A brilhante reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, na noite desse domingo, 15, jogou por terra todas as falácias dos que tentam amenizar os atos bolsonaristas do dia 8 na sede dos três Poderes, em Brasília. Não foram uma ação de “patriotas” para salvar o Brasil do “comunismo”, nem de meros “coitadinhos” que não estavam ali para destruir, muito menos de “infiltrados da esquerda” para “manchar a imagem da direita”. Nada disso. As imagens dos atos asquerosos que embrulharam o estômago por sensibilizar ao extremo quem verdadeiramente tem amor por este País não deixam a menor dúvida de que se trata efetivamente de um ataque terrorista ao coração da República brasileira para efetivar um golpe de estado e derrubar um governo legitimamente eleito.
Só a dissonância cognitiva daquela gente bárbara e estúpida pode explicar a sensação que tinham de que estavam ali num feito patriótico para salvar o Brasil. Expressões que eram ouvidas, do tipo “vamos subir a rampa”, que simboliza a ocupação do Executivo pela autoridade eleita, ou “quebramos tudo”, e ainda “é nosso”, quando estão dentro do prédio, não deixam dúvida quanto aos objetivos daquela malta.
A forma como vandalizavam obras históricas e de arte nem de longe lembra que são patriotas. Como você diz amar seu país e destrói selvagemente símbolos da nossa grandeza, pujança e criatividade? Como alguém quer o Brasil nos trilhos do desenvolvimento e defeca e urina nas mais importantes repartições públicas? E talvez o mais importante: como alguém que se diz num movimento em defesa da liberdade depreda e destrói gargalhando e urrando? Ações absurdamente mais antidemocráticas, impossível.
Nem de longe esses bárbaros sabem o que é patriotismo e democracia. São bandidos, travestidos de nacionalistas, insuflados por quem é covarde para tomar a frente nesse tipo de insurgência burra, infame e fascista. Ou seja, além de cometerem atos de terroristas, esses bandidos idiotizados foram usados nessa história.
O mais inacreditável e patético – dois adjetivos que expressam a alma do bolsonarismo – é a tentativa estulta de dizer que os atos terroristas foram perpetrados pela esquerda para comprometer a direita. Em seu artigo em O Globo, no sábado, 14, o escritor angolano José Eduardo Agualusa sintetizou numa ironia a imbecilidade desse argumento: “O que me surpreende é a capacidade do PT em infiltrar o movimento bolsonarista. Estavam ali pelo menos cinco mil manifestantes, e, desses, cinco mil eram agentes infiltrados. Assim sendo, nem sequer compreendo por que os poucos bolsonaristas que não são agentes infiltrados estão preocupados com os bárbaros que foram presos em flagrante delito — afinal, todos eles são agentes infiltrados”.
Um argumento raso, esse de que os atos bárbaros foram obra da esquerda, mas que convence facilmente quem acreditou em coisas como cloroquina e ivermectina como a panaceia para a pandemia, que a vacina contra covid-19 pode resultar em aids, implantar chip na raça humana, ou, o pior de todos, que o foragido nos Estados Unidos é uma mente brilhante, um “mito” na arte da política. Quem acredita nisso, acredita em qualquer coisa.
O importante da reportagem do Fantástico foi constatar que as investigações se aprofundam a cada dia, com alta tecnologia e que o cerco está se fechando aos financiadores e mentores. Parte da estratégia para se chegar a eles foi o bloqueio das contas das empresas que alugaram os ônibus, inclusive uma de Araguaína. Ou esses passarinhos cantam, ou acabarão trancados na gaiola. Eles têm a lista de todos que bancaram e viajaram para esses atos criminosos disfarçados de patrióticos.
Sempre esteve claro que essa história demente de se montar acampamento golpista ia terminar mal. Mas agora é preciso saber quem bancou. Quem pagava aquela montanha de carne para churrasco, banheiros químicos, gerador de energia, etc? Essa apuração precisa ser feita no Tocantins e em todos os Estados brasileiros. Essa gente irresponsável também contribuiu para a tragédia do dia 8 ao insuflar esse monte de malucos com ideias estapafúrdias, criminosas e antidemocráticas.
Ou o Brasil mete todos que têm alguma participação nisso na cadeia e impõe multas pesadíssimas a pessoas e empresas, ou esse mal voltará a nos visitar. Não acabe qualquer tipo de relativização, e a reportagem do Fantástico aumentou nosso repúdio ao discurso de anistia a esses criminosos.
A impunidade não pode prevalecer, e que essa gente imbecilizada mas bandida, que invadiu, bancou ou idealizou seja severamente punida.
É o mínimo que esperamos.
CT, Palmas, 16 de janeiro de 2022.