Todos os dias pelo menos uma mensagem do meu querido amigo Nilo Alves chegava no meu WhatsApp. Comentava uma matéria, um fuxico dos bastidores da política, um show que iria fazer, sua relação com grandes nomes da música e da literatura, uma dica de pauta ou um pedido de divulgação de um clipe novo dele ou de algum amigo. Invariavelmente, o áudio terminava com sua gaitada divertida e inesquecível, que ainda hoje soa em meus ouvidos.
Houve época em que caminhávamos juntos pelo menos umas três vezes por semana no Parque Cesamar. Tínhamos terreno próximo no Jardim Canadá, no Luzimangues, onde Nilo ia semanalmente aguar as plantinhas. Uma vez dona Sandra e eu o levamos até lá. Um dia me enviou, empolgadíssimo, o projeto da casa que construiria na área. Lindo! À altura do enorme talento do meu amigo.
Ainda havia as tertúlias aqui no apartamento num sábado ou domingo. Ele chegava já disparando sua gaitada, intrigado com o irritante sistema de segurança do condomínio. Então, apanhava o violão do meu filho Jorge, começava a dedilhar e contar histórias. Depois mostrava em primeira mão um poema de João Cabral de Melo Neto que musicou, ou de outro grande poeta. Nas mãos de Nilo, as obras sempre ficavam magníficas. Dava dicas para o Jorge, que é músico, elogiava o talento do meu menino. Almoçávamos e, em seguida, voltávamos ouvi-lo tocar mais um pouco. Sempre o acompanhava até a portaria. Nilo subia em sua motoneta e ia embora.
Quando lançou seu livro sobre os músicos de Goiás, um calhamaço considerável, chegou enlevado com um exemplar na mão para me presentear. Depois fui eu, extasiado, que levei minha obra — “2018, crise fiscal, política e 3 eleições” — para meu querido amigo. Inclusive, foi a última vez que nos vimos pessoalmente. Depois desse encontro, estourou a segunda onda da Covid-19 e permanecemos nas conversas diárias por WhatsApp até que ele me disse que estava com o vírus. Para mim, era uma bobagem. Um homem forte, saudável, cuidadoso com a saúde como Nilo, em dias estaria firme e de volta com suas gaitadas em áudio para mim.
Mas me ligou um domingo à noite, tossindo demais e dizendo que não conseguia lugar para se internar, porque hospitais e postinhos estavam todos cheios de vítimas da Covid-19. Liguei para um e para outro e conseguimos vaga. Nilo só foi piorando e na manhã de quarta-feira, um familiar me disse que foi chamado para o posto de saúde pela equipe médica. Quando me preparava para almoçar chegou a notícia da morte de meu amigo, um dos artistas mais talentosos que este Estado conheceu, Nilo Alves.
Dona Maria de Lourdes foi quem apresentou a estes paulistas o arroz com pequi. Isso foi em 2003. Chegamos havia pouco tempo a Palmas. Ela, esposa do reverendo Eurípedes, nos convidou para um almoço em sua residência. Dona Lourdes vivia me incentivando. Era uma pessoa que nunca se aproximava da gente sem um extenso sorriso e uma palavra de estímulo. Ficou muito tempo na UTI até falecer.
Dona Eda e Seu Francisco formavam um dos casais mais perfeitos que já conheci. Quando era evangélico, lecionei por um tempo na Escola Bíblica Dominical e Dona Eda era presença garantida. Após a aula, sempre vinha com um beijo e um abraço extremamente carinhosos e elogios à performance de um aprendiz de professor. Seu esposo, que frequentava outra igreja da mesma denominação, chegava para buscá-la, sempre brincando, com seu astral elevadíssimo. Ele faleceu de madrugada e ela horas depois.
Estes 33 anos de Tocantins precisam ser comemorados por vários motivos. O maior deles é que estamos superando o pior momento da história mundial, pelo menos deste início de século, com a perda de milhões de vidas como dessas pessoas tão caras a mim e à minha família. Sobrevivemos, ainda que com muitas sequelas — viúvos e viúvas, órfãos, sem amigos muitas vezes de uma vida inteira, com deficiências físicas e psicológicas que quem enfrentou a forma grave da doença carregará por muito tempo, empresas destruídas (sonhos construídos muitas vezes por décadas de esforços), desemprego e inflação.
Mas tudo isso podemos vencer. Somos um povo que, ao longo de sua história, enfrentou muitos momentos difíceis, mas sempre os superamos, e não vai ser desta vez que seremos aniquilados, mesmo considerando os tempos de ignorância que nos cercam. Afinal, eles também passarão, como a Covid-19.
No entanto, nunca podemos esquecer dos que sucumbiram. Dos 3,8 mil tocantinenses e dos 598 mil brasileiros que tivemos que sepultar sem ao menos o direito a uma despedida, como essas quatro pessoas que nossa família amava e que hoje fazem muita falta.
Também não temos o direito de recusar a vacina que a ciência nos oferece e que foi negada à maioria das vítimas do coronavírus. O Iluminismo venceu a ignorância! Os boletins epidemiológicos da Secretaria Estadual da Saúde mostram que, no auge da segunda onda, em março e abril, morreram 525 e 502 pessoas, respectivamente. Nesses dois meses, o percentual da população tocantinense vacinada (só com a primeira, ou com as duas doses, ou ainda com a dose única) era de 8% e 17%. O Estado fechou setembro com um total de 102 mortes e com 94% da população com pelo menos uma das doses da vacina.
Ao comemorar os 33 anos deste Estado maravilhoso que nos abrigou, nos deu oportunidades e conforto, lembrar dessas pessoas queridas que caminharam juntas conosco, aquentaram nossos corações, nos consolaram, nos apoiaram, riram e choraram com a gente, é mantê-las vivas, é honrá-las.
É também por elas que precisamos continuar vivos, vencer esse vírus e terminar a construção deste Estado, que, não tenho dúvida, é o mais lindo e o de futuro mais promissor deste País.
Parabéns, Tocantins! Parabéns, tocantinenses.
CT, Palmas, 5 de outubro de 2021.