Apesar de muita gente ter duvidado, o prefeito de Palmas, Carlos Amastha (PSB), vai mesmo renunciar nesta terça-feira, 3, como havia adiantado ao CT ainda no início de dezembro. A sessão especial da Câmara para transferência do cargo para a vice-prefeita Cinthia Ribeiro (PSDB), a pedido do próprio Amastha, acontecerá no Espaço Cultural José Gomes Sobrinho. Dessa forma, chegará ao fim a gestão Carlos Amastha, após cinco anos, marcada por inovação, mas também por muita polêmica.
Ninguém acreditava que o mega empresário proprietário do maior shopping center da Capital, o Capim Dourado, realmente entraria para a política. Mas ele começou a dar os primeiros sinais quando se meteu na briga contra a expansão do Plano Diretor de Palmas em 2011. Depois, sempre pelas redes sociais, passou a dizer claramente que queria ser prefeito de Palmas.
Com esse objetivo, deixou o PV do até então aliado político Marcelo Lelis e ingressou no PP, do deputado federal Lázaro Botelho, com apadrinhamento da família Barros, de Maringá (PR), onde também tem um shopping. Amastha sempre foi muito próximo do ex-prefeito da cidade paranaense Sílvio Barros e do irmão dele e hoje ministro da Saúde, Ricardo Barros.
Com pontuação baixíssima nas primeiras pesquisas, somente o então pré-candidato a prefeito acreditava que poderia deslanchar nas eleições de 2012. Contudo, o cenário político da época favoreceu Amastha, que navegou no vácuo aberto pelo desgaste dos velhos políticos tocantinenses, consolidando-se como terceira via. No pesado palanque do ex-aliado Lelis, do qual já tinha se tornado inimigo figadal, estavam o então governador Siqueira Campos (DEM), seu filho Eduardo Siqueira Campos (DEM) e o PMDB, inimigo histórico do siqueirismo, através de uma manobra do então presidente regional da sigla, Júnior Coimbra, já rompido com o ex-governador Marcelo Miranda.
No outro palanque, da deputada estadual Luana Ribeiro (PDT), estavam outros caciques da velha política, o próprio Marcelo e família, e o pai da candidata, o senador João Ribeiro.
Com o governo Siqueira em crise, o desgaste contaminou todos os políticos tradicionais, garantindo a vitória surpreendente de Amastha, com apenas dois nomes de peso no palanque, os deputados estaduais Wanderlei Barbosa (SD) e Sargento Aragão (Patriota), então candidato a vice do futuro prefeito.
Os primeiros choques
Amastha se elege na base do “novo” contra os “velhos”, mas as polêmicas que marcariam toda a gestão começam logo após a vitória. Insatisfeito com a formação do governo, Aragão rompe e anuncia que não assumiria como vice-prefeito. Pouco depois da posse, foi a vez do outro forte aliado de 2012 se desligar, o deputado Wanderlei Barbosa.
A gestão de Amastha agradou desde o início, com forte ação de marketing, encabeçada pelo próprio feito em suas redes sociais, e através do embelezamento da cidade. O novo governo encanta sobretudo a classe média ao decorar a Capital para as festas do fim de 2012 como nunca se tinha visto antes.
O deslumbre, ao mesmo passo em que a oposição chiava com os gastos, acabou se projetando para além das divisas da cidade e conquistou o Estado. A fórmula bem-sucedida acabou se repetindo também na Páscoa do ano seguinte e se tornou tradição desde então.
Fora o embelezamento, que resgatou o sentimento de orgulho do palmense pela cidade, a gestão passou a conquistar reconhecimento nacional, com a Capital obtendo bons resultados em exames na área de educação, qualidade de vida e saúde.
Fila de inimigos
Contudo, na mesma proporção em que ganhava a aprovação da opinião pública, Amastha aumentava o número de inimigos na falta de controle das palavras que digitava nas redes sociais. Foram inúmeras brigas assistidas pelo público, com Marcelo Lelis, senadora Kátia Abreu (PDT), o filho dela e então vereador Iratã Abreu, desabafos irados contra Eduardo Siqueira Campos e até o pacato ex-governador Marcelo Miranda foi alvo.
