Caro amigo Edson Cabral,
Foi com muita satisfação que dona Sandra e eu assistimos no sábado, no Cine Cultura Sala Sinhozinho, seu documentário “Doutor Araguaia”, sobre a história do médico João Carlos Haas Sobrinho. O filme nos emocionou e nos fez refletir sobre a bravura daquele jovem bem formado, que deixou sua cidade, São Leopoldo, e seu Estado, o Rio Grande do Sul, para servir seu país em defesa de nossa liberdade democrática, levando atendimento médico a uma região desprovida de qualquer atenção, a divisa do Maranhão com o que é hoje o Tocantins, no início dos anos 1970.
Caro amigo, se atualmente o atendimento à saúde deixa a desejar, fiquei imaginando como seria há 50 anos. O documentário mostra bem isso: nenhum médico naquela imensa região, “premiada”, assim, por receber um profissional da mais alta qualidade e um ser humano sensível às dores da gente ignorada pelo Estado brasileiro. Dessa forma, Cabral, seu filme vai muito além da luta desigual de jovens idealistas em defesa da nossa democracia contra toda a força do Exército. Denuncia que o autoritarismo, acima de tudo, sufocava qualquer grito de socorro de um povo largado à própria sorte. Por isso, a liberdade era vista como tão deletéria por um regime que visou defender os interesses dos privilegiados.
A história do Dr. João Carlos, amigo, clamava por ser resgatada para evidenciar que a luta no Araguaia não foi de “terroristas” contra o Estado brasileiro, mas de cidadãos que defendiam democracia e justiça social e, por isso, acabaram massacrados por um Estado sequestrado num golpe civil-militar para garantir o silêncio e, com ele, perpetuar as desigualdades que sempre marcaram a trajetória deste país injusto e cruel com as imensas camadas desassistidas.
Em tempos em que muitos negam as torturas, os abusos, o autoritarismo dos anos de chumbo que enfrentamos por longas duas décadas, “Doutor Araguaia” é fundamental para esclarecer esta geração de que a intervenção militar nunca é saudável para a democracia e para o desenvolvimento do País. É a sociedade que deve ser soberana para decidir seu futuro e quais caminhos tomar para chegar a ele. Não podem, amigo, a força, a brutalidade, a estupidez e a ignorância se sobrepor num debate que pertence ao conjunto dos brasileiros.
Tenho claro comigo que as Forças Armadas, ao desferirem o golpe contra a sociedade, mantendo-a refém dos interesses que não eram nacionais mas de uma elite financiada por estrangeiros, no caso os Estados Unidos, foram impatrióticas. A obrigação dos militares era defender o povo brasileiro, sua constituição e sua democracia, mas agiram contra tudo isso.
Agora, prezado Cabral, quase que a história se repete, o que certamente levaria à perda de mais vidas preciosas, como a do dr. João Carlos. Graças ao amadurecimento institucional, desta vez, as assanhadas vivandeiras de quartel não foram atendidas e nossa democracia saiu ainda mais consolidada.
Obrigado, amigo, por nos proporcionar essa oportunidade de refletir sobre o presente do Brasil, ao jogar luz sobre as dores que vivemos num passado nem tão distante e que ainda nos assombra com o séquito de ignorantes, inimigos do Estado Democrático de Direito, capturados pelos porta-vozes do neofascismo que seguem gritando e expelindo ódio aos direitos civis conquistados com o sacrifício de vidas importantes, como a do dr. João Carlos, um herói nacional.
Parabéns, Cabral!
Saudações democráticas,
CT
Segue teaser do documentário: