Uma audiência pública realizada pelo Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do Ministério Público (MPE) na tarde desta sexta-feira, 23, debateu políticas que podem ser implementadas para reduzir os índices de homicídio no Estado, em especial na Capital. O tema ganhou destaque após Palmas registrar aumento no número de assassinatos. De janeiro a maio foram 78, contra 23 registrados no mesmo período de 2022. O crescimento foi de 239,13%. Os dados são do Painel de Monitoramento da Incidência Criminal no Tocantins.
BRIGA DE FACÇÕES EM MOMENTO CRÍTICO
Após abertura feita pelo coordenador da Gaesp, João Edson de Souza, o comandante-geral da Polícia Militar (PMTO), coronel Márcio Barbosa, foi o primeiro a ter a palavra, e destacou ter identificado que o aumento da violência é resultado do tráfico e da briga por território entre facções, agravada pela chegada de uma organização de Goiás, que aliou-se a outra já instalada na Capital. O representante da corporação destacou ainda o momento que isto ocorreu, citando a prisão de membros da Divisão Especializada de Repressão a Narcóticos (Denarc) na Operação Caninana e a transferência de 21 militares das Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam). “De lá para cá vimos os homicídios aumentar. Conseguimos detectar qual o problema e estamos correndo atrás do prejuízo”, pontuou.
AÇÕES DA PMTO
Com esta contextualização, Márcio Barbosa afirmou que a PMTO tem aumentado a ostensividade nas chamadas “zonas quentes de criminalidade”, sendo que a maioria estão na região Sul. O custo deste reforço foi destacado. “Esta operação está ficando cara, R$ 20 mil de diárias com isto [mês], mas tem todo o aval do governador [Wanderlei Barbosa, Republicanos]”, garantiu. O coronel pontuou ainda que recorreu ao fortalecimento da Força Tática, com cursos de patrulhamento urbano para 80 militares. Outras medidas adotadas pela corporação foram o fornecimento de relatórios à Polícia Civil (PC) de toda informação que possa ser considerada útil para a investigação e o policiamento nas fronteiras. Do ponto de vista das recomendações, a defesa foi o fortalecimento da Denarc, “porque o foco é o tráfico”, e políticas sociais.
FATIAMENTO DOS CONSELHOS DE SEGURANÇA PARA SE APROXIMAR DA COMUNIDADE
O secretário de Segurança Pública do Tocantins, Wlademir Costa, defendeu que a Capital está fora da curva, citando que, sem o município, o Tocantins registraria uma redução de 23,29% no número de homicídios no período. “Mostra que as forças de segurança vem trabalhando em todos os lados do Tocantins. […] Sabemos que a preocupação é Palmas. É o único problema grave que estamos enfrentando”, argumentou. Aliado a isto, o gestor pontuou que casos de feminicídios, latrocínios e roubos caíram. Em relação às ações para diminuir a violência, o titular da SSP listou a realização de operações, citando a Broken Windows entre os exemplos, e um início de trabalho de fatiamento dos Conselhos de Segurança como uma política de aproximação com a comunidade, citando que a primeira já foi instalada em Taquaruçu e o da Aureny IV está em processo de implementação.
RELAÇÃO ENTRE O TRÁFICO E HOMICÍDIOS
O juiz da 1ª Vara Criminal de Palmas, Cledson José Dias Nunes, também participou da audiência. Apesar de observar que os homicídios podem ter diversas causas, o magistrado também afirmou observar relação com organizações criminosas, ilustrando que este aumento de casos em Palmas aconteceu em meio a redução de processos desta seara. “Obviamente demanda um estudo mais aprofundado, mas parece haver uma relação óbvia, a baixa combatividade dos crimes de tráfico, com o aumento dos homicídios”, pontuou. Em relação a possíveis morosidades processuais, o membro do Judiciário destacou que já existe um trabalho do Poder para que uma Vara Criminal fique exclusivamente voltada para crimes dolosos contra a vida.
INTEGRAÇÃO, VIDEOMONITORAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS
O deputado estadual Júnior Geo (Podemos) esteve presente e fez quatro apontamentos. O primeiro foi em relação à integração entre as forças de segurança. “Não está ocorrendo a contento ou na celeridade devida”, avaliou. Neste mesmo sentido, o parlamentar questionou se o sistema de videomonitoramento de Palmas é compartilhado com outros entes. Por fim, o político destacou a necessidade de se ampliar políticas públicas para afastar o jovem da criminalidade. Uma das defesas feitas foi a necessidade de psicólogos e assistentes sociais presentes nas escolas.