Nas eleições 2014, o prefeito conseguiu provocar a ira até do próprio partido, na época o PP, do também pacato deputado federal Lázaro Botelho. Amastha chegou a ser acusado nos bastidores de ter trabalhado para enterrar a pré-candidatura do nome partido a governador naquelas eleições, o empresário Roberto Pires. Depois não esperou a decisão do PP e declarou apoio ao então governador Sandoval Cardoso (SD), novamente indignando a direção da legenda.
Antes disso ainda levantou a ira de Siqueira, Eduardo e aliados ao se colocar publicamente contra a indicação do ex-governador na chapa majoritária de Sandoval. Siqueira era cotado para disputar a vaga de senador.
Derrota completa
Eleitoralmente, 2014 foi um tragédia para Amastha. Seu candidato a deputado federal Tiago Andrino (PSB) perdeu, bem como seu nome para estadual, Major Negreiros (PSB), para senador, Eduardo Gomes (SD), para governador, Sandoval Cardoso, e para presidente, Dilma Rousseff (PT). Uma derrota completa.
Típico de sua personalidade adaptável ao cenário, passadas as eleições, Amastha declarou que Marcelo Miranda, o governador eleito, era “o governador de todos”, inclusive dele.
Se aproximou do novo inquilino do Palácio Araguaia, chegaram a cumprir agendas juntos, numa parceria administrativa que se apresentava promissora. Mas, com o governo do Estado em crise desde o início e, com isso, os atrasos frequentes dos repasses aos municípios, não demorou para Amastha perder a paciência e voltar a atacar pelas redes sociais. Passou a cobrar de público o repasse para a saúde de Palmas, com ataques típicos de militante de oposição, ao chamar a gestão do emedebista de “desgoverno”, por exemplo.
No entanto, tempos depois, lá estava novamente o prefeito no Palácio Araguaia, num gesto de reaproximação, até a crise seguinte e mais “mísseis” disparados por seus dedos implacáveis via redes sociais.
50 anos em 5 meses
Capítulo à parte também foi a relação turbulenta que Amastha sempre manteve com a senadora Kátia Abreu. Nos primeiros anos de governo, a troca de farpas se aproximou das raias da baixaria. Depois se aproximaram, o então vereador Iratã Abreu arrefeceu as críticas na Câmara, onde liderava uma forte e inteligente oposição ao prefeito, e os dois grupos se reuniram prometendo dominar o Estado por 50 anos.
Contudo, cinco meses depois, Amastha e Kátia estavam novamente envoltos em críticas mútuas publicamente, um rompimento que se efetivou quando a senadora não conseguiu emplacar o filho de vice do prefeito para as eleições de 2016.
Outra vez, Amastha se viu candidato diante de palanques divididos pela “velha” política. Contra sua reeleição havia, de um lado, a então vice-governadora, com apoio total do Palácio Araguaia capitaneado pelo desgastado governo Marcelo Miranda. De outro, o ex-prefeito Raul, com a candidatura sob total insegurança jurídica, tinha ao seu lado Kátia Abreu, Siqueira Campos e a velha guarda utista. O resultado não poderia ser outro: Amastha reeleito.
“Vagabundos”
O prefeito do segundo mandato foi totalmente diferente daquele do primeiro. Menos disposto a encantar e mais propenso à briga, Amastha já saiu das eleições de 2016 cotado para o governo em 2018. Numa das primeiras entrevistas, ele já deu o tom que marcaria sua marcha rumo ao Palácio Araguaia, ao xingar de “vagabundos” os políticos do Estado. “Bando de políticos, na maioria vagabundos, que apenas pensa nisso [eleições]. E o povo ainda vota neles. Até quando?”, disparou na entrevista a uma emissora de rádio, já pré-candidatíssimo.
