Embora se trate de um artigo já publicado há anos atrás, nem a história nem os acontecimentos contemporâneos, que se sucedem há mais de dois milênios, não modificam o seu teor, como é o conteúdo deste, agora, republicado.
Determinados textos não nos deixam lacunas para que possamos modifica-los e sobre os quais nos cabe, tão somente, ler e absorver os ensinamentos neles contidos, a exemplo do que transcrevo abaixo, de autoria do Frei Leonardo Boff, que, embora eu não concorde na totalidade com a teoria da libertação por ele defendida e difundida, neste caso vejo algo mais transcendental e sempre atual, pigmentos espirituais outros.
E não existe melhor momento para falarmos sobre ele do que neste 19 de março, dia consagrado a esse ser tão especial, que nos legou uma história de vida que nunca se apagará: JOSÉ, esposo de Maria e padrasto de Jesus, que se não bastasse ser padroeiro da Capital do nosso Estado do Tocantins, também o é da minha querida terra natal Dianópolis-(GO/TO), para mim a Capital do mundo, pois foi onde vivi minha infância e adolescência.
É um momento especial para lembrarmos e conhecermos um pouco mais sobre esta figura tão singela e acolhedora, de um pai-avô que deu o nome a milhões de pessoas, de instituições, de cidades e de ruas: São José
Das pesquisas do frei, acima citado, resultou o livro – São José, a personificação do Pai.
Nas considerações do referido autor, ele “hoje daria um outro título já que o livro não se restringe a São José, mas a propósito dele, discute também as questões contemporâneas da figura do pai e das várias formas de família, quase todas atualmente em crise. Chamaria: José, o pai de Jesus numa sociedade sem pai.
Descobriu ele, ainda, em uma igrejinha da pequena vila, Saint François du Lac, perto de Quebec, uma figura que possivelmente não existe em nenhum outro lugar no mundo: o Pai celeste e José possuem o mesmo rosto e o mesmo formato de barba. O que o levou a sustentar a teoria teológica (teologúmenon, se diz em teologia) de que São José é a personificação do Pai, como Jesus é a do Filho e Maria a do Espírito Santo. Com isso afirma-se que a Família Divina do Pai, do Filho e do Espírito Sant ganha corpo na família humana de Jesus, Maria e José…O autor restringe seu texto àquilo que todos podem assumir, independentemente da fé que professem.
Descreve São José não como uma figura solar, mas lunar, uma figura de sombra. Não deixou nenhuma palavra, apenas teve sonhos que, com dificuldades, acatou e seguiu. Não sabemos nem quando nasceu nem quando morreu. Apenas que, corajoso, levou para casa uma menina misteriosamente grávida, Miriam, e assumiu o menino impondo-lhe o nome de Jesus. Depois enfrentou com a família a perseguição de um monarca sanguinolento, Herodes, fugiu para o exílio no Egito e, na volta, se escondeu numa pequena vila ao norte da Palestina, em Nazaré, tão desconhecida que nunca é citada em todo o Primeiro (Velho) Testamento.
Introduziu o filho Jesus nas tradições religiosas de seu povo e lhe transmitiu a profissão de artesão-carpinteiro. Dele se diz que era um homem justo, que na linguagem bíblica possui um sentido social: Sgnifica um homem corretíssimo, bem integrado na sociedade a ponto de ter se transformado numa referência viva para todos. Depois sumiu sem deixar sinal. Apenas os apócrifos (livros tardios não aceitos pela igreja oficial) sabem muito de José mas de forma fantasiosa e, por vezes, hilariante. Aí se conta como educou o menino Jesus, chegando até a puxar-lhe a orelha por causa das peraltices que fazia, como faz aliás, toda criança sã. Até referem que, viúvo com seis filhos, casou com Maria aos 93 anos, ficou com ela por 18 anos e morreu com 111. (Atentemos para o fato de que naquela época do anos de vida não eram contados como o fazemos hoje).
São José nunca teve centralidade na Igreja. Somente depois de 800 anos apareceram os primeiros sermões sobre ele. Apenas em 1870 foi proclamado patrono da Igreja Universal, não pelo próprio Papa Pio IX, mas por um decreto da Congregação dos Ritos. Em 1962 o Papa João XXIII inseriu seu nome no canon da missa, mas com resistência por parte dos Cardeais que se opunham duramente. E não sem razão. Para uma Igreja que se organiza ao redor do poder sagrado, cheia de titularidades, com símbolos e hábitos palacianos, São José é totalmente disfuncional. Ao contrário, seu silêncio, sua simplicidade, suas mãos calosas não se prestam a legitimar um estilo imperial, hierárquico e autoritário de Igreja institucional. Mas graças a Deus, este tipo de Igreja não é toda a Igreja, mas parte ínfima dela, pois existe a Igreja real, feita de fiéis, de comunidades que leva a vida cotidiana iluminada pela fé cristã mas sem preocupação de visibilidade social.
A invisibilidade de São José não é sem sentido. Funda e legitima uma espiritualidade bastante esquecida pelo tipo de cristianismo oficial e hierárquico. Neste são os papas, os bispos e os padres que ocupam a cena, falam e têm visibilidade. No outro, o da grande maioria dos cristãos, nossos pais, avós e parentes e outros conhecidos, anonimamente tomam a sério o evangelho e a inspirações da mensagem de Jesus. Vivem mais do que falam de suas convicções cristãs. São José por seu anonimato e silêncio se insere dentro desta grande maioria.
Então, mais que patrono da Igreja universal, ele comparece como o patrono da igreja doméstica, dos irmãos e irmãs menores de Jesus. Ele é um representante da “gente boa”, da “gente humilde”, sepultados em seu dia a dia cinzento, ganhando a vida com muito trabalho e levando honradamente suas famílias pelos caminhos da honestidade. Orientam-se mais pelo sentimento profundo do Criador que por doutrinas teológicas sobre um Ser Supremo. Para eles, como para José, Deus não é um problema, mas uma luz poderosa para dar sentido aos problemas.
Foi neste ambiente que Jesus cresceu. Sua relação com José, a quem chamava de pai, deve ter sido tão íntima que serviu de base para Jesus sentir Deus como “Paizinho querido” (Abba) e nos transmitir essa experiência libertadora.
Transcrevo uma fala de Jesus contida no evangelho apócrifo do século IV – História de José, o carpinteiro (Vozes): ”Quando fordes revestidos de minha força e receberdes o Sopro de meu Pai que é o Espírito Paráclito (aquele que consola, conforta, encoraja ou reanima) e quando fordes enviados a pregar a boa-nova, pregai também a respeito de meu querido pai José”.
A Igreja-poder não cumpriu totalmente ainda este mandato. Eu fiz minha parte que outros a levem avante.”
Quem tem ouvidos que ouça, quem tem olhos que veja!
JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
É poeta, escritor e advogado
candido.povoa23@gmail.com