O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, acolheu recursos extraordinários do ex-governador Marcelo Miranda (MDB) e da ex-vice-governadora Claudia Lelis (PV) – cassados por captação ilícita de recursos para campanha – e encaminhou o processo referente à cassação ao Supremo Tribunal Federal (STF) para “melhor exame”.
Marcelo Miranda e Claudia Lelis – e seus respectivos partidos – argumentaram que o TSE infringiu dispositivos da Constituição Federal ao determinar a cassação dos mandatos, citando a inviolabilidade: da intimidade, da vida privada, do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, telefônicas e de dados. Assim, a Corte teria usado de provas obtidas por meios ilícitos, alegam.
Esta reclamação dos políticos é em relação à utilização, no processo, de mensagens trocadas entre o irmão do ex-governador, José Edmar Brito Miranda Júnior, com um dos tripulantes da aeronave apreendida com R$ 500 mil em espécie e santinhos de campanha, episódio que desencadeou a Ação de Investigação Eleitoral (Aije) contra Marcelo Miranda e Claudia Lelis.
Os políticos afirmam que o próprio entendimento do TSE estabelece a necessidade de haver prova “robusta e inconteste” da prática de gastos ilícitos para justificar a cassação de mandato. Na avaliação deles, a Corte “alterou bruscamente vetusta jurisprudência eleitoral, mantida em vários julgados referentes às eleições de 2014” ao embasar a condenação em “provas indiciárias”.
Marcelo Miranda e Claudia Lelis também alegaram a ocorrência de tribunal de exceção, que o direito adquirido foi prejudicado e que não foi assegurado o contraditório e a ampla defesa, mas estes pontos foram rejeitados pelo presidente do TSE, que admitiu o recurso extraordinário com base na utilização de provas decorrentes do acesso ao registro de contatos em celulares apreendidos.
Entenda
A ação de investigação judicial eleitoral (Aije) contra Marcelo e Claudia nasceu após a prisão em flagrante de quatro pessoas no aeroporto de Piracanjuba, no dia 18 de setembro de 2014, no momento em que embarcavam em uma aeronave de propriedade de uma construtora de nome ALJA Ltda, portando R$ 500 mil em espécie e cinco quilos de material de campanha.
Diligências da Polícia Civil de Goiás apontaram posteriormente que o dinheiro no avião havia sido sacado momentos antes na agência da Caixa Econômica Federal da conta de Lucas Marinho Araújo, de onde já havia sido transferido mais de um milhão de reais para outras contas-correntes no Tocantins.
Em razão dos indícios de que os recursos apreendidos eram destinados ao caixa 2 da campanha de Marcelo Miranda, o auto de prisão em flagrante foi remetido à Procuradoria Regional Eleitoral do Tocantins (PRE), que instaurou procedimento com objetivo de apurar a ocorrência de abuso de poder econômico e posteriormente ajuizou a Aije.
No Tribunal Regional Eleitoral (TRE), vitória de Marcelo Miranda e Claudia Lelis em agosto de 2015. Entretanto, o TSE acolheu recurso do Ministério Público em março deste ano e determinou a cassação dos dois, que só saíram do Palácio Araguaia definitivamente após julgamento dos embargos de declaração, no dia 17 de abril.
Leia abaixo a íntegra da decisão do presidente do TSE:
“DECISÃO
EMENTA: ELEIÇÕES 2014. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS EM RECURSO ORINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE RECURSOS FINANCEIROS DESTINADOS A CAMPANHA. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97. CAIXA DOIS. UTILIZAÇÃO DE PROVAS DECORRENTES DO ACESSO AO REGISTRO DE CONTATOS EM CELULARES APREENDIDOS. DISCUSSÃO CONSTITUCIONAL. ART. 5º, X, XII E LVI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS ADMITIDOS.
Trata-se de recursos extraordinários interpostos por Cláudia Telles de Menezes Pires Martins Lélis, Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB – Diretório Estadual, Marcelo de Carvalho Miranda e Partido Verde – PV – Diretório Estadual do Tocantins contra acórdão do Tribunal Superior Eleitoral (fls. 1.422-1.434) que, por maioria, deu provimento ao recurso ordinário interposto pelo Ministério Público e parcial provimento ao recurso ordinário interposto pela Coligação A Mudança que a Gente Vê para determinar a cassação dos diplomas de Governador e de Vice-Governadora outorgados, respectivamente, a Marcelo de Carvalho Miranda e Cláudia Telles de Menezes Pires Martins Lélis, pela prática do ilícito previsto no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, bem como a realização de novas eleições.
