O Movimento Negro Unificado (MNU Tocantins), entidade que atua há 45 anos na defesa dos direitos e da representatividade do povo negro no Brasil e maior entidade de representação do povo negro no Estado, se manifestou em nota na tarde desta quarta-feira, 24, sobre a decisão da prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro (PSDB), nomear uma loira, a educadora Cleizenir Divina dos Santos, para comandar a nova Secretaria Municipal de Políticas Sociais e Igualdade Racial. A entidade fala em “profunda consternação”, apesar de reconhecer como “louvável” a iniciativa da prefeitura de criar a pasta, e defende que “ainda há tempo de corrigir tal erro crasso”. “Para tal, o MNU-TO se coloca à disposição da gestão municipal, para debater, aprimorar e contribuir com a construção das políticas públicas referentes a pasta, pois, apesar dos equívocos cometidos, acreditamos existir boa vontade na gestão municipal para sanar estas e outras eventuais questões referentes ao tema”, diz a nota.
ESPERANÇA
A entidade lembra que Palmas sempre foi referência em política de igualdade racial no Tocantins, sendo, em 2017, a primeira cidade do Estado a criar o Conselho Municipal de Igualdade Racial (Compir), aderindo assim ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir). “A retomada da construção de tais políticas públicas nos enche de esperança de que teremos a oportunidade de tratar de temas tão importantes e necessários”, afirma.
LEIA MAIS
PRÁTICA CLÁSSICA DE RACISMO
Contudo, o MNU-TO ressalva que é “com pesar” que observa “mais uma vez, a ausência de representatividade das pessoas negras no comando das decisões e no primeiro e segundo escalão desta pasta”. Para o movimento, a Secretaria Municipal de Participação Social e “Igualdade Racial” [sic] “já nasce com a reprodução de uma das práticas mais clássicas de racismo que permeiam a nossa sociedade, ao nomear duas pessoas brancas para tratar de um tema que, com total respeito aos nomes escolhidos, não lhes compete”.
POVO NEGRO PALMENSE É PRETERIDO
O MNU-TO defende que “a necessidade da criação de uma secretaria que trate da questão racial em Palmas se dá exatamente pelo fato de o povo negro palmense ser constantemente preterido e afastado de espaços e oportunidades que lhe garanta mais dignidade e crescimento”. A entidade avalia que, “ao nomear pessoas não-negras para a pasta, é como se a prefeitura dissesse a todos e todas palmenses negros, maioria absoluta da população da nossa capital, que não existe uma única pessoa negra nesta cidade que tenha capacidade técnica e política para assumir uma pasta que trata exatamente das demandas dessa população”.
SEM QUALQUER ATUAÇÃO
A nota ressalta “o absoluto respeito que é devido” à educadora Cleyzenir Divina dos Santos, nomeada secretária da pasta, e a Higor de Sousa Franco, nomeado secretário executivo, mas diz que “é necessário salientar que ambos não têm sequer alguma atuação ou participação em qualquer que seja o movimento, coletivo ou articulação de pessoas negras e de combate ao racismo, o que nos faz questionar ainda sobre os critérios de tal escolha”. “Ora, não são os negros capacitados para tratar das próprias demandas e por isso nos colocam brancos para falar em nossos nomes e dirigir políticas direcionadas a nós? É essa a imagem que a prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro, e sua equipe querem mostrar? Queremos crer que não, e que tudo isso não tenha passado de uma decisão balizada pela falta de diálogo com os movimentos sociais e entidades negras e que, em tempo, será revertida”, afirma o MNU-TO.
NÃO PODE SER NATURALIZADA
Na coluna Em Off desta quarta-feira, o membro da Comissão de Igualdade Racial do Conselho Federal da OAB, o advogado Cristian Ribas, também comentou o nomeação da educadora loira Cleizenir Divina dos Santos para a Secretaria Municipal de Políticas Sociais e Igualdade Racial. Segundo ele, “o Movimento Negro e aqueles que têm compromisso com o debate racial não podem naturalizar a escolha feita pela prefeita”.
