Sofro de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Aos “normais”, explico: trata-se de um tipo de desordem mental (crônica). Seus portadores, como diz o nome, têm pensamentos obsessivos e/ou atos compulsivos.
É um problema grave, já que pode prejudicar o desempenho (pessoal e profissional) do indivíduo, que tem comportamentos considerados estranhos para a sociedade ou para si próprio.
Na prática, são ideias exageradas e irracionais de saúde, higiene, organização, simetria, perfeição ou manias e “rituais”, dificilmente controláveis.
De acordo com especialistas, o pensamento obsessivo funciona como um disco riscado (quem se lembra?) que fica repetindo sempre o mesmo ponto da gravação. Em geral, isso é inevitável, ou seja, ela não quer pensar daquela forma, mas a ideia e as imagens persistem.
Essa condição pode reduzir a qualidade de vida e até debilitar o portador, que deve buscar ajuda psicológica/psiquiátrica. Se não tratado, o distúrbio pode levar à intensificação dos sintomas.
Alguns sintomas: pessoas que não tocam em objetos que os outros tocaram; outras que ficam ansiosas quando os objetos não são colocados de uma certa maneira; as que têm preocupação excessiva com a segurança, como o se a porta foi realmente trancada; há ainda as que Lavam excessivamente as mãos, limpam móveis, casa, louças, mesmo que já estejam limpos e brilhando; etc, etc.
No meu caso, não piso em ricos de calçadas; nunca calço primeiro o pé direito; não suporto um fio de cabelo feminino (preto) caído sobre uma blusa ou calça branca, e vice-versa; implico com quadro (torto) na parede e com livros finos em meio aos volumosos, e com os pequenos ao lado dos grandes; conto letras e palavras etc, etc.
Em uma pista de caminhada, por exemplo, ando sempre no sentido anti-horário. Portanto, considero “malucos” todos os que caminham em sentido contrário – na contramão.
Minha mania mais grave, porém, é a de revisar/editar indefinidamente o que escrevo. Motivo pelo qual, possivelmente, este texto nunca será publicado, salvo pela generosidade de algum amigo, que o considere “concluído”.
Mas o TOC não atinge apenas os que dele padecem. Sofrem também os amigos e familiares dos portadores dessas “esquisitices”.
Mas nem por isso, esse tipo de transtorno deixa de gerar situações, digamos, engraçadas. Pelo menos para os ditos “normais”, que observam tais excentricidades.
É o caso da minha esposa, que sendo “normal” se irrita com as minhas manias/loucuras, e repete sempre o mesmo discurso, segundo o qual nada me acontecerá se eu pisar no risco da calçada ou fizer uma caminhada pela “contramão”, por exemplo.
Um dia, caminhávamos de mãos dadas por uma extensa calçada, quando comuniquei-lhe:
— Superei o TOC em relação aos riscos das calçadas. Ela comemorou, claro.
— Finalmente. Uma “loucura” a menos!
Continuamos caminhando, quando, de repente, parei por um instante e retrocedi alguns passos, por causa de um bendito “risco” no caminho. Ela estranhou:
— Meu Deus! Você disse que não saltava mais os riscos da calçada.
— De fato, agora preciso pisar em todos eles.
Não bastasse isso, dizem que o Transtorno Obsessivo Compulsivo pode ser hereditário. Ou seja, é possível “herdá-lo” de nossos antepassados e “repassá-lo” aos descendentes.
Mas há esperança. Descobri, feliz, que, dos meus muitos filhos e filhas, apenas uma tem predisposição ao problema.
Ela tinha então cinco anos de idade (hoje,19). Estava deitada no chão da ampla varanda de uma casa em que moramos. Com a mão direita para o alto, movimentava freneticamente seu pequeno dedo indicador.
Deitei ao seu lado. Nada vendo de especial no teto, perguntei-lhe:
— Filha, para o que você está apontando?
Após certa relutância, como o garoto que via gente morta, no filme “O sexto sentido”, ela olhou-me, temerosa, e finalmente respondeu
— Pai, eu conto coisas.
Naquela ocasião, contava vigotas, caibros, ripas as telhas e telhas e até as letras do nome da cerâmica que as fabricara…
Agora adulta, é boa de cálculo e está na faculdade de Engenharia Ambiental. Acredito que seu futuro será promissor.
Certamente, melhor que o meu, que continuo transtornado, obcecado e compulsivo por palavras – escritas e não escritas – mas “analfa” de pai e “beto” de mãe em relação aos números, que caracterizam as Engenharias, cujos profissionais, em geral, são melhor remunerados que os escrevinhadores.
RUBENS GONÇALVES
É jornalista em Palmas
rubensgoncalvessilva@gmail.com