Caro Ciro,
Escolhi você (se permite a liberdade de tratá-lo com essa informalidade) para começar uma série de cartas que semanalmente pretendo enviar a personalidades para discutir temas de importância para o meu Tocantins e para o país. Verdade que estou copiando meu colega Jamil Chade, do UOL, mas outro jornalista antigo, de Presidente Prudente (SP), chamado Neif Taiar, já fazia isso, com brilhantismo, muitos anos antes.
Claro, quem sou eu para escrever a um personagem de sua magnitude, não é? Apenas um jornalista interiorano, sem o alcance dos grandes nomes da comunicação com os quais você está acostumado a falar. Mas, Ciro, ando muito preocupado com os rumos do Brasil, sobretudo a partir do que decidiremos no dia das eleições, em 2 de outubro.
Não discordo de suas críticas ao PT, somente da forma e do momento. As pirotecnias e acrobacias petistas nos trouxeram a este monstro que nos devora, Jair Bolsonaro. Nisso, sem dúvida, pensamos igual. Também não acredito que Lula seja inocente, como suas “paquitas” fazem questão de pregar aos quatro cantos. O ex-presidente é um político astuto, inteligentíssimo, “encantador de serpentes”, como você disse naquele debate. Por isso, é muito pouco provável que todo mundo roubasse à sua volta sem seu conhecimento e consentimento. Acreditar que ele não sabia de nada ou não se beneficiava é um desrespeito ao ex-presidente. É julgar Lula um completo idiota, o que agride a biografia do líder petista.
Sou totalmente leigo em direito, assim como a maioria dos brasileiros, mas me pareceu que o STF escondeu os “cadáveres” do ex-presidente. E como todos sabemos, sem corpo não há crime.
No entanto (acredito que você também pense dessa forma), não vejo moral em Bolsonaro para dar qualquer lição de honestidade em Lula. A CPI da Covid mostrou que, enquanto o presidente da República fugia da Pfizer, para não comprar as vacinas que os brasileiros esperavam para salvar vidas, no Ministério da Saúde havia um antro composto por políticos e até pastores, negociando imunizantes questionáveis sem qualquer lisura, transparência, impessoalidade, etc.
Ciro, a corrupção das vacinas só não foi consumada pelo senso de dever de um servidor público, que chegou a denunciar o caso ao próprio presidente da República, mas o líder da Nação fez vistas grossas. Ah, se não fosse a CPI!
Tivemos ainda denúncia de compra superfaturada de kits de robótica para escolas sem água e sem internet (R$ 146 milhões chegaram a ser empenhados, mas o TCU agiu e suspendeu a bandidagem toda), e as negociatas no Ministério da Educação (pense, meu amigo, se assim posso chamá-lo, na educação!), com pastor determinando para onde ia o dinheiro do contribuinte e cobrando propina até em ouro! Você, como grande defensor que é de uma educação de qualidade, também deve ter ficado enojado.
De quebra, precisamos lembrar do orçamento secreto, um aperfeiçoamento da promiscuidade legislativa construído pela ação e omissão deste presidente que hoje é refém do Centrão, aquele grupo que ele xingava de todos os nomes em 2018 e do qual jurava, por todos os meios, que jamais se aproximaria.
Isso para não falar da família presidencial. Rachadinhas incontáveis nos gabinetes familiares. Ciro, compraram 51 imóveis com dinheiro vivo, meu querido! Foram cerca de R$ 26 milhões em cash! E não adianta as “paquitas” falarem que é coisa da “mídia comprada”. Isso está registrado nas escrituras e o próprio beneficiário, esse ser obscuro hoje presidente, chegou a perguntar: “Qual o problema em comprar imóvel com dinheiro vivo?”. Você já pensou que cara de pau!
Assim, meu caro presidenciável, do ponto de vista moral não vejo muita diferença entre Lula e Bolsonaro. Só fato de o petista conseguir fazer esquemas mais volumosos por ser muito mais inteligente – afinal, este beócio que está no Palácio do Planalto sofre de grave déficit cognitivo e seria incapaz de pensar algo mais elaborado. Por isso, é mais fácil para ele se lambuzar nas rachadinhas.
