O que a divisão geopolítica dos estados do Tocantins e Goiás separou,a cultura e a ancestralidade uniram através do projeto “Reconectando Memórias:Encontro de Mestres da Cultura Popular”. A caravana formada por mais de 80pessoas, dentre artistas, técnicos e produtores, esteve na cidade de Natividade,de quinta-feira, 09, até sábado, 11 de novembro.
Oprojeto ofertou uma vasta programação de mais de 20 horas de atividades, entreapresentações culturais, rodas de conversa e oficinas, a partir de estilos comoo Maracatu, a Sússia, a Congada e a Jiquitaia, apresentada e vivenciada porgrupos e mestres dos grupos Catira Raiz e Maracatu Baque de Rocha, dePirenópolis; e Catireiros Belarmino e Patrício, Suça Mãe Ana e Tambores doTocantins, como locais.
Umdesses artistas foi o catireiro Mario Vicente dos Santos, de 65 anos deidade, líder do grupo Catira Raiz de Pirenópolis. Ele começou ainda com 10 anosde idade, assumindo-se como um apaixonado pela cultura tradicional. “A minhagrande vocação da vida é a catira, não sei fazer outra coisa. Quando começo,danço mesmo até a calça descosturar. O meu pai era folião e foi mesmo umatradição que veio no sangue. Hoje meu maior trabalho é de formar outroscatireiros, ensinar esse amor que eu sei para as crianças, os jovens e de fazercom que nossa tradição seja respeitada e valorizada”, afirmou.
Emoutro ponto geográfico, porém, próximo pela paixão pela cultura tradicional, omestre Belarmino, do grupo Catireiros de Natividade, considerou o evento comouma retomada do fôlego e de desejo de propagar a Catira. “A gente estava lá nofundo do baú, achando que já era a hora de pendurar as chuteiras e aposentar daCatira. Mas esse projeto deu vida de novo pra gente, de vontade de aprender, defazer e mostrar pra todo mundo o quanto é rica a nossa catira”, relatou,emocionado, o catireiro.
Oprodutor cultural Marcio Bello, do grupo Tambores do Tocantins, afirmou queesse resgate e valorização desses mestres é a principal proposta do projeto.”Esse é o maior legado que este projeto deixa, de saber que as culturas etradições estão vivas. Estou extasiado porque está sendo um momento muitoforte, essa oportunidade de fazer essa reconexão cultural, de reunir tantosapaixonados por essa memória afetiva da sússia, da catira. Muitos momentos agente vê essa separação dos estados, mas a essência dos saberes é a mesma.Então, o que fizemos foi reconectá-los e propagar essa tradição e força mútua,unindo os saberes dos mestres ao desejo de aprendizado de crianças e jovens”,considerou.
Idealizadorado projeto, Isabelle Rovo afirmou que esta edição do projeto superou todas asexpectativas. “A gente já sabia que seria um encontro muito rico, mas essaintegração nos surpreendeu. Pessoas de idades diferentes e tão diversas, cadaum com seu sotaque, de herança de indígenas e pessoas escravizadas, cada um aoseu modo, porém todos unidos pela força do bumbo e do tambor, foi incrível econtagiante”, expressou Isabella.
Apresentações
Nas apresentaçõesculturais, os grupos tradicionais trouxeram sua energia contagiante,demonstrando toda a diversidade e riqueza cultural dessas duas regiões. Asdanças típicas, as músicas folclóricas e os trajes coloridos encantaram opúblico presente, que pôde vivenciar momentos únicos de imersão na culturalocal.
O ponto alto dessasprogramações foi na sexta-feira, 10, com apresentação de todos os grupos emfrente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. A raizeira e benzedeiraFelisberta Pereira da Silva, líder do grupo de suça Mãe Ana, considerou oprojeto enriquecedor, especialmente pela integração de culturas. “É um recontarde saberes que está sendo para nós uma vitória, onde a gente aprende outrosritmos, conhece outros modos de fazer daquilo que a gente já faz a vida toda eainda promove um elo forte entre os dois estados. Esse batuque ainda vai ficarforte nos nossos corações por muito tempo”, afirmou, acrescentando ainda que oprojeto permitiu que adultos e crianças absorvessem não apenas as habilidadesartísticas, mas também os valores e a história por trás de cada manifestaçãocultural.
Projeto
Aprimeira caravana aconteceu entre os dias 19 e 21 de Outubro, quando os gruposdo Tocantins visitaram Pirenópolis, durante o 3º Ipadê – Encontro de Maracatuno Cerrado, também realizado pela Coepi em Pirenópolis (GO).
Oobjetivo foi de possibilitar que as principais lideranças dos grupos pudessem conheceros trabalhos um do outro, trocar experiências sobre a prática cotidiana de seustrabalhos e pensar em estratégias de fortalecimento da cultura tradicionalbrasileira.
O projeto “Reconectando Memórias” é uma realização da Comunidade Educacional de Pirenópolis (COEPi) em parceria com o grupo Tambores do Tocantins com recursos do Fundo de Arte e Cultura de Goiás. No Tocantins, o projeto contou ainda com apoio da Prefeitura Municipal de Natividade, Universidade Federal do Tocantins e Iphan Tocantins.