega antes da nova estação, e não passe a recordar o tempo de criança.
Duvido que não se lembre da época em que os números tinham valor apenas para as quatro operações matemáticas, sem disputas materiais ou de cifrões, servindo tão somente para contar emoções e marcar o tempo sem compromissos. Duvido que não se lembre dos quintais que não conheciam cercas elétricas e suas divisas eram apenas a amizade e respeito pelos vizinhos; das incontáveis mangueiras, laranjeiras, videiras, amoreiras, tamarindeiros floridos e que a cada ventania transformavam o chão em tapetes divinos; não se recorde do caju temporão e da manga verde com sal; que não se relembre das noites quentes quando muitas pessoas sentavam-se em cadeiras dispostas em frente das casas para estreitarem amizades ou até mesmo para encontros de namorados e de longe ficavam ouvindo o serviço de alto falante da cidade anunciar músicas de alguém para outro alguém; duvido que não se lembre das brincadeiras de esconde-esconde, salva companheiro, pular cordas, saltos de distância, das disputas dos jogos de finca, pião e bola de gude à sombra de grandes árvores; dos banhos escondidos dos pais nos arredores da cidade; não se lembre das roças queimadas pelos ingênuos agricultores, provocando grande fumaça e calcinando a terra; das arapucas, alçapões e caçadas de juritis, inhambus e galinhas d’água, em fins de tardes.
Que não se lembre das baladas do sino da igrejinha anunciando a hora do angelus. Enfim, quem não se lembre do lar amigo em rua tão simples e despretensiosa que ficou para trás com os pais, irmãos e amigos.
E é diante desse cenário de tantas recordações que nos traz a primeira chuva de setembro, denominada chuva do caju, pois após sua precipitação, os cajuzinhos do campo, matizam de vermelho todo cenário do cerrado, que me surpreendo, novamente, tentando decifrar esse grande apego aos símbolos da infância que aliados à chuva do caju e as demais subsequentes, trazem-me essa ligação tão íntima com a natureza mãe, que desperta em minha alma este amor tão intenso pela terra e só encontro uma plausível explicação no preceito de que nossa matéria é pó e ao pó retornará.
“Quem tem ouvidos que ouça quem tem olhos que veja!”
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JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
É poeta, escritor e advogado. Membro fundador e titular da cadeira nº 12 da Academia de Letras de Dianópolis (GO/TO), sua terra natal.
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