Minha preocupação é maior, por isso escrevo esta carta nesta encruzilhada histórica. O Brasil sofre neste momento o grande desmonte do estado, com a precarização de políticas públicas, retrocessos terríveis no meio ambiente (o que vai custar muito caro não só o Brasil, mas ao mundo), perseguição a delegados da Polícia Federal e agentes de fiscalização que cumprem seu papel; e a desmoralização total da imagem do país no exterior (viu o que esse palhaço fez no funeral da rainha Elizabeth II? Quer vergonha, meu Deus!). Nossa diplomacia, caro Ciro – e você sabe muito bem que sempre foi referência para o mundo –, hoje está humilhada diante do fato de que nossa nação se tornou pária internacional.
Mas a gravidade deste momento histórico não para por aí. Nossa democracia está em risco. O presidente da República é sabidamente admirador de ditadura e defensor da tortura. Isso ele não fala às escondidas. É muito claro a respeito, e encontramos vários vídeos em que Bolsonaro declara seu imenso amor à política do ódio, da violência e da barbárie.
Nossas instituições, caro Ciro, estão sob fogo cruzado. Veja o desrespeito em relação aos ministros do Supremo Tribunal Federal e do TSE, coisa que nunca se viu na história da República Federativa do Brasil. Não é que eu ache os ministros intocáveis ou perfeitos. Muito pelo contrário, meu amigo. Sou crítico contumaz dessa composição da nossa Suprema Corte, bem como da forma como os seus membros são escolhidos. Não vejo condições morais em político para indicar membro de qualquer corte. Mas o Judiciário tem que ser respeitado, a começar pelas autoridades, ou sairemos do Estado Democrático de Direito.
Mas isso não é intuitivo, nem espontâneo, amigo, tem método. É a nova forma, querido candidato a presidente, de se implantar ditaduras. Elas não chegam mais pela força das armas, como ocorreu no passado, mas pelo voto, para depois corroer as entranhas da democracia, fragilizar as instituições, gerar desconfiança sobre o sistema eleitoral e sobre a imprensa profissional (veja que a agressão a jornalistas pelos neofascistas se tornou rotina), dividir o povo e promover o ódio de irmãos contra irmãos; armar a população e, assim, transformar pessoas pacatas em milicianos prontos a atirar ou espancar para defender o candidato a autocrata, que se fantasia de “salvador da pátria”, o que agora se convencionou em chamar de “mito”. As pessoas estão com medo de manifestar suas preferências políticas e serem assassinadas no meio da rua ou na própria festa de aniversário, como ocorreu no Paraná.
Enfim, estava, caro Ciro, pronto para votar em você. Acredito no seu potencial, no seu programa de desenvolvimento (li seu livro, e me encantei), ainda que receie seu temperamento explosivo. Porém, ao refletir sobre os fatos apontados nesta missiva, que confirmam que estamos numa encruzilhada histórica, virei meu voto. E não se trata de um voto útil, mas de um voto de sobrevivência da nossa democracia, do nosso estado e do que nos restou de humanidade e de esperança de fazer o Brasil voltar ao século 21. É, meu amigo, retrocedemos à idade média, ao tempo da escuridão, da ignorância, da anti-ciência, da anti-cultura, do pré-iluminismo.
Quero em 2026 poder votar num candidato em que realmente acredito que seja o melhor para o futuro do Brasil. Mas, neste ano, caro Ciro, vamos fazer o país voltar à normalidade democrática, institucional e diplomática, e já, no dia 2? Você é um grande brasileiro, de enorme contribuição à população. Por isso que lhe proponho que abra mão da disputa nesta reta final, não em prol de A, B ou C, mas pelo bem de nossa Nação.
Espero que não me leve a mal, e que entenda minhas preocupações históricas, num momento em que precisamos reconstruir as condições para que o Brasil volte trilho do desenvolvimento e da racionalidade. Como disse o admirável jurista Miguel Reale Júnior, “quatro anos a mais de Bolsonaro é um desastre, um retrocesso civilizatório ao país”.
É nisto que acredito e por isso que lhe proponho essas reflexões. Pense sobre o assunto.
Saudações democráticas,
Cleber