ESCOLHA ARREVESADA
Ribas avaliou que “fica evidente que a escolha é arrevesada se colocarmos em perspectiva a questão de gênero”. “Nossa prefeita jamais nomearia um homem para uma Secretaria de Políticas Sociais e Mulheres. Por que então achar razoável uma pessoa branca à frente de uma Secretaria de Igualdade Racial?”, questionou.
Confira a íntegra da nota do MNU-TO:
O Movimento Negro Unificado – MNU Tocantins, entidade que atua há 45 anos na defesa dos direitos e da representatividade do povo negro no Brasil, e maior entidade de representação do povo negro no Tocantins, vem por meio desta expressar sua profunda consternação com as nomeações referentes a recém criada “Secretaria Municipal de Participação Social e Igualdade Racial”.
Primeiramente, expressamos nosso reconhecimento pela iniciativa da Prefeitura Municipal de Palmas em criar a Secretaria. É louvável a iniciativa da criação da pasta, que tem potencial de desempenhar um papel importante na promoção da igualdade, na garantia dos direitos sociais das pessoas negras da nossa capital e na valorização da cultura negra.
Palmas sempre foi referência em política de igualdade racial no Tocantins, sendo em 2017 a primeira cidade do estado a criar o Conselho Municipal de Igualdade Racial (Compir), aderindo assim ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR). A retomada da construção de tais políticas públicas nos enche de esperança de que teremos a oportunidade de tratar de temas tão importantes e necessários.
Contudo, é com pesar que observamos, mais uma vez, a ausência de representatividade das pessoas negras no comando das decisões e no primeiro e segundo escalão desta pasta. Uma das faces mais profundas do racismo é o chamado Racismo Institucional, o qual se manifesta na reprodução, por parte de órgãos de estado, governo e instituições públicas, da lógica da exclusão, discriminação, exploração e/ou agressão ao povo negro. Tendo isso em vista, o caso da Secretaria Municipal de Participação Social e “Igualdade Racial”, já nasce com a reprodução de uma das práticas mais clássicas de racismo que permeiam a nossa sociedade, ao nomear duas pessoas brancas para tratar de um tema que, com total respeito aos nomes escolhidos, não lhes compete.
A necessidade da criação de uma secretaria que trate da questão racial em Palmas se dá exatamente pelo fato de o povo negro palmense ser constantemente preterido e afastado de espaços e oportunidades que lhe garanta mais dignidade e crescimento. Ao nomear pessoas não-negras para a pasta, é como se a prefeitura dissesse a todos e todas palmenses negros, maioria absoluta da população da nossa capital, que não existe uma única pessoa negra nesta cidade que tenha capacidade técnica e política para assumir uma pasta que trata exatamente das demandas dessa população. Tendo em vista o absoluto respeito que é devido a educadora Cleyzenir Divina dos Santos, nomeada secretária da pasta, e Higor de Sousa Franco, nomeado secretário executivo da mesma, é necessário salientar que ambos não têm sequer alguma atuação ou participação em qualquer que seja o movimento, coletivo ou articulação de pessoas negras e de combate ao racismo, o que nos faz questionar ainda sobre os critérios de tal escolha.
Ora, não são os negros capacitados para tratar das próprias demandas e por isso nos colocam brancos para falar em nossos nomes e dirigir políticas direcionadas a nós? É essa a imagem que a prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro, e sua equipe querem mostrar? Queremos crer que não, e que tudo isso não tenha passado de uma decisão balizada pela falta de diálogo com os movimentos sociais e entidades negras e que, em tempo, será revertida.
Ainda há tempo de corrigir tal erro crasso e, para tal, o MNU-TO se coloca à disposição da gestão municipal, para debater, aprimorar e contribuir com a construção das políticas públicas referentes a pasta, pois apesar dos equívocos cometidos, acreditamos existir boa vontade na gestão municipal para sanar estas e outras eventuais questões referentes ao tema.
Neste contexto, o Movimento Negro Unificado – MNU Tocantins aconselha a reorganização da Secretaria, tendo gestores e gestoras negras como protagonistas, como um sinal de valorização e reconhecimento da importância da diversidade étnica-racial em todos os níveis de governo. E para isso, nos colocamos mais uma vez a disposição de construir um diálogo construtivo com a Prefeitura Municipal de Palmas, para a busca conjunta por soluções que promovam a verdadeira equidade racial em nossa capital.