Quem acompanha a coluna sabe o que pensamos sobre as malfadadas emendas parlamentares. Uma excreção do processo político, que abre margem para tudo quanto é tipo de desvirtuamento do papel do Legislativo, desequilibra a democracia, desfavorecendo a renovação política, e também cria espaços gigantescos para a corrupção. No entanto, é preciso admitir que, se essa excrescência precisa existir, que seja impositiva.
[bs-quote quote=”Se o representante é avaliado pelos recursos que traz e não pela postura diante de sua missão maior — fazer leis e fiscalizar o Executivo —, então, como alguém que não tem mandato, e, portanto, não traz recursos para a comunidade, poderá concorrer à cadeira?” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
O função do parlamentar é fazer leis e fiscalizar o Executivo. No entanto, na ditadura militar, para cooptar congressistas para a base, o governo federal instituiu as tais emendas. Quem o apoiasse, teria dinheiro do Orçamento para levar para seus currais eleitorais. Sucesso absoluto de público.
Na Constituição de 1988, essa excrescência foi mantida e o governo continuou utilizando-a para cooptar representantes para a sua bancada.
A crítica da coluna se refere a vários pontos dessa prática. A primeira é justamente porque desvirtua o papel do parlamentar. Já ouvimos várias vezes deputados e senadores falarem que colocaram tanto “do seu dinheiro” para o município tal. Que “seu dinheiro”, cara-pálida? Já há aí também uma ingerência do Legislativo sobre a administração do País, o que não é da prerrogativa dos parlamentares.
Isso leva a uma confusão na cabeça do eleitorado. Seu representante não é mais avaliado pelas leis que vota ou apresenta, pela fiscalização que faz ou deixa de fazer sobre o Executivo, mas única e exclusivamente sobre o montante de “seu dinheiro” que colocou no município. Ou seja, pode ignorar todos os mal feitos do governo, pode não ter apresentado uma só lei ou ter votado contra interesses da própria comunidade que representa. Mas se trouxe recursos, conseguidos justamente graças à sua omissão e conivência, aí merece ser reeleito. Um absurdo total.
As emendas parlamentares abrem a guarda para a corrupção. Não é difícil ouvir prefeitos falando de congressistas que chegam para conversar com a emenda na mão e o empreiteiro ao lado. Ou seja, “tenho esse recurso para o ginásio de esportes, mas quem tem que vencer a licitação é esse amigo aqui”. Claro, tudo devidamente comissionado.
Essa excrescência ainda engessa a renovação política que os brasileiros tanto buscam. Se o representante é avaliado pelos recursos que traz e não pela postura diante de sua missão maior — fazer leis e fiscalizar o Executivo —, então, como alguém que não tem mandato, e, portanto, não traz recursos para a comunidade, poderá concorrer à cadeira?
Além disso, as emendas são a forma mais eficaz para tomar os prefeitos — os principais cabos eleitorais, ainda mais num Estado pobre como o Tocantins — de reféns em pré-campanha e no processo eleitoral. Do tipo “ou dá, ou desce”. Ou apoia o parlamentar de mandato, ou não tem emenda.
Como renovar o processo político, se o mandatário faz campanha eleitoral com recursos públicos? Quem não está no mandato tem restrições enormes para colocar dinheiro na campanha, mas a cooptação de lideranças pelo parlamentar é bancada pela União. Uma legislação proíbe gastos com shows, camisetas, bonés, mas outra garante que congressistas comprem cabos eleitorais de luxo com creches, postos de saúde, ginásios de esportes, etc, tudo que deveria chegar ao município numa relação direta entre prefeitura e União, sem intermediários, comissionados ou não.
Assim, a coluna tem a pior visão possível dessas emendas parlamentares, um câncer que se espalha agora para Assembleias e Câmaras, com um ingrediente maléfico adicional: a chantagem contra o Executivo. Ou seja, se as emendas não forem pagas, não se vota nada e, se houver condições, se põe um pedido de impeachment na mesa ou coisa do tipo do mais baixo nível, sem o menor escrúpulo, visão republicana ou espírito público.
Contudo, se essa excrescência veio para ficar, e pelo jeito vai é se disseminar cada vez mais pelas Casas Legislativas do País, pelo menos, então, que seja impositiva, aliviando um dos seus aspectos perversos, o “toma-lá-dá-cá”.
Do mais, continuarão do mesmo jeito os pontos execráveis dessa política de cooptação. Os congressistas podem passar a ser um pouco menos cooptáveis, mas, com mais recursos e a certeza de que serão liberados, os prefeitos se tornarão ainda mais reféns.
CT, Palmas, 3 de abril de 2019.