A Igreja Católica convive com uma onda de adoecimento mental de religiosos. Aumentou o número de suicídios, sendo que foram 35 casos notificados entre agosto de 2016 e agosto de 2023. Esses números foram contabilizados pelo padre e pesquisador Lício Vale, especialista em Prevenção e Pósvenção em Suicídio pela Universidade Federal de Santa Catarina e membro da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção ao Suicídio.
Completando as estatísticas, no dia 5 de julho de 2025, a Igreja perdeu, de maneira dolorosa e precoce, o Padre Matteo Balzano, sacerdote de 35 anos da Diocese de Novara, Itália. Ele foi encontrado sem vida na reitoria paroquial de Cannobio, onde exercia seu ministério junto aos jovens. Padre Matteo tirou a própria vida.
O suicídio de padres nos comove muito. Não apenas por sua gravidade, mas porque toca num ponto profundo e incômodo: o sofrimento oculto daqueles que deveriam ser refúgio de consolo e esperança. O suicídio de um padre é uma tragédia que grita silenciosamente para todos nós: quem cuida de quem cuida?
A pressão para atender às expectativas dos fiéis e da sociedade pode ser esmagadora, especialmente quando se busca equilibrar a vida pessoal com as responsabilidades do sacerdócio.
O que se observa é que a vida sacerdotal pode levar a momentos de solidão e isolamento, especialmente para aqueles que trabalham em áreas remotas ou que enfrentam dificuldades em se conectar com outros padres e comunidades.
O padre fica a maior parte do tempo atendendo os anseios do povo, ouvindo seus problemas, seus pecados, bem como ajudando os fiéis a superarem a dor de cada dia. Quando termina seu trabalho pastoral, os padres ficam imersos em uma solidão, não tendo ninguém com quem dividir as suas dificuldades, seus anseios e suas dores: auxiliam a todos e ao mesmo tempo não são auxiliados por ninguém.
Quando um padre tira a própria vida, é como se o altar calasse… Aquelas brilhantes homilias que o padre fazia, não mais existirão; o sino toca por alguns momentos, e depois tudo volta ao normal: muitos dizem que é a vontade de Deus! E o tempo tudo apaga!
Com o suicídio de um padre o confessionário fica vazio, a batina ainda fica pendurada atrás da porta. Ele não morreu de velhice nem de acidente, ele morreu porque sentiu cansaço na alma, nas críticas recebidas pelos fiéis e de seus superiores.
Mesmo tendo uma vida restrita, os sacerdotes são continuamente cobrados. Alguns cobra até o tipo de roupa que os padres devem usar, porque para essas pessoas o uso da batina é “um sinal de que o padre está morto para o mundo”. Também certas pessoas recriminam até o lugar onde o padre frequenta. Se falar muito tempo na homília são criticados, se falarem poucos minutos, também são. Enfim, de qualquer modo que os sacerdotes vivem, sempre haverá aqueles que os criticam
Percebe-se que os padres doam a própria vida pela igreja, pelas suas comunidades, e na maioria das vezes, acabam sendo vítimas da ingratidão. O povo pede milagres, mas não oferece companhia e carinho. A própria igreja clama por vocações, mas às vezes tratam mal aqueles que já atenderam ao chamado e dão continuamente as suas vidas pelo rebanho.
Muitos padres sofrem aquele sentimento de frustração pessoal e dos outros, que o acompanha em cada sua ação. Na maioria das vezes o padre sente na pele como sendo um corpo estranho num mundo cada vez mais plural e ao qual a sua proposta já não diz mais nada.
Causa um sofrimento profundo no coração de um padre ver os jovens que abandonam as igrejas, conviver com pessoas que não conseguem ver na igreja um lugar de acolhimento. Sofrem ainda por causa das reclamações dos fiéis que querem uma igreja santa a seu modo.
Alguns grupos de fieis chegam a estimular leigos a atacarem ou denunciarem padres de cujas condutas discordam, sob o argumento de que “o clero está corrompido e cabe aos leigos salvar a Igreja”. É por isso que muitos padres sofrem a síndrome de Burnout ou depressão.
Às vezes alguns bispos colocam fardos pesados demais nas costas de um padre e nem com um dedo os ajudam a mover. Muitos ainda dizem: você está com problemas, se vira com a sua paróquia!
O Papa Francisco, em certa ocasião, dirigiu aos bispos do mundo inteiro e disse que eles devem dirigir as comunidades com diálogo e precisam ser pastores próximos às pessoas, agindo com simplicidade e sem ambição. Os bispos tem o devem de cuidar de seus padres e evitar fala mal do clero em qualquer situação.
Se o padre errou, o bispo deve corrigi-lo em segredo, tendo uma conversa franca, mas sempre amorosa. Jamais deve expor o padre a quem quer que seja. Até mesmo porque, se o padre age errado é porque não foi bem orientado. Isso lembra um princípio básico do militarismo e que pode ser aplicado em todo lugar onde houver hierarquia: a tropa é o espelho do guia! Se o guia é bom, toda a tropa será excelente; se o guia é ruim, a tropa será fraca!
O Santo Cura d’Ars, exemplo de sacerdote, dá um conselho importante para os bispos: “Se quererdes converter vossa diocese, será preciso tornar santos todos os vossos párocos”.
Alguns falam que a igreja está atrasada. Isto ocorre porque há muito medo em sacudi-la!
Muitos questionam o fato de um sacerdote tirar a própria vida. Infelizmente, no trajeto até a cruz, Jesus caiu por três vezes! E teve a ajuda do Cirineu. Quantos de nossos padres não têm ajuda nenhuma para superarem suas doenças emocionais?
Os padres vivem em uma via crucis: solidão emocional, o excesso de exigência, a cobrança interna por santidade, a falta de espaços de escuta autêntica e a ausência de acompanhamento humano e espiritual contínuo. Isso aos poucos todos esses problemas vão fazendo surgir uma dor imensa no coração do sacerdote. Quantos fieis só procuram o padre quando estão precisando? Quantos querem a perfeição do padre, mas não lhe oferecem nem a amizade?
O Padre é ser humano como qualquer outro e merece respeito, atenção, cuidado, liberdade de ir e vir. Padre erra, acerta, peca. Valorizemos os padres que temos e deixemos eles viverem a paz em suas vidas.
Se você tem como um amigo um sacerdote, agradeça a Deus. Preocupe-se com a vida dele, pergunte como ele como tem passado, converse sobre as lutas do sacerdócio, abrace-o e o trate como um ser humano, pois debaixo da batina tem um ser humano que precisa de carinho e proteção.
LUIZ FRANCISCO DE OLIVEIRA
É advogado, doutorando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT, 2019); especialista em Direito em Administração Pública; Especialista em Direito Processual Civil; especialista em Direito Político e Eleitoral; especialista em Direito Ambiental e Urbanístico; ex-advogado da União (AGU); promotor de Justiça Aposentado do Ministério Público do Estado do Tocantins; ex-integrante do Grupo de Trabalho Racismo e Igualdade Racial da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC/PGR; fundador do Escritório Luiz Francisco Advogados. https://luizfranciscoadvogados.com.br/.