Senhor ex-presidente,
Faz tempo que queria lhe escrever, mas tentava organizar as emoções para não exceder nas palavras. Meus sentimentos pelo senhor não são nada bons porque, para além dos erros de gestão, da sua total incompetência, falta de envergadura moral, intelectual e psicológica para o exercício da Presidência e de toda a sua ignorância, eu o responsabilizo diretamente pela morte de centenas de milhares de brasileiros abatidos pela covid-19, entre eles pessoas que me eram muito caras. Uma doença evitável, caso o senhor tivesse humanidade, desse o exemplo e mostrasse disposição em combater a pandemia, ao invés de ter tomado a fileira do negacionismo, pensando tão somente em sua reeleição. Ainda torço muito para vê-lo no Tribunal de Manaus, nosso Tribunal de Nuremberg, para que seja julgado por crimes contra a humanidade.
Contudo, precisamos reconhecer que o senhor, indigno para a vida pública, não é o único culpado, nem somente os aloprados que o seguem acefalamente. Grande maioria da sociedade é responsável por ter produzido as condições para que um incapaz com traços claros de psicopatia chegasse ao posto mais alto do País. O problema não é só sua total incompetência, mas sua absoluta falta de humanidade e profunda ignorância, o que fica claro pelos preconceitos que exala a cada frase e pelo menosprezo à cultura, à educação e à ciência. Nossas instituições e nossas autoridades não compreenderam a perversidade de potencial destruidor que estava por trás de suas tiradas de efeito antidemocráticas e de intolerância. Não enxergaram que, se não cortassem o mal pela raiz, alguém desprovido de empatia e escrúpulos poderia um dia fazer tanto mal ao Brasil.
Lembro do senhor nos anos 1990 quando disparava frase amalucadas em defesa de guerra civil, lamentando que o golpe de 1964 não tivesse matado Fernando Henrique Cardoso e outros nomes da resistência democrática. Depois a apologia ao assassino torturador Carlos Brilhante Ustra, as ironias perversas contra brasileiros alvos de psicopatas como esse e outros nos porões da ditadura.
Tudo isso era sinal de sua perversidade, e, a cada um deles, uns riam por achar engraçado, outros ignoravam por se tratar apenas sujeito imbecilizado, como realmente o senhor é, e a coisa ficava por isso mesmo. Se o tivéssemos duramente punido, cassado o mandato, não teríamos passado pelos horrores desses quatro anos. Mas como o senhor era — e sempre foi — um deputado insignificante, nunca foi levado a sério.
Após os movimentos de rua de 2013, comecei a ver nas redes sociais as pessoas chamá-lo de “mito”. Como havia um sentimento antipolítica, achei que isso era uma forma de meme para sintetizar a revolta popular. Assim, se a política está muito mal representada, vamos colocar um idiota, o senhor, num pedestal em protesto. Para mim, nessa época, Bolsonaro era uma espécie de Macaco Tião. Conhece essa história, né? O Macaco Tião foi lançado candidato a prefeito do Rio em 1988, pela revista Casseta Popular, com apoio do então deputado Fernando Gabeira (PV), como forma de voto de protesto. Ainda eu brincava dizendo que o Tião tinha mais neurônios que o senhor, o que ainda hoje acredito.
Contudo, um dia fui a uma festa e constatei, pasmo, que as pessoas falavam a sério, que o consideravam um “mito”, um “exemplo da anticorrupção”. Ali estavam advogados, médicos, altos funcionários públicos reverenciando Bolsonaro como uma espécie de “ser iluminado”. Questionei a lucidez daqueles amigos e se insurgiram contra mim. Saí perplexo da casa do anfitrião, mas isso reforçou uma série de reflexões que eu já vinha fazendo sobre a vida, a fé, a política, etc., coisa dessa chegada aos 50, e que me levaram, mais à frente, a me reposicionar diante do mundo, de forma ampla e profunda.
As eleições de 2018 chegaram e eu não acreditava que o povo brasileiro elegeria alguém sem estatura moral, intelectual e psicológica para conduzir seus destinos. Estava redondamente enganado, e admito ter cometido um dos erros mais terríveis de minha vida, pelo qual me penitenciarei para sempre, porque resultou não só num péssimo governo, mas na morte de inocentes. Contra tudo o que eu pensava, mesmo considerando o senhor uma das pessoas mais desprezíveis da Terra, dei-lhe meu voto, porque ainda não conseguia engolir o PT. Como fui idiota! Lembro-me de frente à urna eletrônica, com sua foto me encarando e eu, sangrando por dentro, dizendo-me que não acreditava que cometeria um absurdo desses.
Como todo ser humano, erro muito, mas esse, para mim, que trabalho com política, que avalio cenários, foi o pior de todos. Acreditava, imbecilmente, que o mercado e os militares conseguiriam dominar a profunda incapacidade do presidente e conduziriam o governo dentro de um bom senso. Que cretino que fui! O mercado não dá a mínima para um despreparado desumano e os militares dos quais se cercou são seres tão vis quanto o senhor.
É por isso que me senti (e me sinto) na obrigação de combatê-lo mais fortemente do que o mundo inteiro. Porque sou culpado por ter colocado um facínora, um psicopata, um pústula, um incapaz, um completo ignorante na Presidência, mesmo sabendo que ele era assim.
Desse modo, mesmo com a consciência pesada que sempre carrego, me alivia o fato de tê-lo combatido incessantemente nesses quatro anos e de ter dado minha contribuição para derrotá-lo. Mas devo dizer ao senhor que ainda não estou satisfeito. Quero vê-lo preso, e vou torcer para as nossas instituições, que saíram feridas, com cicatrizes, mas extremamente fortalecidas desses quatro anos de insanidade, conseguirem as provas necessárias para que Bolsonaro vá para a cadeia e fique inelegível. Nesse dia, lá na sua cela, saiba que estarei estourando um champanhe.
E a partir de agora não farei vistas grossas para nenhum insano como o senhor que surja questionando a democracia. É um dever de nossas instituições e de cada democrata combater, diante da opinião pública e com toda a força da lei, qualquer discurso de ódio, de apologia à ditadura e a ditadores e de desrespeito ao Estado de Direito, sem qualquer forma de relativização. Para que não cometamos novamente o erro de dar poder a outro monstro.
É assim que me portarei, duramente, radicalmente em defesa da democracia.
Ao senhor, digo por fim que o que busco não é vingança. De forma, alguma. É justiça. Que o senhor a tenha plenamente.
Cleber