O decreto assinado pelo governador Mauro Carlesse (PHS) nessa segunda-feira, 11, instituindo o novo Estatuto dos Policiais Civis do Estado, parece mais um capítulo da briga sem sentido do Palácio Araguaia com os delegados da corporação, iniciada em novembro com a exoneração dos 12 delegados regionais, no rastro da operação sobre o lixo hospitalar, em Araguaína, que tinha como alvo a família Olyntho, aliada de primeira hora do Executivo estadual.
[bs-quote quote=”Se a ação policial é positiva para a sociedade, a repercussão na mídia será também muito positiva para a PC. Qual a preocupação da cúpula da SSP? Ou querem uma polícia de governo e não de Estado?” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
Além de ser um luta inglória do governo, o decreto assinado por Carlesse nessa segunda passa uma profunda mensagem: os políticos realmente resistem às mudanças do Brasil nos últimos anos, que visam a moralização da própria política, a modernização das leis e a transparência nas relações do Poder Público com a sociedade.
Quer dizer que para fazer uma operação num órgão, a PC tem que avisar o dirigente do alvo, que pode ser um investigado? É isso mesmo? Vejam esse artigo 75: “A busca em repartições públicas, quando necessária, será́ antecipada de contato com o dirigente do órgão onde será́ realizada, aplicando-se, no que couber, o previsto nesta Seção”.
Mas o parágrafo primeiro diz que “quando a comunicação com o dirigente ou responsável do órgão puder frustrar a diligência a ser realizada, a busca realizar-se-á sem esta, mediante prévia autorização do Delegado-Geral de Polícia Civil em despacho fundamentado”. Ok, mas o que garante que essa informação de alguma forma não vazará para o alvo? Numa operação dessas, quanto menos pessoas souberem, mas garantido será seu sucesso.
E que história é essa de que “toda e qualquer operação que possa gerar repercussão nos meios de comunicação deverá ser informada ao delegado-geral da Polícia Civil, para que, juntamente com o órgão de comunicação próprio, decida a estratégia de comunicação relacionada à divulgação e repercussão decorrentes do interesse público envolvido na investigação”? A relação com a mídia deve ser secundária. Ela não pode ser usada como subterfúgio para colocar em risco uma operação. Da mesma forma: quem garante que não haverá vazamentos?
Se a ação policial é positiva para a sociedade, a repercussão na mídia será também muito positiva para a PC. Qual a preocupação da cúpula da SSP? Ou querem uma polícia de governo e não de Estado?
Sobre outros pontos, ainda que dividem a opinião, eu concordo, e há anos que faço a defesa. Por exemplo, críticas públicas de delegados a superiores, sobretudo em redes sociais. Para isso, a categoria tem um porta-voz, o sindicato. Não cabe ao profissional ir à praça pública, ainda que virtual, atacar autoridades, uma postura que não deve coadunar com ética de qualquer categoria, seja pública ou privada.
Também é necessário regulamentar, sim, a pirotecnia das operações, com viaturas estrategicamente posicionadas em frente a órgãos públicos, com veículos de comunicação avisados para chegar ao mesmo tempo, num verdadeiro circo, que visa tão e unicamente o marketing, o que invariavelmente resulta num prejulgamento.
Para a opinião pública, com todo essa teatralização, aqueles alvos já foram condenados, ainda que lá na frente se prove que são inocentes. Por isso, essa espetacularização das operações policiais precisa mesmo acabar.
Claro que os coleguinhas da imprensa adoram todo esse espetáculo circense, afinal, gera muita audiência. Mas a presunção da inocência e as garantias individuais são mais importantes para o Estado Democrático de Direito do que garantir mais público ávido por sangue, seja ele de que espécie for.
De toda forma, os dois pontos desse Estatuto, que preveem que se deve antecipar operações seja a dirigentes de órgãos ou à cúpula da SSP, são erros abismais que levarão ao questionamento de todos os demais, e polêmicos, itens desse novo Estudo, que são salutares para o cumprimento da Constituição.
Como se vê, essa briguinha do Palácio Araguaia com os delegados, o que se nega mas é visível, é prejudicial para todos, PC, governo e sociedade, com poder de comprometer um documento que poderia representar um avanço.
CT, Palmas, 12 de março de 2019.