Na sequência, foram opostos embargos de declaração por Marcelo de Carvalho Miranda (fls. 1.623-1.673), os quais foram desprovidos. Já os embargos apresentados por Cláudia Telles de Menezes Pires Martins Lélis (fls. 1.606-1.622) foram parcialmente providos somente para a correção de erro material.
Cláudia Telles de Menezes Pires Martins Lélis, nas razões de seu recurso extraordinário (fls. 2.028-2.069), aponta violação aos arts. 5º, X, XII, XXXVI, XXXVII, LIII, LV e LVI, e 16 da Constituição da República e defende a existência de repercussão geral das questões levantadas no apelo.
Aduz que o acórdão atacado ofendeu os arts. 5º, XXXVI, e 16 da Carta da República ao argumento de que ¿houve viragem brusca na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que em relação ao pleito de 2014 já havia se manifestado em diversas ocasiões no sentido de que para a procedência de ação prevista no art. 30-A da Lei nº 9.504/97 deve haver prova robusta, já que no acórdão recorrido foi admitida apenas prova indiciária” (fls. 2.047).
Prossegue defendendo que o entendimento veiculado no decisum verberado, por implicar mudança de jurisprudência, não poderia retroagir para alcançar diplomas concedidos, podendo, contudo, “ser aplicado em relação ao próximo pleito eleitoral”, conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 637.485/RJ, sob o rito da repercussão geral (fls. 2.048).
Argumenta que a competência para o processamento e julgamento das ações que visam à apuração de ilícito previsto no art. 30-A da Lei nº 9.504/97 seria dos juízes auxiliares, razão pela qual a distribuição da Ação Cautelar Preparatória nº 1201-80.2014.6.27.0000, proposta com o intuito de produzir as provas que embasaram a ação principal, ao Corregedor Regional Eleitoral, violaria o princípio constitucional do juiz natural.
Alega que o acórdão, ao considerar lícitas as provas decorrentes do levantamento do sigilo de dados de comunicação telefônica armazenados nos celulares apreendidos pela Polícia Civil de Goiás, sem prévia autorização judicial, violou o art. 5º, X, XII e LVI, da Constituição da República, porquanto os referidos dispositivos garantem que ¿não apenas as mensagens trocadas entre as pessoas investigadas são invioláveis e sujeitas a autorização judicial para que sejam devassadas em processo ou inquérito policial, mas também os dados entre as pessoas investigadas, referentes aos números, contatos, registros de mensagens” (fls. 2.063).
No ponto, ressalta que o Supremo Tribunal Federal, no exame do ARE nº 1042075/RJ, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, reconheceu a repercussão geral do tema, razão pela qual defende a admissão de seu recurso extraordinário.
Suscita ainda que o acórdão violou o os princípios da ampla defesa e do contraditório, porque ¿trouxe diversos elementos e informações que não constam nos autos, inclusive informações de processos que a recorrente não é parte, informações extraídas de sites, matérias jornalísticas, sem conceder às partes oportunidade de manifestação específica a respeito” (fls. 2.066).
Por fim, requer seja dado provimento ao recurso extraordinário para que seja reformado o acórdão desta Corte Superior e restabelecido o acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins.
O PMDB Estadual, nas razões do recurso extraordinário (fls. 2.072-2.145), aponta violação aos arts. 5º, X, XII, XXXVI, XXXVII, LIII, LV e LVI, e 16 da Constituição da República, bem como sustenta a existência de repercussão geral das questões levantadas no apelo.
Preliminarmente, alega que o acórdão combatido seria inexistente em virtude da ausência de aposição de assinatura dos Ministros desta Corte no referido decisum, razão pela qual requer o ¿cancelamento do acórdão e suas consequências e nova publicação” (fls. 2.116), sob pena de manutenção da transgressão aos princípios da segurança jurídica e da legalidade.
No mérito, assevera que o acórdão vergastado, ao fundamentar a cassação de diploma, com fulcro no art. 30-A, em provas indiciárias, “alterou bruscamente vetusta jurisprudência eleitoral, mantida em vários julgados referentes às eleições de 2014, no sentido de que, para embasar cassação de diploma com supedâneo no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, deve haver prova robusta e inconteste da prática de gastos ilícitos” (fls. 2.123).