DENARC IMPACTADA PELA CANINANA
O delegado-geral da Polícia Civil, Claudemir Ferreira, admitiu que a Operação Caninana impactou a Denarc, mas que o problema está sendo solucionado. “Vivemos um período difícil nesta divisão. Estamos passando por um processo de reestruturação que agora começa a surtir efeitos positivos. Tenho certeza que com esta visão voltada a esta divisão vamos auxiliar e muito em relação ao crimes de homicídio. É fundamental neste processo”, afirmou. Por outro lado, o servidor fez questão de garantir que a “integração” questionada por Júnior Geo está sim sendo feita, mas concorda que talvez não esteja na velocidade que o momento exige. “Mas tem avançado bastante. as forças de segurança do Tocantins são integradas, estão se aprofundando, não só na esfera estadual, municipal, mas também na federal”, pontuou.
SISTEMA DE MONITORAMENTO NUNCA FOI NEGADO
Outro que rebateu o deputado Júnior Geo foi o secretário de Segurança e Mobilidade Urbana de Palmas, Agostinho Araújo, que disse que “nunca foi negado o acesso” do sistema de videomonitoramento “a nenhuma força de segurança”, mas pontuou que o acesso direto somente indo ao Paço. O gestor destacou que as os 75 pontos de câmeras e os outros 8 de cercamento custam ao município R$ 1,6 milhão por mês e não descartou receber ajuda. Não é um sistema barato, é caro. Talvez a gente precise de um apoio efetivo, até para poder ampliá-lo”, disse. Em relação às ações da pasta, o titular destacou que a Guarda Metropolitana (GMP) pode atuar apenas de forma subsidiária e que esteve presente toda vez que foi acionada por outras forças.
PMTO TEM ACESSO, MAS PODERIA SER MELHOR
O coronel Márcio Barbosa fez uma observação sobre o compartilhamento do sistema de videomonitoramento. Na avaliação do comandante-geral, “uma integração mais abrangente seria interessante”, sugerindo que PMTO, PC e o município tivessem acesso direto ao programa em um só ambiente, o tempo todo. O militar admite que o sistema é caro, mas afirma que é possível ter conversações para que o Estado faça aportes. De toda forma, a corporação busca a instalação de um próprio programa que permitirá o reconhecimento facial e de placas do próprio aparelho do militar em ação.
VIOLÊNCIA POLICIAL
Os promotores Argemiro Ferreira dos Santos e Saulo Vinhal da Costa também participaram. O primeiro fez questão de defender a ampliação do debate em relação ao aumento de homicídios. “Este número exagerado foi tudo colocado na conta da facção criminosa, da compra e venda de drogas, mas a gente sabe que é um pouco mais profundo que isto”, anotou. O segundo membro do MPE foi neste mesmo sentido e criticou, por exemplo, a violência policial. “Não podemos legitimar o combate à criminalidade com incremento da violência policial. Polícia é parte da resposta, mas não toda. Homicidas, traficantes merecem ser presos e processados, não simplesmente exterminados”, defendeu.
AUDIÊNCIA QUE NÃO ATENDEU OS IMPACTADOS
O público teve espaço para se manifestar no final, e a principal crítica foi o fato da audiência pública não ter sido realizada na região Sul, que está sendo diretamente afetada pelo aumento da violência. O coordenador da Gaesp, João Edson de Souza, admitiu a possibilidade de uma nova reunião para ouvir diretamente a comunidade. Os participantes chamaram a atenção para outros pontos do debate, com críticas à abordagem policial, considerada violenta e desproporcional; o racismo institucionalizado, a necessidade de roçagem de domínios públicos, políticas sociais, melhora da iluminação pública, realização de mais concursos e a convocação do quadro reserva da Polícia Militar, entre outros.
PRESENÇAS
Participaram os promotores Abel Andrade Leal Júnior, que é chefe de gabinete da Procuradoria Geral de Justiça; Rafael Pinto Alamy, Saulo Vinhal da Costa, Argemiro Ferreira dos Santos, delegado da Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa, Guilherme Coutinho Torres; delegado-geral da Polícia Civil, Claudemir Ferreira; secretário de Segurança e Mobilidade Urbana de Palmas, Agostinho Araújo; presidente da Câmara de Palmas, Folha Filho (PSDB); secretário de Segurança Pública, Wlademir Costa; comandante-geral da PMTO, coronel Márcio Barbosa; juiz da ¹ª Vara Criminal de Palmas, Cledson José Dias Nunes, coordenador da Gaesp, João Edson de Souza; o deputado estadual Júnior Geo (Podemos).
Confira a íntegra da audiência pública: