O Estado de Minas Gerais tem origem no período colonial quando em 2 de dezembro de 1720, a então Capitania de São Paulo e Minas do Ouro foi desmembrada pela Coroa Portuguesa, dando origem à Capitania de Minas Gerais. Minas Gerais sempre se destacou por ser um estado rico em minérios e forte produtor de café e leite considerados os melhores do Brasil.
Entretanto a diferença de muitos estados no Norte e Nordeste do Brasil, pouco se fala sobre sua situação fundiária. De colonização antiga a expansão de sua malha fundiária povoada foi intensa ainda nos séculos XVII e XVIII, devido ao ciclo do ouro, visando alimentar o crescimento da atividade mineraria, através do fornecimento de gêneros alimentícios diversos, gado e tropas.
Essa expansão da atividade mineraria se concentrou majoritariamente nas regiões situadas ao centro e sul do estado, ao passo que criação de gado e lavoura se expandiram pelas regiões do rio doce, zona da mata e centro oeste de minas, alto parnaíba e centro-oeste de minas, por outro lado devido as dificuldades de extração de ouro, bem como de implementação de lavouras de monocultura, e criação em larga escala de gado, as região conhecida como sertões das gerais, de clima mais árido, permaneceram parcialmente esquecidas.
Minas Gerais apresenta uma malha fundiária complexa nas regiões situadas no norte do estado, vale do jequitinhonha e vale do mucuri, que apresentam grande concentração de terras devolutas, em meio a territórios reivindicados por comunidades tradicionais[1], bem como as antigas áreas ocupadas pelos distritos florestais dados em arrendamento pelo estado nas décadas de 60, 70 e 80, hoje já objeto de intenso fracionamento irregular oriundo de negócios informais e apossamentos.
No centro e sul do estado mediante a negligência salutar do poder público diversas posses sobre terras devolutas foram regularizadas por intermédio de usucapião a non domino, (uma prática abordada em outro artigo que publicados intitulado “É possível fazer usucapião de um imóvel sem saber quem é o dono?”), e das diversas campanhas de regularização implementadas pelo estado, tomando por base ocupações incidentes sobre áreas relativamente pequenas, e dispersas em diversos municípios, entretanto essa realidade não coaduna com das regiões acima destacadas.
Nesse contexto complexo, a gestão das terras devolutas estaduais e iniciativas em prol do desenvolvimento agrário, reforma agrária e regularização fundiária, foram desde 1966 até o ano de 2016 competência da extinta Fundação Rural Mineira Colonização e Desenvolvimento Agrário –RURALMINAS, competência essa, que hoje pertence em sua maior parte a Secretária de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – SEAPA.
Desde o ano de 1993, as práticas de regularização fundiária no estado eram regidas pela Lei 11.020/1993, pelo Dec. 34.801/1993, e por uma série de portarias e resoluções editadas primeiro pela RURALMINAS e depois pela SEAPA.
Nos anos compreendidos entre 2019 a 2021, cerca de 37.540,92ha (trinta e sete mil e quinhentos e quarenta hectares e noventa e dois ares) de terras devolutas estaduais foram objeto de regularização fundiária em suas diversas modalidades, conforme informações disponibilizadas pela própria SEAPA[2].
E após quase trinta anos de vigência desse sistema de gestão fundiária, para fechar 2023 com chave de ouro o Governador resolveu sancionar aos 28 de Dezembro de 2023[3], o PL 3.601/2016 proposto em 16 de Junho de 2016 pelo Deputado Tadeu Leite (MDB)[4], para se tornar a nova Lei de Regularização Fundiária de Terras Devolutas Estaduais (Lei n. 24.633/2023).
Dentre as inovações legais trazidas, está a extinção da condição de inalienabilidade nos títulos outorgados pelo estado, salvo em casos de interesse social, a anistia dos débitos existentes em desfavor dos beneficiários dos programas de reforma agrária implementados pela extinta RURALMINAS, a cooperação da SEAPA com os demais órgãos do poder público, através do compartilhamento de dados para facilitar a realização de acordos para regularização de posses sobre áreas particulares, dentre outras medidas.
A nova Lei contempla, além da possibilidade de regularização no ato da discriminação de terras devolutas, cinco modalidades de regularização fundiária rural, quais sejam:
- Concessão gratuita de domínio;
- Alienação por preferência;
- Legitimação de posse;
- Concessão de direito real de uso;
- Alienação ou concessão de uso para assentamento;
A norma disciplina ainda, a regularização fundiária urbana incidente sobre terras devolutas estaduais, a política de gestão e destinação das terras devolutas estaduais, e a regularização fundiária de comunidades tradicionais, sendo este último, tema polêmico em Minas Gerais. Publicada em data recente a norma ainda necessita da edição de um decreto regulamentar por parte do poder executivo, para só então começar a ser implementada de modo efetivo.
Dentre as críticas que não podemos deixar de traçar, estão a necessidade de uma efetiva politica de arrecadação e destinação das áreas objeto dos antigos distritos florestais, fruto da fracassada política de arrendamento de áreas para cultivo de madeira de reflorestamento, a não adoção de um sistema de convalidação de registros precários a exemplo do Tocantins[5] e Mato Grosso[6], e a limitação da área passível de regularização a 250,00 (duzentos e cinquenta hectares), ao invés de adotar o teto da legislação federal similar (Lei 11.952/2009) que seria de 2500ha (dois mil e quinhentos hectares), bem como a manutenção da ingerência injustificada da Assembleia legislativa nas outorgas de títulos.
Esperamos que a implementação dessa nova estrutura legal, seja acima de tudo um instrumento para a busca da justiça e paz social, através da efetiva garantia do direito constitucional de acesso à propriedade. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos…
ANTÔNIO RIBEIRO COSTA NETO
É consultor jurídico, professor universitário e escritor; Advogado com escritório especializado em Regularização Fundiária, Direito Agrário e de Direito de Propriedade; Membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio-ABA; Membro Consultor da Comissão de Relações Agrárias-OAB/TO; Especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF.
costaneto.jus.adv@gmail.com
[1] Atualmente, a CEPCT reconhece a existência de 17 povos e comunidades tradicionais em Minas Gerais: Apanhadores de Flores Sempre Vivas; Artesãos do Barro e Tecelãs; Caatingueiros; Povos Ciganos; Congadeiros; Faiscadores; Geraizeiros; Povos Indígenas; Pescadores Artesanais; Povos de Circo; Povos Tradicionais de Matriz Africana; Quilombolas; Vazanteiros; Veredeiros; Carroceiros e Vacarianos e Extrativistas (Disponível em: <https://social.mg.gov.br/noticias-artigos/1796-abertas-inscricoes-para-o-ii-encontro-estadual-dos-povos-e-comunidades-tradicionais-de-minas-gerais>. Acesso em 01/01/2023).
[2] Disponível em: < https://www.mg.gov.br/agricultura >. Acesso em 01/01/2023
[3] Governador sanciona nova lei para facilitar regularização de terras em Minas. Disponível em: < https://www.mg.gov.br/agricultura/noticias/governador-sanciona-nova-lei-para-facilitar-regularizacao-de-terras-em-minas >. Acesso em 01/01/2023.
[4] PL 3.601/2016. Disponível em: < https://www.almg.gov.br/projetos-de-lei/PL/3601/2016>. Acesso em 01/01/2023.
[5] COSTA NETO. Antônio Ribeiro. MP 22/2021: Cartórios do Tocantins na Vanguarda da Convalidação de Registros Paroquiais. Disponível em< https://clebertoledo.com.br/negocios/antonio-ribeiro-costa-neto-mp-22-2021-cartorios-do-tocantins-na-vanguarda-da-convalidacao-de-registros-paroquiais/>. Acesso em: 01/01/2023;
[6] COSTA NETO. Antônio Ribeiro. A possibilidade de convalidação administrativa de Registros Precários no Mato Grosso. Disponível em< https://clebertoledo.com.br/negocios/antonio-ribeiro-costa-neto-a-possibilidade-de-convalidacao-administrativa-de-registros-precarios-no-mato-grosso/>. Acesso em: 01/01/2023;