Tal alteração jurisprudencial, a seu juízo, não tem aplicabilidade imediata, podendo, contudo, o novo entendimento ser ¿aplicado em relação ao próximo pleito eleitoral” (fls. 2.118), conforme estabelecido no julgamento do Recurso Extraordinário nº 637.485/RJ, proferido pelo Supremo Tribunal Federal.
Aduz que o acórdão recorrido violou o art. 5º, X, XII e LVI, visto que se amparou em provas ilícitas para a condenação do Governador e de sua Vice, uma vez que decorrentes do levantamento do sigilo de dados de comunicação telefônica armazenados nos celulares apreendidos pela Polícia Civil de Goiás, sem prévia autorização judicial.
No ponto, ressalta que o Supremo Tribunal Federal, no exame do ARE nº 1042075/RJ, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, reconheceu a repercussão geral do tema, razão pela qual defende a admissão de seu recurso extraordinário.
Por fim, pleiteia seja dado provimento ao recurso extraordinário para que seja reformado o acórdão desta Corte Superior.
Marcelo de Carvalho Miranda, nas razões de seu recurso extraordinário (fls. 2.148-2.230), alega violação aos arts. 5º, X, XII, XXXVI, LIV, LV, LVI e LVII, e 14 da Constituição da República, bem como argui a existência de repercussão geral das questões levantadas no apelo.
Afirma que o acórdão vergastado afrontou o art. 5º, X, XII, LIV, LV e LVI, ao fundamentar a condenação do Recorrente em provas ilícitas, consistentes nos dados de mensagens e contatos telefônicos armazenados em celulares de investigados, obtidas mediante ¿devassas perpetradas pela polícia sem autorização judicial” (fls. 2.163).
Ressalta que o tema referente à aferição da licitude de prova produzida pela autoridade policial, sem prévia autorização judicial, relativa ao acesso de registros e informações contidos em aparelho celular de investigados, teve a repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, no exame do ARE nº 1042075/RJ, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, razão pela qual defende a admissão de seu recurso extraordinário.
Assinala que o acórdão vergastado, ao fundamentar a cassação de diploma, com fulcro no art. 30-A, em provas indiciárias, promoveu “manifesta alteração de sua jurisprudência pacífica, mantida em vários julgados referente às eleições de 2014” , que considerava indispensável a existência de prova robusta da prática do ilícito (fls. 2.185).
Tal alteração jurisprudencial, a seu juízo, é ¿incompatível com a decisão desta e. Corte Suprema proferida no RE 637.485, sob o rito da repercussão geral, no sentido de que as mudanças de interpretação fixadas pelo e. TSE não poderiam retroagir para incidir sobre o diploma regularmente concedido” (fls. 2.188).
Sustenta ainda que o acórdão ofendeu os princípios da ampla defesa e do contraditório, sob o argumento de que a fundamentação baseou-se em (i) ¿dados inexistentes nos autos, jamais aventados pelas partes e trazidos pela autoridade judicial no momento do julgamento e sem oitiva das partes” (fls. 2.190), e em (ii) conjunto de indícios resultantes da ¿aparente insuficiência da defesa sobre fatos atribuídos a terceiros” (fls. 2.191), notadamente no que se refere à origem e destino de recursos apreendidos.
Destaca que houve transgressão ao princípio da proporcionalidade, visto que o acórdão, ao determinar a cassação do diploma do Recorrente com base em prova indiciária, promoveu incorreto ¿juízo de ponderação pelo uso (ou não) da prova indireta para fins de sobrelevar o princípio constitucional da igualdade e moralidade da eleição como justificativa para o sacrifício do princípio constitucional da soberania popular” (fls. 2.200).
Assevera que esta Corte, no acórdão integrativo, deixou de apreciar as teses levantadas nos embargos de declaração opostos pelo ora Recorrente, especialmente no que se refere a fatos graves capazes de desconstituir ¿indícios de que Douglas estaria a serviço da campanha do Recorrente” (fls. 2.228), resultando em violação ao art. 5º, XXXV, e 93, IV, da Constituição da República.
Por fim, requer seja dado provimento ao recurso extraordinário para que seja reformado o acórdão desta Corte Superior com o restabelecimento do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins.
O Diretório Estadual do PV busca o ingresso no feito na condição de assistente simples, por meio do Protocolo/TSE nº 2.630/2018, de 23/4/2018.
