A política de Palmas nunca viveu um dia tão impregnado de realismo mágico como nessa segunda-feira, 19. Todos devem ter se sentido meio que personagem de Gabriel Garcia Márquez. Nossa capital virou uma Macondo, de Cem anos de solidão. Num único dia, capturamos três fake news saídos do Paço e seu braço partidário. O que está acontecendo?
A segunda-feira começou com a notícia de que o desembargador João Rigo Guimarães, do Tribunal de Justiça do Tocantins, não teria concedido liminar pela suspensão do aumento do IPTU, na ação do vereador Lúcio Campelo (PR). A informação chegou com ares de oficialidade, via release (texto para imprensa), através do e-mail do PSB. Indícios de seriedade. Contudo, não apontava nenhum argumento do desembargador, nem trazia a decisão anexa. Isso já aguçou o faro do CT. Precisamos checar. Não precisou muito esforço para chegar o desmentido da parte interessada, o vereador e seus advogados, e de um pasmo TJTO, que, como nós, parece nunca ter testemunhado tamanho absurdo. Ou seja, fake news integralmente consolidado.
[bs-quote quote=”Ali estava a mais notável peça de realismo mágico do dia. De deixar o inesquecível mestre Gabo arrasado de inveja” style=”default” align=”left” color=”#ffffff” author_name=”Cleber Toledo” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
Diante do vexame total, o PSB enviou uma honrosa nota de desculpas, reconhecendo o que chamou de “equívocos de interpretação”. Pode ser, mas duvido que esses “equívocos de interpretação” foram cometidos por um estagiário de direito. Impossível. Está mais para um vestibulando com pretensões de um dia ter a oportunidade de se formar advogado.
Depois o vereador Milton Neris (PP) me liga com uma história cabulosa, mas respaldada pelo Código Tributário Municipal, Lei Orgânica e outras legislações. Não existe a absurda taxa de revisão do IPTU, pela qual a prefeitura estava cobrando R$ 83,20, disse o parlamentar. Nenhuma previsão legal a respeito, sequer citação nas leis sobre tal. O que se deve fazer é pedir um laudo de vistoria por engenheiro ou técnico do Creci, ao custo de R$ 1 mil a R$ 3 mil. Mas o cidadão não está questionando o valor venal do imóvel, e, sim, o aumento estratosférico do seu IPTU. Ou seja, a fictícia taxa de revisão e mesmo o laudo são inúteis. Eis que fechamos o final do dia com o segundo fake news.
Já me preparava para deitar e começar minhas leituras da noite quando alguém me enviou o Diário Oficial do Município. Ali estava a mais notável peça de realismo mágico do dia. De deixar o inesquecível mestre Gabo arrasado de inveja. Uma recomendação para que os gestores do município cumprissem o que já é de suas prerrogativas, atender a legislação que legitima o Tribunal de Contas do Estado como órgão fiscalizador. Um documento cujo conteúdo, de tão óbvio, era chover no molhado. Contudo, a intenção por trás de toda essa obviedade era outra: meramente atingir um conselheiro abusado, que investiga as contas da prefeitura sem trégua, que, para continuar seu trabalho, os colegas tiveram que derrubar três pedidos de suspeição sem o mínimo cabimento.
A recomendação partia do pressuposto que Alberto Sevilha tinha renunciado à relatoria de Palmas, simplesmente por uma declaração feita pelo conselheiro no calor de um debate. Ainda que nada tenha sido formalizado, nem por escrito, nem verbal. De toda forma, Amastha falava no texto como se Sevilha já estivesse fora dos processos da Capital, inclusive instruindo os auxiliares a partir dessa conjectura.
O realismo mágico se torna ainda mais assustador no anexo à recomendação, sintoma de que algo perturbador devassa a alma de seu signatário. Além de assegurar ao presidente do TCE, Manoel Pires dos Santos, que Sevilha já tinha feito uma “auto renúncia”, Amastha também fazia uma “exigência”: o substituto não poderia ser o conselheiro Severiano Costandrade, que, como vice-presidente da Corte de Contas, teve que cumprir sua função de avaliar os desarrazoados pedidos de suspeição de Sevilha e, por óbvio, dar voto contrário ao desejo do alcaide.
Resumo da ópera: o rabo insiste, de todo jeito, em balançar o cachorro. Coisa de camisa-de-força. Uma das peças legais mais insanas que já li.
Com isso, fechamos o dia com produção recorde de três fake news saídas da mesma usina e anexos.
O bom senso, a civilidade, o espírito público e a democracia foram mortalmente alvejados numa só segunda-feira, o dia em que Palmas virou Macondo.
CT, Palmas, 20 de fevereiro de 2018.