Compulsando os livros mais antigos que guardo com carinho e que abriram os olhos e ouvidos do meu espírito, bem como os de tantas gerações que souberam fazê-lo, sob a batuta do grande mestre e ícone da cultura e educação da minha terra natal, Dianópolis, situada no Sudeste do Estado do Tocantins, o nosso inesquecível Padre e depois Monsenhor Magalhães, de quem tive o privilégio e honra, a despeito da diferença de idade, de privar da amizade pessoal, nascida do convívio quase diário, quando eu bebia na sua fonte de sabedoria e maturidade e onde saciava minha sede de conhecimentos e curiosidades e absorvi os conselhos e experiências de vida espiritual, em especial quando aprendi apreciar e apaixonei-me por músicas clássicas e literatura variada.
Tenho aqui uma pérola da literatura mundial, a 3ª edição, ano de 1943, da obra intitulada O GITANJALI (UMA OFERTA DE CANÇÕES ou, ainda, OFERTA DE ORAÇÃO DE CANTO) autoria de Rabindranath Tagore, um polímata indiano, traduzida por Guilherme de Almeida, que me foi ofertada pelo mestre acima referido e de onde extraio alguns trechos que ao meu sentir superam quaisquer outros e para os quais chamo atenção do prezado leitor para a profundidade dos mesmos, ao tempo que os dedico, em memória de meu inesquecível mestre, que para mim será sempre o Padre Magalhães:
“Quando ordenas que eu cante, parece que o meu coração vai estalar de orgulho; e eu olho para o teu rosto e veem lágrimas aos meus olhos. Tudo o que em minha vida é áspero e dissonante, confunde-se numa harmonia única e suave – a minha adoração solta as asas como um pássaro feliz no seu voo sobre o mar. Sei que gostas do meu cântico. Sei que é só como um cantor que posso estar diante de ti. Com a ponta da asa largamente aberta do meu cântico eu roço os teus pés que nunca esperei poder alcançar. Bêbado da alegria de cantar, esqueço-me de mim mesmo e chamo-te amigo, a ti que és o meu Senhor.”
“Não sei como cantas, ó meu Mestre! Escuto sempre em silencioso deslumbramento.
A luz da tua música ilumina o mundo. O sopro de vida da tua música voa de céu em céu. A torrente santa da tua música rompe qualquer obstáculo de pedra – e jorra.
O meu coração anseia por juntar-se ao teu cântico, mas em vão se esforça por ter voz. Eu poderia falar, mas a linguagem não se transforma em cântico, e, confundido, choro em voz alta. Ah! Tu fizeste o meu coração prisioneiro nas malhas sem fim da tua música, ó meu mestre!”
“Vida de minha vida, eu tratarei de trazer sempre puro o meu corpo, sabendo que o teu tato pousa sobre todos os meus membros. Eu tratarei de trazer sempre longe dos meus pensamentos qualquer falsidade, sabendo que tu és essa verdade que acende a luz da razão no meu espírito. Eu tratarei de afastar sempre do meu coração qualquer maldade e de conservar sempre em flor o meu amor, sabendo que tu tens a tua morada no santuário íntimo do meu coração. E será todo o meu emprenho o de revelar-te em minhas ações, sabendo que é o teu poder que me dá a força de agir.”
“A criança que se cobre com as roupagens de um príncipe e que enrola ao pescoço cordões de joias, perde todo prazer no seu folguedo; as suas vestes embaraçam-se a cada passo. De medo que elas se gastem ou manchem de pó, ela se afasta do mundo, e até mesmo mover-se ela receia. Mãe, não vale a pena essa tua prisão luxuosa, desde que ela exclui a gente da poeira saudável da terra, desde que ela priva a gente do direito de entrar na grande feira da vida comum dos homens.”
“O tempo, Senhor, não tem fim nas tuas mãos. Ninguém está contando os teus minutos. Dias e noites passam, e as idades desabrocham e murcham como flores. Tu sabes esperar. Os teus séculos sucedem-se uns aos outros, formando como que uma pequena flor silvestre. Não temos tempo a perder, e não tendo tempo a perder, devemos cuidar da nossa sorte. Somos pobres demais para andarmos devagar. E assim passa o tempo, enquanto eu o dou a todo aquele que se queixa ou que o reclama, e o teu altar se vai despindo de cada uma, até a última das oferendas. Ao fim do dia, apresso-me de medo que se feche a tua porta; e acho, entretanto, que ainda há tempo.”
“Quem tem ouvidos que ouça, quem tem olhos que veja!”
JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
É poeta, escritor e advogado; membro-fundador da Academia de Letras de Dianópolis.
candido.povoa23@gmail.com