Na petição, sustenta seu interesse jurídico na demanda, firme no argumento de que o ¿acolhimento das representações por abuso do poder econômico alcançam a Vice-Governadora, que perderá seu mandato definitivamente, atingindo o PV” (fls. 2.235).
Na sequência, a referida agremiação apresentou recurso extraordinário (fls. 2.286-2.312), em cujas razões aduz violação aos arts. 5º, XII e LVI, e 16 da Constituição da República, bem como existência de repercussão geral das questões levantadas no apelo.
Afirma que o acórdão vergastado ofendeu o art. 5º, XII e LVI, ao fundamentar a condenação do Recorrente em provas ilícitas, consistentes em registros de mensagens e contatos telefônicos armazenados em celulares de investigados, ¿oriundas de devassas perpetradas pela polícia sem autorização judicial” (fls. 2.292).
Ressalta que tal tema teve a repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, no exame do ARE nº 1042075/RJ, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, razão pela qual defende a admissão de seu recurso extraordinário.
Sustenta ainda que o acórdão vergastado, ao fundamentar a cassação de diploma, com fulcro no art. 30-A, em prova indiciárias, promoveu “manifesta alteração de sua jurisprudência pacífica, mantida em vários julgados referente às eleições de 2014″ (fls. 2.305), o que, além de violar o princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da CR), revela-se ¿incompatível com a decisão desta e. Corte Suprema proferida no RE 637.485, sob o rito da repercussão geral, no sentido de que as mudanças de interpretação fixadas pelo e. TSE não poderiam retroagir para incidir sobre o diploma regularmente concedido” (fls. 2.307-2.308).
Por fim, requer seja dado provimento ao recurso extraordinário para que seja reformado o acórdão desta Corte Superior com o restabelecimento do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins.
Contrarrazões da Coligação A Mudança que a Gente Vê a fls. 2.387-2.409 e do Ministério Público Eleitoral a fls. 2.412-2.434.
É o relatório. Decido.
Ab initio, quanto ao pedido de ingresso no feito na condição de assistente simples formulado pelo Diretório Estadual do PV, ressalto que a dogmática processual preconiza que a admissão do assistente reclama a demonstração, in concreto, de seu interesse jurídico na lide, por meio de elementos concretos (i.e., a demonstração específica e individualizável das consequências de eventual alteração do quociente eleitoral ou o fato de o pronunciamento judicial potencialmente poder atingir a esfera jurídica do postulante etc.). Revela-se insuficiente que o requerimento de habilitação esteja ancorado em alegações genéricas e abstratas, nomeadamente com espeque em conjecturas e ilações (e.g., histórico de expressivas votações em pleitos anteriores).
No caso vertente, a recorrente Cláudia Telles de Menezes Pires Martins Lélis pertence aos quadros da agremiação peticionante, restando evidenciado o interesse jurídico do PV/TO no equacionamento da quaestio debatida no presente processo, mormente porque o decisum desta Corte é desfavorável aos seus interesses por importar na cassação do diploma da Vice-Governadora do Tocantins.
Ante o exposto, admito a integração do Diretório Estadual do PV na relação processual na qualidade de assistente simples da Recorrente.
Passo à análise dos recursos extraordinários interpostos por Cláudia Telles de Menezes Pires Martins Lélis, PMDB Estadual, Marcelo de Carvalho Miranda e PV Estadual, os quais foram tempestivamente interpostos e estão subscritos por advogados regularmente habilitados nos autos.
Verifico que a controvérsia comum aos apelos, referente à (i)licitude de prova produzida pela autoridade policial, mediante acesso, sem prévia autorização judicial, a registros e informações contidos em aparelhos celulares de investigados, é eminentemente constitucional, porquanto alusiva ao resguardo da intimidade e da vida privada, à inviolabilidade da comunicação de dados e à vedação de utilização de provas obtidas por meios ilícitos no processo, garantias previstas, respectivamente, no art. 5º, X, XII e LVI, da Constituição da República.
Por essa razão e verificado o preenchimento dos demais requisitos inerentes ao apelo extremo, entendo que a questão, suficiente para a admissão dos extraordinários, merece melhor exame pelo Supremo Tribunal Federal.
Ex positis, admito os recursos extraordinários nos termos do art. 1.030, V, a, do Código de Processo Civil.
Publique-se.
Brasília, 20 de junho de 2018.
MINISTRO LUIZ FUX
Presidente”