O estado do Mato Grosso, em 14/09/2023, seguindo a mesma linha adotada pelo Tocantins[1], sai na vanguarda da regularização fundiária ao ser o segundo estado no Brasil, a adotar o sistema de convalidação de registros precários como instrumento de paz e justiça social.
Mas o que é um registro precário?
Neste momento, diversos de nossos leitores devem estar se perguntando, mas a final de contas, o que é um registro precário? A resposta não é complicada, vamos lá: um registro precário é um registro de propriedade, cuja origem não pode ser traçada até um título considerado válido pelo poder público (Título de Domínio, Título Definitivo, Título de Propriedade, Usucapião Quarentenário, Data de Sesmaria confirmada, Posse legitimada, etc…).
Você descobre essa origem realizando um estudo da cadeia sucessória dominial do imóvel, ou seja, é um documento contendo todos os antigos donos daquele imóvel a partir da titulação pelo poder público até o dono atual. Acontece que, quando nessa busca você não se depara com ponto de surgimento do imóvel, considerado válido pelo poder público, você está diante de um registro precário, e isso implica na nulidade absoluta desse registro, pelo fato de que falta a esse imóvel em seu histórico um título legítimo capaz de desmembrá-lo do acervo patrimonial tutelado pelo poder público, federal ou estadual, fazendo com que, por erro procedimental, vários imóveis que ainda possuem status de terra devoluta, estejam registrados como se fossem propriedades privadas.
Diversas transcrições ou matriculas, que ingressaram nos Cartórios de Registro de Imóveis, sem que fosse possível identificar em sua cadeia sucessória dominial, o exato momento em que ditas terras se destacaram do acervo patrimonial das terras devolutas do Estado ou União.
Muitos desses títulos têm origem em processos de inventário ou divisão judicial de grandes fazendas, cuja origem da propriedade sobre o imóvel não foi devidamente comprovada perante o Judiciário, o que não impediu em diversos casos que tais processos fossem julgados e passados a Carta de Sentença, e que dessem entrada no Registro de Imóveis, como se fossem propriedades, tudo conforme a legislação vigente à época.
Em outros casos tais títulos têm origem em escrituras de compra e venda, tanto públicas quanto particulares, tratando de posse, ou de propriedades com origem incerta que ingressaram no registro de imóveis como se propriedades fossem.
Na maioria das vezes esses imóveis possuem a documentação completa que se exige no dia a dia, como GEO, CCIR, ITR, CAR, amparados em sua matrícula ou transcrição.
Mesmo sem ser propriedade, esses títulos são tratados como se propriedades fossem, haja vista peculiaridade do caso.
Muitos desses “registros precários”, que sobreviveram as incessantes “Ações Discriminatórias” do Intermat e Incra, subsistem até nossos dias, sem que seus donos tenham consciência dessas questões, e em muitos casos esses títulos chegam a garantir operações de crédito bancário, trazendo consigo o risco de serem objetos de anulação ou arrecadação pelo poder público a qualquer momento.
Essa situação causa um enorme prejuízo aos particulares que são possuidores dessas áreas, vez que, quase sempre esses imóveis são negociados amparados pela mais ampla boa-fé entre as partes, que desconhecendo os meandros do direito atribuem confiança simplesmente ao fato da existência de registro no cartório.
Até agora a regra no cenário era que, a pessoa que se encontra nessa situação tivesse uma única opção, a de renunciar a seu registro em favor do Estado e se envolver num longo e complexo processo de titulação, que daria origem a uma nova matrícula regular em sua titularidade, que, embora resolvesse o problema, acabava por gerar um enorme desgaste.
E o que mudou nesse cenário?
Com a publicação da Lei n. 12.225/2023, agora tudo mudou, a renúncia ao registro, e a longa batalha por uma nova titulação, passa a não ser mais necessária, pois é possível a convalidação do registro precário, mediante anuência expressa do Estado.
A lei estabelece que serão reconhecidas e convalidadas (restabelecida a validade), com força de título de domínio, as posses inseridas nas matrículas imobiliárias com descrições precárias e/ou desfiguradas nos registros imobiliários de imóveis rurais, cuja origem não seja em títulos de alienação ou concessão expedidos pelo poder público, incluindo os seus desmembramentos e remembramentos, devidamente registrados/averbados nos Cartórios de Registro de Imóveis no Estado de Mato Grosso.
Todos os registros precários podem ser convalidados?
A própria norma ressalva que algumas situações não poderão ser objeto de convalidação; são elas:
•A área cuja propriedade ou posse estejam sendo questionadas ou reivindicadas, na esfera administrativa ou judicial, por órgão ou entidade da administração federal ou estadual direta e indireta;
•A área que seja objeto de ações de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária ou por utilidade pública, administrativa ou judicial, ajuizadas até a data de publicação desta Lei;
•A área onde houver sobreposição e/ou litígio entre a área correspondente ao registro ratificado e a área correspondente ao título de domínio de outro particular;
•As áreas localizadas em áreas de reservas indígenas ou quilombolas; e
•As áreas que não tenham comprovação da posse de boa-fé, mansa e pacífica por declaração dos seus confrontantes.
Como se dará o processo?
O processo se dará mediante notificação extrajudicial, a ser efetivada pelo proprietário do imóvel que se pretende convalidar, diretamente ao Intermat, por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos do foro da circunscrição do imóvel, o órgão estadual então poderá manifestar-se em 30 dias, prosseguindo caso haja manifestação positiva, ou se não houver manifestação dentro desse prazo, presumir-se-á anuência tácita (quando uma das partes envolvidas não se manifesta) e o processo será concluído com sucesso, o que deverá gerar à parte o direito de promover na matrícula de seu imóvel uma averbação de convalidação.
Embora a norma por si só represente um grande avanço, ela apresenta conteúdo sucinto e direto, o que leva a crer que a referida lei ainda deverá ser regulamentada de modo específico através de Decreto a ser expedido pelo Governador do Estado, ou em ato normativo específico do Intermat.
Ficamos ansiosos para em breve verificar na prática os avanços a serem trazidos por essa grande inovação em prol da regularização fundiária em solo mato-grossense.
ANTÔNIO RIBEIRO COSTA NETO
É consultor jurídico, professor universitário e escritor; Advogado com escritório especializado em Regularização Fundiária, Direito Agrário e de Direito de Propriedade; Membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio-ABA; Membro Consultor da Comissão de Relações Agrárias-OAB/TO; Especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF.
costaneto.jus.adv@gmail.com
[1] Recomendamos a leitura de: MP 22/2021: CARTÓRIOS DO TOCANTINS NA VANGUARDA DA CONVALIDAÇÃO DE REGISTROS PAROQUIAIS, disponível em: <https://clebertoledo.com.br/negocios/antonio-ribeiro-costa-neto-mp-22-2021-cartorios-do-tocantins-na-vanguarda-da-convalidacao-de-registros-paroquiais/>