O Manual de Crédito Rural 2025 trouxe uma surpresa a diversos produtores rurais, especialmente àqueles que ocupam e exploram terras devolutas; contudo, não se restringe apenas a estes. Sobre o tema, recomendamos ao leitor nossos artigos anteriores intitulados: “Consigo titular área sobreposta a Floresta Pública Tipo B pelo INCRA?” e “Foi resolvido o problema das titulações em áreas sobrepostas a Floresta Pública Tipo B”. Esses artigos abordam o assunto complexo e já oferecem uma análise aprofundada.
Sabemos que esse instituto foi criado pela Lei nº 11.284/2006 e se integrou ativamente no cenário da regularização fundiária por meio do Decreto 11.688 (revisado pelo Decreto 12.211/2024) e da Instrução Normativa 144/2024. Esta figura agora consolidou, ao menos por momento, seu espaço, conforme esperado, no contexto do crédito rural, que se torna a cada dia mais restritivo quanto às exigências ambientais de sustentabilidade da produção, visando manter o padrão adequado às exigências vigentes.
Essa orientação foi estabelecida pela Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 5.081/2023, que acrescentou na Seção 9 do Capítulo 2 do Manual de Crédito Rural que: “10 – Não será concedido crédito rural a empreendimento situado em imóvel rural total ou parcialmente inserido em Floresta Pública Tipo B (Não Destinada) registrada no Cadastro Nacional de Florestas Públicas do Serviço Florestal Brasileiro, exceto para imóveis rurais com título de propriedade e para aqueles com até 4 (quatro) módulos fiscais, com pedido de regularização fundiária analisado e deferido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).”
Até aqui, o leitor se deparou com um tema complexo, mas prometemos ser diretos e objetivos na explicação. Se você produz em uma faixa de terras devolutas maior do que quatro módulos fiscais, cujo imóvel não tenha sido regularmente titulado pelo INCRA, ou em caso de imóveis menores de quatro módulos fiscais, onde ao menos não tenha sido deferido o pedido de regularização, mesmo que a emissão do título ainda não tenha ocorrido, você não poderá acessar qualquer linha de crédito bancário.
Há diversos produtores rurais no Brasil ocupando determinadas faixas de terras devolutas, muitos dos quais não estão sequer buscando regularizar seus imóveis, enquanto outros, embora se esforcem para a regularização, não superaram as etapas iniciais. Todos encontram-se privados de acesso ao crédito bancário para fomentar a exploração dos imóveis que ocupam, sendo que a maioria deles explora esses imóveis como única fonte de renda e subsistência.
Ainda existem imóveis titulados, tanto pelo INCRA quanto pelos órgãos fundiários estaduais, que apresentam essa sobreposição, e, nesses casos, torna-se necessário justificar à instituição bancária para que o acesso ao crédito seja liberado. Isso ocorre porque a sobreposição das florestas públicas não é seletiva, e sua base de dados não diferencia de modo eficaz entre áreas particulares ou públicas, o que pode resultar em uma consulta apresentando sobreposição a florestas públicas sobre um imóvel regular e particular.
Por mais que se procure impor normas visando a preservação ambiental e o desenvolvimento de um agronegócio sustentável, essa regra inviabiliza a subsistência de diversos pequenos e médios produtores que, sem acesso ao crédito, não conseguirão dar continuidade à exploração do imóvel e à sua regularização. A longo prazo, isso provocará a extinção da exploração dessas áreas devolutas por esses pequenos e médios produtores, abrindo espaço apenas aos grandes, que são menos dependentes do acesso ao crédito, especialmente o subsidiado, provocando, contrariamente ao bom senso, uma reconcentração fundiária.
O governo federal planejou o objetivo sem avaliar as consequências da forma de implementação. Os pequenos e médios produtores sofrem, o agronegócio é prejudicado, a regularização fundiária perderá a oportunidade de conceder a inúmeras pessoas, que sacrificaram suas vidas para tornar a terra produtiva, o tão sonhado título, abrindo caminho para uma nova onda de reconcentração fundiária. Bastaria liberar o acesso ao crédito apenas àqueles que estivessem em processo de regularização, mediante certidão de que o processo está ativo e tramitando, com sua área devidamente georreferenciada, inscrita no Cadastro Ambiental Rural, disponibilizada para regularização fundiária rural e livre de embargos ambientais.
No entanto, mais uma vez, falta ao governo consideração pelas consequências de seus atos, segundo a balança do bem-estar social do povo e da nação.
ANTÔNIO RIBEIRO COSTA NETO
É consultor jurídico, professor universitário e escritor; advogado com escritório especializado em Regularização Fundiária, Direito Agrário e de Direito de Propriedade; membro da Comissão Nacional de Direito Agrário e Agronegócio da OAB; membro Consultor da Comissão Estadual de Direito Agrário e Agronegócio da OAB/TO (2020-2021); membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental da Associação Brasileira dos Advogados-ABA (2021-2022); membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio da Associação Brasileira dos Advogados-ABA (2020-2021); especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF.
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