Em meio às gritarias extremas, agora prefiro ficar com a ponderação. Vivemos num mundo ensandecido, num divisionismo que o povo brasileiro nunca viu em sua história, sob a era do maniqueísmo em que se olha para a ideologia que provocou milhões de mortes ao redor do mundo no século 20 e não para o ser humano. No fundo de toda essa gritaria, os objetivos são os mesmos: a construção de um país justo, mais igualitário, com menos sofrimento para um povo cansado de sofrer.
Por essa perspectiva, escolhi há um tempo deixar o ringue dessas lutas inglórias, bestializadas, e olhar de fora o que está acontecendo. Fiquei assustado. O mundo dividido entre nós e eles, em que ser “bom” e “mau” depende apenas do lado em que se está, sem relação com o que se diz e se faz, sobretudo, no principal palco de batalha do mundo pós-moderno, as redes “antissociais”.
[bs-quote quote=”Da mesma forma que falta a parcela significativa dos homens entender que não são posseiros de suas esposas, a segurança pública e o Judiciário, em grande parte, ainda se mostram despreparados para proteger as mulheres” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
Desde o processo de desencarne de seu Heitor, meu pai, venho revendo todos os meus conceitos de mundo, os valores que sempre me guiaram. A passagem de meu “velhinho” foi linda, me esbofeteou, me fez ver que seguia por vias tortas, espinhosas e dolorosas, e me transformou. Desse olhar para dentro de mim mesmo, mudei de caminho, revi o conceito de Deus, o que me levou a respirar outros ares espirituais, me afastando daqueles em que me encontrava, e seguir olhando mais fixamente para a luz.
Estou milhões de anos de qualquer possibilidade de perfeição. Ainda caio demais, me irrito mais do que devia, mas algo não é como antes. A consciência dói mais nos erros absurdos que ainda cometo, e descobri que ela estava anestesiada por dogmas ilógicos, ultrapassados e até farisaicos. Se ainda estou muito longe do que quero ser, pelo menos me sinto liberto dessas amarrações, feliz e uma pessoa melhor.
Agora me intrigam questões sobre as quais no passado falei muita bobagem ou dava de ombros. Por que não criminalizar a homofobia, por exemplo? Alguém é favorável a que se discrimine ou se mate um homossexual? Por que defender o porte e posse de armas num país que já tem 62 mil homicídios por ano? Que loucura é essa que vimos nos últimos anos de se defender a volta do regime militar? Por que, com a possibilidade de viver sob liberdade, preferir se privar dela?
Retomo o início do texto: refuto extremos, seja de grupos de direita ou dos autoproclamados “progressistas”, defensores de direitos humanos que agem com o mesmo nível de ódio daqueles que denunciam.
Mas se há um tema que mais me desperta os horrores é violência contra a mulher. Da mesma forma que falta a parcela significativa dos homens entender que não são posseiros de suas esposas, a segurança pública e o Judiciário, em grande parte, ainda se mostram despreparados para protegê-las.
Recentemente tivemos um caso inaceitável aqui mesmo em Palmas. O marido que se achava dono da ex-esposa tentou matá-la, foi preso e solto 24 horas depois. Deixou a cadeia e rumou para a casa da mulher e a assassinou. Do Brasil veio a notícia de que policiais militares foram atender um caso de violência doméstica em que, como sempre, a esposa vira saco de pancadas do marido. Colocaram o casal no banco de trás de viatura e ali mesmo o homem matou a companheira. Por que não colocaram os dois em viaturas separadas? São incontáveis os casos de desleixo das autoridades, de omissão e cumplicidade com o crime contra a mulher.
Há a necessidade de se trabalhar mais a conscientização do homem, discutir, sim, a questão do gênero, a igualdade de direitos entre eles, reeducar o menino para a forma como ele vê a menina e eliminar o coisificação da mulher — a mídia, que prega por direitos iguais, é a mesma que vende a mulher como objeto sexual.
Mas, de outro lado, ainda que com os avanços advindos com a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, precisamos que o Poder Público encare com mais seriedade as ameaças, por menores que sejam, contra a namoradas, noivas e esposas.
A feminicídio não é uma peça de um só ato. De forma alguma. É um drama longo, que inicia com palavras duras, descamba para a violência gratuita antes do gran finale: a destruição bárbara de uma vida. Entre o início e o final desse espetáculo de horror muitos sinais são emitidos, mas o Poder Público ainda se faz surdo e cúmplice do covarde ao se recusar a entender os gritos silenciosos de socorro, emitidos muitas vezes nas entrelinhas do olhar vazio, de um semblante sofrido e de uma cabeça abaixada, humilhada pela brutalidade.
Esses sinais não podem mais ser ignorados. Na verdade, precisam ser buscados à menor desconfiança de qualquer anormalidade numa relação. A sociedade precisa denunciar o vizinho covarde brutalizado, a família tem que sempre estar atenta.
Nossas mulheres não podem continuar sendo assassinadas por ousarem viver suas vidas como pessoas livres, num país democrático. Porque, antes de ser mulher, ela é um ser humano, como o homem, e, portanto, com os mesmos direitos de escolha.
Esta é hoje a bandeira mais urgente dos direitos humanos neste mundo insano: garantir às nossas mulheres o direito à vida. E essa constatação, em pleno século 21, é simplesmente absurda, inacreditável.
Afinal, elas são fundamentais na nossa vida e para um mundo melhor.
Feliz Dia da Mulher para todas nossas leitoras e a nossa torcida por tempos melhores, mais justos e igualitários!
CT, Palmas, 8 de março de 2019.