Entre os dias 19 a 22 de outubro, foi realizada a Missão Internacional de Observação das Eleições Gerais na Argentina, com representantes de diversos países, promovida pela Conferencia Americana de Organismos Electorales Subnacionales por la Transparencia Electoral (CAOESTE) e pela Transparencia Electoral, em parceria com a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
Após a jornada de palestras, debates com representantes partidários, visitas institucionais e acompanhamento do processo de votação, um panorama da experiência vivenciada, inerente ao sistema jurídico eleitoral argentino, pode ser resumido em cinco pontos, quais sejam: a) Justiça Eleitoral Argentina, b) a forma de exercício do direito ao voto, c) sistema majoritário argentino, d) autonomia das províncias para editar calendários eleitorais próprios e d) tentativa de implantação de urnas eletrônicas.
Em 21 de outubro de 2022, com o advento do Código Eleitoral da cidade autonomia de Buenos Aires, foi criado o Tribunal Eleitoral, com a finalidade precípua, conforme previsto no artigo 5º, “ de las funciones jurisdiccionales, con la atribución de realizar un control judicial suficiente sobre todo el proceso electoral”, sendo que anteriormente a função jurisdicional eleitoral, era realizada, com exclusividade, pelo Superior Tribunal de Justiça.
Em visita à sede do recém criado Tribunal Eleitoral, com o espaço delimitado a algumas salas alugadas em um edifício na conhecida Avenida Corrientes, os integrantes da missão internacional estiveram reunidos com o Presidente, Juiz Roberto Carlos Requejo e com a Juíza Romina Lilina Tosone, sendo que dentre os vários assuntos debatidos, um se evidencia, pois faltando apenas três dias para as eleições, naquele Tribunal havia apenas ações ajuizadas pelos partidos, situação que destoa da realidade vivenciada no Brasil, porquanto há uma exacerbada e crescente judicialização de todo o processo eleitoral.
Em relação à forma de exercício do direito ao voto, os eleitores argentinos ainda votam em cédulas de papel, através das denominadas boletas.
Conforme a instrução da Direção Nacional Eleitoral da Argentina[1], o eleitor, ao chegar em sua seção e identificar-se à mesa designada, apresenta seu DNI, momento em que será certificada sua identidade, após será entregue um envelope vazio com as assinaturas do presidente de mesa e fiscais partidários.
Ato contínuo, o eleitor é dirigido ao denominado “cuarto oscuro”, em que terá à sua disposição as boletas, que são uma espécie de folder’s coloridos, com dimensão aproximada de 15 cm por 1 metro, com a relação de candidatos, separados por agremiação partidária, ou seja, cada partido possui uma boleta com seus respectivos candidatos. O eleitor pode votar em todos os candidatos de determinada agremiação ou fazer configurações, como por exemplo, votar no candidato a Presidente do partido A, para Senador do B e Deputados do C.
Na hipótese de votar na lista completa de determinada agremiação, simplesmente dobrará a extensa boleta, caso contrário deverá recortar, com uma tesoura, os diferentes candidatos dos vários partidos, sendo que em ambos os casos, finalizada a escolha, deverá inserir no envelope e por último introduzir na urna de papelão.
Concernente ao sistema majoritário, distingue-se ao do Brasil, visto que o candidato ao cargo de Presidente, para ser eleito em primeiro turno (primera vuelta), necessita-se de 45% dos votos válidos ou 40%, desde que, nesse último caso, a diferença com o segundo colocado seja de 10%.
No que concerne à autonomia dos Entes Federados, conforme previsto no artigo 5º da Constituição da Nação Argentina, cada uma das 23 Províncias e a cidade autônoma de Buenos Aires poderão ditar sua própria Constituição, sendo assim, cada Província possui um calendário eleitoral próprio para a escolha de representantes locais.
Portanto, somente três províncias (Buenos Aires, Catamarca e Entre Ríos) escolheram governadores, juntamente ao pleito nacional do último domingo (22), de modo que as demais procederam à realização dos pleitos no decorrer do ano de 2023.
Por derradeiro, em referência à famigerada tentativa de implantação da urna eletrônica nas eleições primárias, abertas, simultâneas e obrigatórias (PASO), os argentinos não lograram êxito, uma vez que, além do alto custo de implantação, filas enormes se formaram, ademais, várias delas registraram mal funcionamento.
Outrossim, sequer pode-se falar em urna eletrônica, mas sim em tela de preenchimento eletrônico, porquanto, não há qualquer armazenamento de dados da votação, tampouco transmissão ao término do processo eleitoral.
O procedimento é muito semelhante aquele da cédula de papel, com uma única diferença, visto que o eleitor ao ser direcionado à sala escura, tem à sua disposição uma tela touch screen com as boletas em formato digital, sendo que após a escolha é realizada a impressão, inserida a boleta no envelope e por fim introduzido na urna.
Destarte, os dias dedicados pelo observatório na cidade de Buenos Aires, muito além de conhecer todo o sistema jurídico eleitoral da Argentina, possuiu como escopo, os já definidos pela Transparencia Electoral[2] de promover os valores democráticos e desenvolver ações para incentivar eleições sob padrões de integridade reconhecidos internacionalmente.
LEANDRO MANZANO SORROCHE
É advogado, Pós Graduado em Direito Eleitoral, Público, Tributário e Estado de Direito e Combate à corrupção, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral – ABRADEP, do Instituto de Direito Eleitoral do Tocantins – IDETO e da Comissão de Direito Eleitoral OAB/TO.
Selecionado pela Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) para compor duas Missões Internacionais de Observação Eleitoral (MOE). A primeira para acompanhar o pleito presidencial da Argentina, do dia 19 a 22 de outubro. O segundo compromisso será no Chile, de 14 a 17 de dezembro, quando será aplicado um plebiscito constitucional.
[1] Argentina. CÓDIGO ELECTORAL DE LA CIUDAD AUTÓNOMA DE BUENOS AIRES. Art. 5º, 2. El Instituto de Gestión Electoral, con potestades administrativas en materia electoral.
[2] https://transparenciaelectoral.org/quienes-somos/