Os gargalos da saúde são muitos e complexos e uma análise superficial pouco contribuirá. Contudo, um fato palpável pode muito bem ser questionado: a morte de inocente, vítima de um sistema que não está azeitado, que leva Estado e prefeitura a baterem cabeça e que, por óbvio, precisa ser aperfeiçoado. Existe um fluxo de pacientes a ser administrado para que flua melhor, mas, de um lado, não pode ser estancado à força, nem, por outro, acelerado. Na primeira situação, se pacientes não têm acesso à vaga que buscam, o Poder Público mata cidadãos que ainda têm muito a contribuir com a sociedade. Agora, se o fluxo é acelerado sem a devida filtragem, esse mecanismo emperra e, então, será o caos.
Estado e municípios precisam encontrar o ponto de equilíbrio entre esses extremos, e discussões públicas vazias são improdutivas e em nada contribuirão para o mais importante: solucionar o problema e impedir que mais mortes de inocentes venham a ocorrer, tragédias simplesmente inadmissíveis.
O episódio lamentável de semana passada não pode ficar sem a devida reflexão e servir para que ambos os lados, ao invés de dispararem farpas publicamente um contra outro, se sentem e conversem. É o que defendeu o presidente do Sindicato dos Médicos do Estado (Simed), Reginaldo Abdalla, em rápida troca de mensagem com a coluna ainda na sexta-feira, 12. “Precisamos abrir um canal de diálogo com todos os segmentos envolvidos para acharmos uma solução imediata e traçarmos outras a médio e longo prazo”, defendeu ele.
Abdalla contou que a categoria está vendo a situação “com muita preocupação, independente de onde esteja a falha (Estado, município ou os dois)”. “O que não pode ter é nome e sobrenome dos que partiram sem assistência”, alertou. E está corretíssimo.
Palmas é a maior referência de saúde para o Tocantins e as regiões fronteiriças dos Estados ao redor. Isso, por si só, não é problema. Na verdade, toda a essa busca por atendimento médico pode ser canalizada para o desenvolvimento do setor na Capital, além do comércio em geral. O ex-prefeito Carlos Amastha (PSB), por exemplo, tinha o projeto “Palmas Destino Saúde”, que justamente queria estimular a economia a partir desse fluxo externo de pacientes.
Contudo, sem dúvida, essa alta demanda gera uma pressão enorme sobre nossas unidades de saúde, contribui para tirar vagas dos palmenses e leva grande risco de colapso ao sistema. Junte essa situação com uma regulação inadequada de pacientes e o ambiente para a produção do caos estará bem temperado.
Um fato é mensurável, conforme várias estatísticas a que a coluna teve acesso: Palmas manda muito paciente para o Hospital Geral de Palmas (HGP). A ação civil pública do Ministério Público Estadual contra a prefeitura menciona um estudo, realizado entre agosto e dezembro de 2022, segundo o qual a Capital encaminhou 388 pacientes para a unidade somente em agosto. O segundo colocado, Aparecida do Rio Negro, vem muito abaixo, com apenas 10 pacientes encaminhados.
Não é de hoje. Em 2018, a Coluna do CT publicou matéria com base num levantamento oficial que mostrava que o HGP atendia cerca de 2 mil pessoas por mês, mais de 700 delas oriundas das UPAs de Palmas, o que significa quase 40% contra 22% de todos os outros municípios do interior do Estado.
A questão é: esses encaminhamentos se enquadram naqueles a que o HGP se destina ou, realmente, qualquer caso está sendo enviado para o maior hospital do Estado, prejudicando o atendimento de pacientes mais graves?
Por outro lado, a coluna ouviu fontes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) que dão razão à Prefeitura de Palmas. Elas criticam a política de portas fechadas do HGP, que só recebe o paciente se for fratura exposta ou parada cardíaca, e superlota as UPAs. Porém, alegam, a sala vermelha está vazia, o que “é um absurdo total”, condenam.
A discussão não se deve dar na base de “quem está certo”, mas na base de “o que é certo”. Não é encontrar culpados, pura e simplesmente, mas o modelo ideal para esse sistema funcionar, de forma que possamos receber os pacientes que vêm de fora, impedir que casos desnecessários cheguem ao HPG, para que a unidade fique exclusivamente com as ocorrências mais graves, sem, ao mesmo tempo, colapsar as UPAs pelo excesso de demanda.
Não é minha especialidade, muito longe disso, mas não é uma fórmula fácil de se encontrar e, ao que tudo indica, passa pelo debate sobe a construção de um hospital municipal, que quase todos os candidatos prometem desde as eleições de 2000 – alguns garantiram até dois (um na região e outro na região norte) –, mas até agora só ficou no blá-blá-blá eleitoral.
Assim, sem que ambos os lados guardem as armas, sentem-se como adultos civilizados e conversem, não chegaremos nunca a uma solução.
CT, Maringá (PR), 15 de maio de 2023.