A lavoura do algodão é hoje uma das mais sofisticadas culturas agrícolas do Brasil. E no período de duas décadas e meia, desde meados dos anos 90, passou por uma das mais intensas modernizações já vistas em toda história da agricultura não só brasileira, mas mundial.
Esta é uma lavoura que produz dois produtos de grande valor numa mesma área. A pluma, que é o produto principal e se destina basicamente a indústria têxtil, e tem alto valor específico. E o caroço que por sua vez vai produzir óleo comestível e ao mesmo tempo o farelo, principalmente para ruminantes, notadamente o gado leiteiro. Assim, dentro de uma lavoura de algodão temos uma fibra e uma oleaginosa.
O Brasil já chegou a ter uma área plantada de 4,1 milhões de ha, com uma produção de 587 mil t. de pluma na safra 76/77. Era o tempo em que o Nordeste ainda produzia o algodão arbóreo, que foi totalmente dizimado pelo “bicudo” nos anos 80. Com o fim do algodão arbóreo, a cultura se concentrou basicamente no algodão herbáceo no centro sul do País, notadamente no Paraná e São Paulo, quando no seu auge, em 84/85, produziu 781 mil t. de pluma, em 1,2 milhões de ha.
A partir do auge de 84/85 foi a vez do algodão do Paraná e São Paulo começar a desaparecer, por uma serie de razões, dentre as quais as principais foram a forte concorrência da soja totalmente mecanizada e o fato de o algodão ser uma cultura totalmente manual. Em 1996/97 o Brasil produziu apenas 307 mil t. de pluma, a menor produção numa série histórica de 45 anos. Em 96/97 fizemos as maiores importações de algodão em pluma de toda a história: US$ 1 bilhão.
A partir da segunda metade dos anos 90, passamos a presenciar uma das maiores revoluções técnicas na produção do algodão no Brasil, jamais igualada por qualquer concorrente no mundo. A produção se deslocou totalmente para a região do cerrado (99,3%), notadamente Mato Grosso e Sudoeste da Bahia, e atingiu em 2019/20 o recorde histórico 3,0 milhões de t., em 1,7 milhões de ha.
Algumas características notáveis se fazem presentes nesta nova etapa da produção da lavoura de algodão no Brasil:
– Altíssima tecnologia, não só com mecanização sofisticada, mas com a utilização de eletrônica de alta precisão; seguramente é a mais avançada do mundo com produtividade de 1802 kg /ha de pluma, que se compara com 932 kg/ha nos EUA, o principal exportador mundial. Só existe um plantio com produtividade superior na Austrália, mas se trata de algodão irrigado.
– Essa tecnologia avançada implica num alto custo de capital, o que torna a lavoura de algodão praticamente inacessível a módulos pequenos de produção; diferentemente das lavouras antigas a produção atual é realizada por alguns médios produtores, mas principalmente por grandes produtores que concentram a maior parte da produção. Podemos até dizer que todos os produtores de algodão no Brasil, praticamente sem exceção, são grandes produtores de soja.
– Mais notável ainda é o fato de que atualmente mais de 70% do plantio de algodão é de segunda safra, sendo que no Mato Grosso atinge 90% do plantio. Não tem precedente na agricultura mundial.
A consequência de tudo isso é que depois de nos tornarmos um dos grandes importadores em meados dos anos 90, somos agora o segundo maior exportador mundial, atrás apenas dos EUA. As receitas cambiais da exportação de algodão foram de US$ 3,2 bilhões em 2020, as maiores da história. E com uma diferença fundamental: o produtor de algodão norte americano recebe forte subsídios do seu Tesouro Nacional. Em 2014, o Brasil encerrou uma disputa com os EUA, no âmbito da Organização Mundial do Comércio – OMC, em que saiu vitorioso no caso mais importante do setor agropecuário de toda a história das negociações da referida organização: o notório “caso do algodão”.
Se na temporada mundial 2021/22 estima-se que os EUA exportarão 3,2 milhões de t. e o Brasil 2,0 milhões de t. de algodão em pluma, podemos imaginar que menos de uma década o País se tornará o mais importante vendedor mundial.
No estado de Tocantins a lavoura do algodão, ainda que com uma área plantada de apenas 7 mil ha e produção de 11 mil t., vem nos anos recentes ganhando espaço e seguramente as condições para seu crescimento e consolidação estão dadas, pois a disponibilidade de áreas, água e clima adequado para seu cultivo, já que em anos passados recentes, Tocantins produziu muito mais que isso e só desacelerou sua produção devido a problemas tributários que estão sendo resolvidos.
CESAR HALUM
É secretário de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e apresentador do programa Mundo Agro, no SBT Tocantins.