O Brasil ultrapassou nesse domingo, 3, os 100 mil infectados e mais de 7 mil mortos pela Covid-19, mas a pandemia ainda não está na pauta do presidente da República, Jair Bolsonaro, tido como o líder dos países democráticos que pior que tem conduzido esta crise sanitária. Negacionista e anticiência, Bolsonaro é piada na imprensa internacional e em programas de TV, onde seu nome virou sinômino de “estúpido” numa série mexicana da Netflix.
No livro Tormenta – O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos, da jornalista Thaís Oyama, do qual já comentei aqui, tem um capítulo que diz que ele é o presidente das pequenas coisas. Não se preocupou, por exemplo, com a reforma da Previdência, mas arrumou confusão com o mundo árabe, forte parceiro comercial do Brasil, quando inventou a sandice de cogitar a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém, coisa que de quem age por instinto e não tem leitura de nada.
[bs-quote quote=”O imitador barato de ditador ultrapassou a linha do tolerável. Notas de repúdio não bastam. É preciso agir para impedir que Bolsonaro continue avançando em sua marcha insana e autoritária” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
No caso desta pandemia, Bolsonaro mostra que continua sendo o presidente das pequenas coisas. No momento em que o problema da Covid-19 se torna mais agudo, sua preocupação é mandar embora os diplomatas venezuelanos. A revolta dele nesse domingo, 3, ao apoiar mais um ato pró-ditadura, organizada pelos fanáticos que vive instigando contra as instituições, não era porque 7 mil brasileiros foram mortos pelo novo coronavírus. Não. Esse tipo de zelo sentimental sequer passa por seu cérebro diminuto e coração empedrado. Sua extrema insatisfação era com o fato de o ministro do STF Luís Roberto Barroso ter derrubado a decisão de expulsar os diplomatas venezuelanos e suas famílias.
Foi esse o contexto das bravatas autoritárias que Bolsonaro disparou em meio ao “coronafest” dos fanáticos bolsominions nesse domingo, em frente ao Palácio do Planalto: “Peço a Deus que não tenhamos problemas esta semana. Chegamos no limite, não tem mais conversa. Daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço”, afirmou.
A primeira constatação é que, na sua falta de preparo, por não ser afeito à leitura, o presidente desconhece o fato de que a autonomia de Poderes não significa que Executivo, Legislativo e Judiciário podem fazer o que quiserem, sem que ninguém intervenha para fazer valer a Constituição e o bom senso. Ou seja, no seu analfabetismo funcional, Bolsonaro desconhece o que seja o sistema de freios e contrapesos, que visa justamente evitar também os arroubos autoritários como os que o presidente da República expele diariamente.
Como se não bastasse a rotineira ofensa à democracia desse domingo — primeiro pela presença (pela segunda vez) num evento antidemocrático, que pede o fechamento do STF, do Congresso e assim tenta anular a Constituição de 1988; e depois pela ameaça às instituições democráticas —, ainda houve a covarde agressão aos jornalistas de O Estado de S.Paulo por seus fanáticos seguidores, tão analfabetos funcionais quanto seu “mito”. Uma gente que se informa pelo WhatsApp, a partir de teorias conspiratórias produzidas pelo Gabinete do Ódio, que tem no comando o filho do presidente que deveria ser vereador no Rio. Nossa solidariedade aos colegas jornalistas agredidos no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Bolsonaro tem agido para testar as instituições e as forças democráticas brasileiras. Avança duas casas e recua uma diante da repercussão. Mas, nesse passo e contrapasso, cada vez que sai às ruas para atacar a democracia, o presidente arremete mais em direção ao autoritarismo. Como reação, as instituições vêm com notas de repúdio. Até um limite elas eram o suficiente. No entanto, o imitador barato de ditador ultrapassou, há muito tempo, a linha do tolerável. Notas de repúdio não bastam mais. É preciso agir para impedir que Bolsonaro continue investindo em sua marcha insana e autoritária.
Não tenho dúvida da força das nossas instituições, da nossa democracia. Passamos por dois impeachments, por profundas crises políticas, pela prisão de um ex-presidente corrupto, tudo isso sem derramar uma gota de sangue, sem rasgar a Constituição, que permanece como a bússola de nossa civilidade. Não é um chefete autoritário, desvalido de mínima capacidade intelectual, que, tocando alguns fanáticos de nível alienação que mereceria intervenção psiquiátrica, que vai nos tirar da rota da democracia.
As Forças Armadas, cujo apoio Bolsonaro garganteou ter, já avisaram que não embarcarão numa aventura autoritária. Não tenho a menor dúvida disso por dois motivos. O primeiro é que elas aprenderam o quanto o golpe de 1964 lhes custaram em termos de imagem perante a Nação, e amadureceram. Nesses 30 anos de redemocratização, Exército, Marinha e Aeronáutica sempre cumpriram seu papel de guardiões da Constituição, de força de Estado e não de governo.
Além disso, os generais não confiam em Bolsonaro, um ex-capitão do Exército que só não foi expulso por ter sido obrigado a fazer um acordo e pedir baixa, após planejar jogar bombas em quartéis em meados dos anos 1980. O hoje presidente sempre foi visto como indisciplinado e alguém que desrespeita a hierarquia, dois defeitos inaceitáveis no meio militar. Bolsonaro, para se ter ideia, quando deputado federal, chegou a ser proibido por anos de entrar nos quartéis. Ele só conseguiu paz com os generais quando, em 2011, a presidente petista Dilma Rousseff criou a Comissão da Verdade, para investigar crimes cometidos pela ditadura militar. Então, por conveniência, já que o ex-capitão era uma das poucas vozes contra a comissão, Bolsonaro passou a ser tolerado.
De toda forma, as demais instituições precisam reagir e dar um basta. Chega de inúteis notinhas de repúdio. A hora é de agir, e, não tenho dúvidas, a democracia vencerá.
CT, Palmas, 4 de maio de 2020.