A reação foi imediata e o número de inimigos cresceram rapidamente.
Contudo, fatos mostravam que problemas enfrentados pelos velhos políticos que Amastha criticava também chegavam ao Paço da Capital. Pouco mais de um mês após as eleições de 2016, em 10 de novembro, a Polícia Federal amanheceu em órgãos do município. Era a Operação Nosotros que tomava as ruas de Palmas, numa investigação de possíveis irregularidades no processo de licitação para a construção do BRT, orçado em R$ 260 milhões. Como resultado da operação, Amastha e a cúpula de sua gestão foram indiciados em dezembro de 2017 por associação criminosa, corrupção passiva e excesso de exação (cobrança ilegal de impostos).
Outras escorregadas típicas da velha política que criticava marcariam este segundo mandato de Amastha. Em setembro do ano passado, o prefeito foi acusado de usar um avião de fornecedor de seu governo para ir a Araguaína num evento. Além disso, o pessebista fez três pedidos de suspeição contra o conselheiro Alberto Sevilha, do Tribunal de Contas do Estado — todos negados —, responsável por apurar denúncias contra a Prefeitura de Palmas; e deu tratamento típico da “velha” política para servidores da educação em greve.
Em fevereiro, Amastha efetivou como secretário municipal do Desenvolvimento Urbano, Regularização Fundiária e Serviços Regionais, o engenheiro paranaense Roberto Petrucci Júnior, indicado do ministro da Saúde, Ricardo Barros, e denunciado pelo crime de corrupção passiva qualificada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual (MPE) do Paraná.
Em seguida, em fevereiro deste ano, estourou o polêmico aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de Palmas, que chegou a 300%, causando a indignação da população. O absurdo mobilizou a sociedade, e a alta foi derrubada pelo Tribunal de Justiça.
Depois surgiram as denúncias de irregularidades em aplicação de R$ 50 milhões feitas pelo Instituto Municipal de Previdência de Palmas (Previpalmas), que derrubaram o presidente e o diretor de Investimentos do órgão, um remake que o Estado já tinha assistido quatro anos antes com o Instituto de Gestão Previdenciária do Estado (Igeprev). Ou seja, coisas próprias da propalada “velha” política.
Em meio às sequentes crises dos últimos meses, a pré-campanha de Amastha, programada para janeiro e fevereiro, quando chegou a assumir a desconhecida Frente Nacional de Prefeitos (FNP), acabou sendo sendo comprometida. Teve que submergir e parou de rodar o Estado, ainda que os primeiros encontros tenham sido extremamente fracos, o que foi visto como fruto da briga que travou com a política tradicional.
Nuvem de dúvidas
Bastante desgastado pelos confrontos travados desde o início do ano, Amastha vai para a renúncia sob uma nuvem de dúvidas. É que a cassação do ex-governador Marcelo Miranda não foi um bom negócio para ele. A realização de uma eleição suplementar antecipou as disputas que ocorreriam em agosto e setembro, mas pode deixar o prefeito de fora.
A resolução que vai regulamentar a disputa será divulga na quarta-feira, 4, pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-TO), e a expectativa é de que os prefeitos não poderão concorrer, já que será mantida a exigência de seis meses de desincompatibilização.
Se isso se confirmar, ou Amastha manterá o propósito de concorrer a governador somente em outubro, ou vai preferir se aliar a outro nome e disputar o Senado.
De toda forma, é o fim da era Amastha na Prefeitura de Palmas, que a partir desta terça-feira passa para o comando da vice-prefeita Cinthia Ribeiro. Se é verdade que faltou tato político ao prefeito na relação com os demais líderes tocantinenses, se excedeu no discurso e nos ataques virtuais disparados pelas redes sociais, é inegável de igual modo que, ainda que existam críticas legítimas, ele levou a gestão pública a um patamar mais elevado, virou exemplo e foi copiado Estado afora. Assim, a comparação poderá muito cruel não só para tanto para Cinthia, como também para quem sucedê-la a partir de 2019.