O músico consegue transferir a sua alma para o instrumento que manuseia, o poeta por sua vez transfere para os versos os mais intrínsecos sentimentos decifrados em cada momento da vida. E ambos se complementam.
Era comum e praticamente generalizado entre os adolescentes da jovem guarda, nas décadas de 60/70, aprenderem a tocar violão e eu como tal, não fui exceção. Intentei e até consegui, embora com poucas notas musicais, acompanhar algumas músicas da época. Mas logo constatei que meu espírito não conseguiria acompanhar das mais simples e muito menos as mais intrincadas notas musicais. Creio que se devesse à pressa que a idade me exigia e por ter um temperamento e percepção muito além do que exigia minha idade e já certa perspicácia em relação a vida.
Vi aquele transcendental ofício sendo executado por muitos amigos, primos e irmão que através de instrumentos musicais tornaram-se intérpretes do transcendental ofício dos desejos da alma.
Eu segui o que minha alma pedia: construir sonhos e compor através de poemas, pois sempre tive a consciência de que a música nasce da poesia e a poesia nasce da música. Afinal são irmãs gêmeas.
Bem depois entendi que o recado que recebia da vida: com palavras e sonhos o poeta compõe partituras, arranca acordes, intercala notas musicais em tudo. Ao ver e amar do nascer ao pôr do sol; ao apaixonar-se pelas chuvas que caem e fazem brotar a vida nas sementes guardadas no seio da terra; ao encantar-se pelas flores com seus perfumes e mel e de consequência pelos frutos, seus perfumes, sabores e cores; ao voar nas asas dos beija-flores e todos os pássaros; ao amar as águas que correm pelos rios em busca do fim que lhes esperam nos grandes mares e oceanos, muito maiores que nossos sonhos puramente humanos.
Quando tudo isso vem morar em mim, recordo dos acordes que não pude e não aprendi no violão da minha adolescência.
E, agora, já com a maior parte, aliás, bem maior parte do caminho percorrido, agradeço ao Supremo Criador por ter me concedido um espírito que soube, sabe e continua aprendendo, fazendo e compondo músicas com as cordas do meu coração e minha alma de poeta. Músicas muitas vezes imperceptíveis até mesmo pelos corações dos maiores compositores musicais. É que determinados sonhos e ilusões pertencem tão somente ao coração dos poetas e sonhadores e que acreditam na beleza da vida. Continuo na estrada sempre em busca dos maiores e melhores ensinamentos da vida.
A propósito, as pessoas que cantam a natureza, que é um eterno cantar em tudo que é. Por coincidência ou não, pelo terceiro ano consecutivo recebo numa determinada e época certa determinada pela respectiva estação do ano, uma visita inusitada no 19º andar onde resido: uma cigarra que traz no canto e na presença a lembrança dos insondáveis segredos do seio da terra, que por pouco dias em suas asas o canto com ela carrega, deixando sempre nos meus ouvidos, minha alma e meu coração as lembranças do meu tempo de criança. Já não sei, agora, se se trata de um canto ou um lamento, se alegria ou sofrimento, se querem ou chamam chuva ou apenas alegrar-me por breves momentos.
Tenho guardado em mim que o seu cantar é uma partitura Divina, solene, com acordes sublimes, que em conjunto com as águas e sonhos, tornam-se para o coração do poeta uma canção completa e perene. Assim vivendo continuo como parte integrante da natureza, admirando-a nos pequenos detalhes onde o Criador se revela em Sua inteireza.
Enfim constato que, realmente, a poesia e a música são irmãs gêmeas e nasceram para decodificar os sentimentos que perpassam na alma humana.
Quem tem ouvido que ouça, quem tem olho que veja!
JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
É poeta, escritor e advogado; membro-fundador da Academia de Letras de Dianópolis.
candido.povoa23@gmail.com