O Tocantins vive um momento decisivo para definir o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. O Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE-TO), previsto no Projeto de Lei nº 05/2025, é um instrumento legítimo de política pública, já consolidado na legislação federal, que visa organizar o território estadual a partir de critérios ambientais, sociais e econômicos. Contudo, sua eficácia e legitimidade dependerão diretamente da forma como for concebido e implementado. Não se trata apenas de mapear áreas e impor diretrizes; trata-se de criar um arcabouço normativo capaz de harmonizar o direito de propriedade, sua função socioambiental e o dever constitucional de preservar o meio ambiente. Isso exige um debate técnico, transparente e desprovido de radicalismos ideológicos, pois decisões tomadas sob a influência de paixões políticas ou disputas setoriais tendem a produzir normas ineficazes e litigiosas.
A experiência comparada e o histórico estadual demonstram que políticas ambientais bem-sucedidas são aquelas que preservam o caráter voluntário e compensatório, evitando a imposição unilateral de restrições. A Política Estadual sobre Mudanças Climáticas (Lei nº 1.917/2008) e a Política Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais (Lei nº 4.111/2023) ilustram essa boa prática: remuneram quem preserva, incentivam o manejo sustentável e estimulam a regularização ambiental sem afastar o proprietário do processo decisório. No entanto, o ZEE-TO, por envolver delimitação de zonas com restrições de uso e ocupação do solo, carrega um risco inerente: a possibilidade de esvaziar o conteúdo econômico da propriedade privada. Quando esse limite é ultrapassado, a restrição pode ser equiparada a uma desapropriação indireta, tema sensível no direito brasileiro, que exige justa indenização e encontra respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Assim, sem salvaguardas claras, o ZEE-TO pode transformar um instrumento legítimo de ordenamento territorial em fonte de insegurança jurídica e resistência social.
Para evitar esse cenário, antes de qualquer alteração de zoneamento, é imprescindível a realização de uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) com base em critérios técnicos objetivos. Essa avaliação deve mensurar não apenas os ganhos ambientais, mas também os impactos econômicos e sociais sobre cada setor produtivo, identificando alternativas regulatórias menos gravosas e apontando medidas compensatórias adequadas. Ademais, deve-se priorizar instrumentos econômicos voluntários – como o REDD+ e o Pagamento por Serviços Ambientais – que, em vez de restringir, incentivam o cumprimento da função socioambiental da propriedade mediante contrapartida financeira ou creditícia. Essa lógica, consagrada no princípio do “protetor-recebedor”, é mais eficiente para alcançar a adesão dos agentes privados e consolidar políticas ambientais sustentáveis no longo prazo.
Transparência e participação social não podem ser meros slogans, mas pilares concretos do processo legislativo. Isso significa notificar individualmente todos os proprietários potencialmente afetados, garantir-lhes o direito ao contraditório técnico – com possibilidade de apresentar laudos, estudos e propostas alternativas – e assegurar prazos de transição razoáveis, que permitam adaptação gradual às novas regras. Além disso, interessante seria criar um Fundo de Compensação, custeado por receitas provenientes de ativos ambientais, créditos de carbono, cooperação internacional e percentuais de multas ambientais, para cobrir custos e perdas geradas por restrições que configurem ônus excessivo. Sem esse mecanismo, o ônus da preservação recairá injustamente sobre quem vive da terra, corroendo a legitimidade da política ambiental e abrindo espaço para disputas judiciais de alto custo para o Estado.
A Assembleia Legislativa do Tocantins tem, portanto, a responsabilidade de conduzir esse debate com profundidade e compromisso institucional. Isso implica promover audiências públicas regionais, incluir representantes de produtores rurais, comunidades tradicionais, povos indígenas, cientistas e ambientalistas, e submeter o texto final a uma avaliação técnica independente antes da votação. Mais do que aprovar uma lei, trata-se de construir um pacto federativo e social que una preservação e desenvolvimento em um mesmo horizonte estratégico. Se conduzido com técnica, previsibilidade e justiça, o ZEE-TO poderá ser referência nacional de política ambiental equilibrada. Mas se for conduzido sem diálogo e sem salvaguardas, corre o risco de se tornar um símbolo de insegurança jurídica e de ruptura entre o campo e a cidade. Em matéria de política ambiental, moderação não é fraqueza – é o caminho mais sólido para garantir resultados duradouros.
WELLINGTON MAGALHÃES
É juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO)
Segundo Diretor Adjunto da Escola Superior da Magistratura do Tocantins (ESMAT)
Coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos Ambientais e Fundiários (CEJUSCAF)