O mercado cambial brasileiro viveu, na última semana, um momento de aparente contradição. Apesar do crescimento econômico acima do previsto, com sinais de aquecimento e uma taxa de desemprego historicamente baixa, o dólar continuou pressionando em alta frente ao real. Essa desconexão entre fundamentos macroeconômicos e o comportamento da moeda revela um cenário marcado por movimentos especulativos e incertezas político-eleitorais.
Esse comportamento nos remete à máxima de John Maynard Keynes: “Os mercados podem permanecer irracionais por mais tempo do que você pode permanecer solvente”. Essa frase é um alerta sobre a complexidade de lidar com movimentos especulativos em um ambiente econômico que, aparentemente, oferece bases para um real mais forte. Contudo, a moeda está refém de incertezas políticas e especulações. Essa dinâmica exige do governo e do Banco Central uma postura técnica, consistente e sem histerias. Como bem apontava Milton Friedman: “A inflação é sempre e em toda parte um fenômeno monetário”. Transpondo essa lógica para o contexto cambial, estabilidade fiscal e monetária são condições indispensáveis para controlar não apenas os preços, mas também a percepção de risco.
No contexto econômico atual, o Brasil apresenta condições que, em tese, deveriam favorecer a valorização do real. O início de um ciclo de elevação da taxa Selic pelo Comitê de Política Monetária (Copom), somado às sinalizações de novos aumentos, contrasta com o movimento de redução das taxas de juros nos Estados Unidos. Esse diferencial torna-se atrativo para os investidores. Ademais, a aprovação do pacote de controle fiscal no Congresso, ainda que permeada de desafios, sinaliza maior responsabilidade fiscal. No entanto, esses fatores vêm sendo ignorados pelo mercado cambial, que reflete uma dinâmica especulativa inexplicável do ponto de vista dos fundamentos tradicionais.
Fatores que Explicam o Cenário Cambial
Na minha análise, duas razões principais ajudam a compreender o comportamento atual do câmbio:
- Anúncio da isenção do Imposto de Renda. A proposta de isentar contribuintes com rendimentos de até cinco mil reais, embora socialmente relevante, foi apresentada em um momento inoportuno. Coincidindo com as discussões do pacote de ajuste fiscal, o que gerou questionamentos sobre a consistência das medidas e a credibilidade do governo em equilibrar as contas públicas. Essa sobreposição alimentou a desconfiança dos agentes econômicos, incentivando apostas especulativas contra o real.
- Cenário político de longo prazo. Por outro lado, as medidas fiscais que beneficiam as classes de menor renda aumentam o potencial eleitoral do atual governo, fortalecendo as chances de reeleição do presidente Lula em 2026. Para uma parcela significativa do mercado, que frequentemente adota uma postura desfavorável ao governo, esse cenário é visto como adverso, reforçando movimentos especulativos que amplificam a volatilidade do câmbio. Como bem destacou Joseph Schumpeter: “Os mercados são como as marés: eles sobem e descem, mas carregam consigo um pedaço de tudo aquilo que tocam”.
O Risco das Medidas Heterodoxas
Diante desse contexto, a preocupação era que o governo viesse a adotar medidas heterodoxas para conter a especulação cambial. Já que experiências recentes na América Latina, particularmente na Argentina, ilustram os impactos desastrosos de intervenções excessivas no mercado de câmbio, como sobretaxar saídas de dólares ou implementar controles rigorosos sobre o fluxo de capitais. Tais políticas, ainda que possam conter a especulação no curto prazo, frequentemente resultam em estagnação econômica, fuga de capitais e colapso da confiança dos investidores. Nesse sentido, o Brasil deve resistir à tentação de agir de forma intempestiva. A melhor resposta para conter os movimentos especulativos está em reforçar o compromisso com a estabilidade macroeconômica e demonstrar consistência nas políticas fiscais e monetárias.
A Recuperação da Moeda
O comportamento atual do câmbio pode ser interpretado como um “sequestro” da moeda, em que agentes especulativos exercem forte influência sobre a dinâmica do mercado. Contudo, parece que os sequestradores da moeda não pretendem eliminá-la, mas usá-la como instrumento de barganha para negociar interesses. Como em qualquer negociação envolvendo reféns, o desfecho provavelmente foi definido nos bastidores. A recente queda do dólar, provocada por intervenções pontuais do Banco Central, como leilões no mercado de câmbio, sugere que algum tipo de acordo foi alcançado, ainda que sem alarde.
Além disso, é essencial que o governo concentre seus esforços na redução da percepção de risco político, demonstrando ao mercado que a estabilidade institucional e a previsibilidade econômica são prioridades. Isso exige uma comunicação clara e coordenada sobre as políticas fiscais e sociais, evitando surpresas que possam alimentar a especulação.
Neste momento, é imperativo evitar torcidas pelo caos. Movimentos especulativos, por mais adversos que pareçam, tendem a se dissolver quando fundamentos sólidos são mantidos. O desafio do governo e das autoridades monetárias é manter o foco na construção de um ambiente econômico estável e previsível, sem ceder às pressões que possam levar a erros estratégicos de longo prazo.
Como afirmou Celso Furtado: “A construção de um projeto nacional exige perseverança e visão de longo prazo”. O “sequestro da moeda” representa um teste de maturidade para o Brasil. Cabe ao governo e ao Banco Central adotar uma abordagem paciente e técnica, garantindo que o resgate do real seja feito sem danos colaterais à economia.
FRANCISCO VIANA CRUZ
É mestre em Desenvolvimento Regional, doutor em Economia e professor do IFTO.