Liberato, Benedito, meus tios e Pery, meu pai, traziam no sangue o dom de serem comerciantes! Filhos de Benedito Pinto de Cerqueira Póvoa, este assassinado brutalmente no massacre perpetrado no dia 16 de janeiro 1919, iniciado pelo covarde assassinato do seu amigo Joaquim Aires Cavalcante Wolney, pai do seu também amigo Cel. Abílio Wolney.
Meu avô Benedito Pinto de Cerqueira Póvoa (1866/1919), com trabalho perseverante e muita inteligência, conseguiu amealhar um patrimônio considerável. Seis anos após seu assassinato, em que pese o abandono e saques a que foram submetidos os seus bens, ainda foram inventariados mais de três mil cabeças de gado em suas oito fazendas.
Além de fazendeiro, mantinha um comércio de atacado na fazenda onde residia cerca de 12 km da Vila de São José do Duro, hoje, Dianópolis, para abastecer os comerciantes daquela vila, pessoas que com ele trabalhavam e pessoas da região próxima.
Os três irmãos citados na inicial desta, ficaram órfãos de pai e mãe ainda crianças, mas cresceram sob os cuidados de tios, tias e do irmão mais velho, Antônio Costa Póvoa. Ainda jovens resolveram implantar o primeiro comércio de atacado e varejo de que se tem notícias em toda região, antigo nordeste de Goiás, hoje sudeste do Tocantins.
Em 1945 fundaram a Casa Póvoa e providenciaram a construção de um sólido sobrado de dois andares, numa esquina no centro da pequena cidade de então. No primeiro andar inúmeras e altas portas, no segundo andar, também inúmeras e altas janelas, onde se localizava o sótão para depósito de mercadorias. Aquele local com sua escadaria tinha um ar de mistério.
O sobrado espaçoso, de estilo clássico, contava com derivações de alas no térreo, denominado rancharia, que servia de abrigo às pessoas da região, mais precisamente do sertão, que ali faziam suas compras e não tinham como retornarem para suas casas no mesmo dia. Servia, também, como abrigo para pessoas pobres e até mendigos onde encontravam amparo e ajuda de mãos bondosas, a exemplo da minha mãe Stela e minhas irmãs.
Ainda menino-adolescente, fui balconista daquele comércio, auxiliando meu pai, que pela manhã dedicava-se às atividades de Dentista no consultório instalado contíguo à nossa residência.
– Compadre, tem óculos que serve pra mim? Indagava um freguês, para quem se abria uma gaveta com inúmeros óculos de grau, que de um a um experimentado até a escolha do que adaptava perfeitamente à sua visão. – Anote aí, compadre, no final do mês pagarei juntamente com as demais mercadorias que irei levar.
De pessoas humildes e sertanejas à elite da cidade, ali faziam suas compras. De pimenta do reino, café, açúcar, sal, além de armarinhos, papelaria, ferragens, medicamentos, panelas de ferro, chapas de ferro para fogões caipira, sal, café, açúcar, farinha, arroz beneficiado, fumo de rolo de fabricação caseira, agulhas, carretéis de linha, tecidos para todos os gostos e custos. Eram produtos adquiridos em Salvador, Barreiras, na Bahia, Belo Horizonte e São Paulo. Uma verdadeira epopeia naqueles tempos de estradas de terra além de outras dificuldades.
Ficou marcado em minha memória e minhas recordações aquele sobrado de dois andares e de tudo que ali se comercializava. A construção estava mais para um castelo do que simplesmente uma casa comercial e eu tinha a impressão, na minha visão de menino adolescente que lá se vendia até sonhos e ilusões.
Todas as noites um aparelho de rádio movido à bateria, era colocado numa das janelas do segundo andar e com o volume ao máximo, era ouvido pelos interessados que se aglomeravam na rua para se inteirarem do resumo das notícias do Brasil afora através noticiário diário denominado “repórter esso” ou a voz do Brasil.
Aquele comércio foi à época a versão dos grandes hipermercados de hoje. Os irmãos Póvoa iniciaram e abriram os horizontes de um comércio mais moderno para muitos outros que vieram depois deles.
Se não bastasse o comércio em si, naquele local e sob a responsabilidade dos mesmos irmãos, funcionava a primeira agência de viagens do nordeste de Goiás, onde a população adquiria passagens aéreas para locais diversos constantes do roteiro de escalas. Eram os representantes da empresa Vasp, depois Varig, depois Votec, cujos voos semanais se originavam em Goiânia e finalizavam no Estado do Pará. Vinham num dia e retornavam no outro. Eram feitas escalas em Anápolis, Arraias, Taguatinga, Dianópolis, Natividade, Porto Nacional, Carolina no Maranhão e finalizando em Belém. Bem depois foi incorporado ao roteiro a cidade de Brasília, Capital Federal.
E, assim, os irmãos Póvoa contribuíram e marcaram o desenvolvimento da cidade e da região, trazendo sempre novidades e incrementando o consumo de produtos novos até então desconhecidos pela população.
Agradeço a todos que contribuíram para este artigo/crônica, complementando as lembranças que guardo de um lugar tão especial em nossas vidas.
“Quem tem ouvidos que ouça, quem tem olhos que veja!”
JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
É poeta, escritor e advogado; membro-fundador da Academia de Letras de Dianópolis.
candido.povoa23@gmail.com