No Tocantins,1.039.439 eleitores voltarão às urnas neste domingo, 7, pela terceira vez só em 2018 para escolher o sétimo governador em nove anos. Este é um dos resultados da disputa pelo poder que fugiu ao controle desde o fim da estabilidade política que existia sob o rígido controle que o ex-governador Siqueira Campos exercia sobre o Estado, no comando da poderosa União do Tocantins.
O tocantinense clamava por democracia e seus líderes, e partidos, por autonomia para decidir sobre seus destinos. Essas duas reivindicações foram os combustíveis que movimentaram o motor da campanha de reeleição do então governador Marcelo Miranda, em 2006. Ele tinha sido eleito em 2002 como sucessor de Siqueira, na base da União do Tocantins, grupo com mais de uma dezena de partidos que imperou em quase todo o tempo desde a criação do Estado, com exceção do interregno entre 1991 e 1994, quando o jovem Tocantins foi governado pelo MDB de Moisés Avelino.
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Para se ter ideia, nas eleições de 2004, a tímida oposição formada por MDB, PT, PPS, PCdoB e PDT, não detinha mais do que meia dúzia das 139 prefeituras do Estado.
Se havia reclamação de ordem democrática, do ponto de vista da gestão fiscal, o Tocantins era exemplo para grande parte dos Estados brasileiros. Marcelo Miranda herdou do antecessor, Siqueira Campos, uma situação de imensa tranquilidade, com apenas 35,7% de comprometimento da Receita Corrente Líquida (RCL) com pessoal — índice que evoluiu ao longo dos anos seguintes até 58%, no último governo do emedebista, concluído em março, quando ele foi cassado pela segunda vez pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Para vencer o então mito Siqueira Campos em 2006 foi preciso que Marcelo aglutinasse toda a força política do Estado, um exército de mais de 100 prefeitos com o Palácio e centenas de vereadores, além de colocar a máquina para trabalhar a favor da candidatura. A vitória exigiu o comprometimento de grande parte da arrecadação do Estado com a folha de pagamento. Foi nesse período que surgiram os Planos de Cargos, Carreiras e Subsídios (PCCSs) das diversas categorias, construídos totalmente desconectados da realidade arrecadatória. O resultado é que Marcelo assumiu o segundo mandato em 2007 com a folha representando 44,7% da Receita Corrente Líquida, um salto de nove pontos em relação ao que tinha herdado em 2003.
A partir daí a administração do Estado passou a ser interrompida por processos judiciais e até renúncia de governador; e executada tendo a reeleição como o imperativo supremo da gestão. Para se ter ideia, desde 2006 nenhum governador conseguiu concluir os quatro anos de mandato. O resultado foi a elevação absurda do custeio, a redução da capacidade do Estado de investir e a precarização de todos os serviços públicos.
Em 2009, como resultado dos excessos para se reeleger em 2006, Marcelo Miranda foi cassado pelo TSE, num processo movido pela União do Tocantins, de Siqueira Campos.
Em setembro daquele ano assumiu o presidente da Assembleia, Carlos Gaguim, que foi eleito em seguida para o mandato tampão. Mais uma vez a gestão vislumbrou o processo de reeleição como prioridade. Na transição de Marcelo para Gaguim, o governo do Tocantins fez o acordo para pagar a indenização de R$ 183,3 milhões para os policiais militares.
O governador Gaguim, apesar das investidas, perdeu as eleições de 2010 para Siqueira Campos por um ponto percentual, e, na saída, aumentou o duodécimo de todos os poderes: Assembleia e Tribunal de Justiça, além de Tribunal de Contas, Ministério Público e Defensoria. Outra benesse sem qualquer vínculo com a realidade de arrecadação do Tocantins.
Assim, Siqueira, que tinha entregado o Estado em 2003 com 35,7% da Receita Corrente Líquida com pessoal, no seu retorno, em 2011, encontrou essa despesa em 47,7%, 12 pontos acima de nove anos antes. Foi o que o levou a se autoclassificar como “gerentão de folha de pagamentos”. O ex-governador assumiu com sua rigidez exonerando cerca de 25 mil servidores no primeiro momento do mandato.
Contudo, as pressões políticas prevaleceram e o Estado foi recontratando novamente aos poucos nos anos seguintes. Dessa forma, Siqueira entregou o governo a seu sucessor, Sandoval Cardoso, numa situação muito diferente da de 2003. Quando renunciou em abril de 2014, a folha representava 48,7% da RCL.
Com a renúncia, o Estado viveu outra profunda crise política, com a mobilização de toda a máquina para duas eleições, uma indireta, para garantir o mandato de governador ao então presidente da Assembleia, Sandoval Cardoso, e outra direta, em outubro de 2014. O governador tampão também abriu o pacote de bondades para assegurar o apoio dos servidores, como foi o caso do realinhamento dos salários da Polícia Civil, ainda discutido judicialmente. Já derrotado nas eleições de 2014, Sandoval concedeu promoções a PMs.
É diante desse quadro que Marcelo Miranda assumiu seu terceiro mandato de governador em janeiro de 2015. Ao retornar ao Palácio, constatou que os salários de dezembro não haviam sido pagos pelo antecessor, o que furou seu planejamento. Ele chegou a cogitar dividir os salários em cinco vezes, mas, pressionado pelos servidores, cedeu. Porém, a partir de então o funcionalismo estadual passou a receber no dia 12 e não mais no último dia útil do mês.
O novo governador ingressou com ações judiciais contra a gestão anterior pelas concessões a diversas categorias de servidores que, defendia, contrariava a Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim, suspendeu promoções de PMs e o realinhamento da Polícia Civil.
O Palácio teve que enfrentar greve dos policiais civis, dos servidores gerais e ainda dos profissionais da educação. Neste período houve muita dificuldade para pagamento até da data-base das diversas categorias do funcionalismo, que acabaram sendo liquidadas em parcelas, mas ainda há pendências. Marcelo chegou a promover um enxugamento, com a exoneração de 3 mil servidores, e impor medidas de contenção por um período. No entanto, as ações foram consideradas tímidas.
A crise do Estado se agravou no início deste ano, quando Marcelo Miranda foi cassado pela segunda vez pelo TSE. Desde março que o Tocantins passa por períodos de pré-campanha e campanha eleitoral, com as ações administrativas engessadas pela legislação eleitoral, decisões judicias e pela instabilidade política e jurídica.
É neste o contexto que ocorrem as eleições deste domingo. A esperança é de que esse longo, tortuoso e espinhoso processo chegue ao fim, vence quem vencer, para que o Tocantins possa voltar à normalidade administrativa e à garantia da segurança política e jurídica necessária à economia.
Afinal, o desejo de poder dos grupos políticos em geral não pode estar acima dos interesses de toda a população.
CT, Palmas, 6 de outubro de 2018.