Excelentíssimos senhores,
Como é de conhecimento público, porque já escrevi várias vezes a respeito, sou total e absolutamente contra qualquer tipo de emenda parlamentar, e em qualquer instância. Porque vejo esse instrumento como um desvirtuamento completo do papel constitucional dos Parlamentos (fazer leis e fiscalizar o Executivo), porque os investimentos em saúde, educação ou qualquer área devem ser resultado de um planejamento macro do Executivo, não fruto de uma ação pessoal; porque é uma forma de tornar prefeitos reféns em anos eleitorais, o que dificulta a oxigenação da política; dessa forma, também por ser injusto com os concorrentes que não contam com esse investimento público em campanha; e porque abre crateras enormes de possibilidades à corrupção.
No entanto, senhores, tenho plena convicção de que sou uma voz que clama no deserto e que o que penso em nada vai alterar os rumos de Palmas, do Tocantins, do Brasil e do mundo. Assim, preciso lidar com o fato de que as malfadadas emendas parlamentares são uma realidade irreversível e que vieram para ficar, ainda que estejam levando a República e a democracia para um abismo, uma fez que infectam de forma totalmente danosa a relação Executivo-Legislativo.
Uma hora o País terá que decidir se acelera despenhadeiro abaixo ou se engata uma marcha ré e refaz sua história. Uma coisa, se me permitem, alerto a Vossas Excelências: a tendência é a segunda opção e ela tornará o Legislativo um alvo preferencial. É preciso, portanto, que os senhores procurem ter a exata dimensão de sua importância histórica, e são fundamentais para que possamos construir um Estado e um país melhores, mais justos, inclusivos e desenvolvidos. Porém, isso requer elevado espírito público.
E é sobre elevado espírito público, senhores, que trato nesta carta que encaminho muito respeitosamente a Vossas Excelências. Tive acesso a dados que me deixaram preocupado com a sanha do Legislativo em elevar o volume de emendas parlamentares. Vejam: atualmente, o Tocantins gasta com esse expediente R$ 132 milhões, o que significa R$ 5,5 milhões para cada parlamentar cativar seu reduto eleitoral e equivale a 1,2% do orçamento estadual.
Os 2% que estão sendo inicialmente sugeridos elevaria a fatura do pobre contribuinte tocantinense com Vossas Excelências para R$ 227 milhões, ou R$ 9,46 milhões por parlamentar. Mesmo o 1,6% com que tentam convencer o governador Wanderlei Barbosa a aceitar o aumento da benesse representaria R$ 181,13 milhões, ou R$ 7,54 milhões a cada deputado.
Prezados senhores, se aumentarem – num ano eleitoral, bom que se diga – os valores a R$ 227 milhões (os nefastos 2%), o Executivo terá que retirar de algum lugar R$ 95 milhões para dar para Vossas Excelências adubarem seus redutos eleitorais. Se forem os R$ 181,13 milhões (1,6%), esse buraco nas contas do Estado será de R$ 49,13 milhões.
Aí que entra nosso imenso respeitoso clamor para que os senhores deixem as emendas parlamentares nos atuais patamares de R$ 132 milhões, porque, sejam R$ 95 milhões ou R$ 49,13 milhões, esse valor extra para os redutos eleitorais sairão da conta de investimento do Estado. Não há outro lugar de onde retirar recursos para aplicar nessas emendas parlamentares. O custeio da máquina, por óbvio, é fixo; os repasses para outros Poderes e órgãos também não podem ser alterados.
Então, senhores, de onde sairão R$ 95 milhões ou R$ 49,13 milhões? Do investimento em asfalto, em escolas e equipamentos educacionais, do armamento e das viaturas para segurança, da saúde. Tem sentido isso?
Alguns me argumentam que 50% serão investidos obrigatoriamente em saúde, nem tudo vai para shows e vaquejadas a mil, onde o parlamentar tem seu maior retorno eleitoral. Sempre respondo a essa fala com dois pontos. O primeiro é que deputado não tem visão macro para dizer se uma cidade precisa de um posto de saúde, de remédios, de ambulância ou uma máquina de Raio X. Quem tem os dados para essa decisão estratégica é a Secretaria Estadual da Saúde. É ela, e só ela, quem deve decidir, de acordo com os estudos que possui, o que, quanto e onde deve ser investido.
Senhores, outro ponto é que, mesmo com 50% para a saúde, haverá aumento substancial para desperdiçar preciosos recursos públicos com shows e vaquejadas, já devidamente contempladas em políticas estaduais. Veja só: se hoje, dos R$ 132 milhões, 50% vão obrigatoriamente para a saúde, significa que, teoricamente, R$ 66 milhões estão livres para serem jogados nesses eventos. Se essa mordida de Vossas Excelências for ampliada para R$ 227 milhões (os absurdos 2%), com 50% carimbados para a saúde, a festança poderá, em tese, receber R$ 113,5 milhões, um aumento de 72%. Se forem os R$ 181,13 milhões (1,6%), com 50% engessados na saúde, a folia, ainda assim, terá a seu dispor R$ 90,6 milhões, ou 37,2% a mais do que atualmente.
Prezados senhores, muito respeitosamente reforço que esses milhões de reais adicionais para se esbaldar em shows e vaquejadas, com o nome do padrinho sendo repetido sem parar ao microfone, deixarão de ser canalizados para a saúde, educação, segurança pública, estradas, desenvolvimento econômico, dentro de um planejamento de estado e uma macrovisão despersonalizada que vislumbre o futuro do Tocantins.
Não é justo, Excelências, com nossa população pobre. Segundo dados do IBGE, 30,2% do povo do Estado viveu em situação de pobreza (R$ 450 por mês) em 2020 e 5,8% em extrema pobreza (com menos de R$ 155 mensais). Senhores, estamos falando de um contingente de cerca de 540 mil irmãos tocantinenses! Diante desse trágico quadro, o Tocantins não pode se dar ao luxo de jogar dinheiro fora, aplicando em ações claramente de contornos eleitorais. Cada centavo deste Estado tem que ser investido de forma milimetricamente planejada, visando a inclusão e a redução de suas abismais, indecentes e inaceitáveis desigualdades.
Portanto, Excelências, não quero que essas rápidas palavras sejam vistas com agressão ao Poder, pelo qual tenho o mais profundo respeito, mas como um clamor para que os senhores demonstrem misericórdia, elevado espírito público e deixem claro a toda a sociedade tocantinense que possuem a exata dimensão de sua responsabilidade e o mais perfeito entendimento da encruzilhada histórica que vivemos na nossa luta incansável para que nos tornemos um Estado desenvolvido e humanitário.
Por isso, peço que usem de clemência por nosso povo e mantenham as emendas parlamentares nos atuais patamares, ou seja, nos R$ 132 milhões.
Novamente reafirmo meu sincero e mais profundo respeito por Vossas Excelências.
Saudações democráticas,
CT