Tremi todo, Deus dos Exércitos, quando o deputado Irmão Andrade convocou-me ao gabinete e determinou que novamente me dirigisse àquele campo impuro com o mesmo melindroso encargo do mês passado. Oh Senhor!, o que não faço por Ti e por Sua obra nesta terra de peregrinação em que me colocaste sob a liderança desse servo fiel que na igreja e no Parlamento tem sido benção a seu povo, na defesa intransigente da santa família da fé!
Senhor Deus da Misericórdia!, a missão que incumbes o pobre e miserável servo que sou é tão espinhenta que me vejo como Sadraque, Mesaque e Abede-Nego diante do forno de fogo ardente. Peço-te, oh Pai!, que enchas o meu espírito da fé e da sabedoria daqueles jovens judeus que levantaste contra a idolatria do rei Nabucodonosor.
Pelo sangue de Seu Filho, Senhor!, foi difícil explicar a saída repentina da igreja àqueles irmãos e irmãs bisbilhoteiros. Querem saber de tudo, oh Eterno Deus!, e nos mínimos detalhes! Que se esmiúce cada passo! “O irmão está saindo às escondidas?”, “o irmão vai aonde?”, “o irmão não pode me levar para que eu aprenda os passos do Altíssimo?”, “o irmão não vai orar comigo?”, “o irmão volta que horas?”… Nunca se dão por satisfeitos! Oh Eterno e Misericordioso Rei!, conceda-me a paciência de Jó para que eu não dê mau testemunho diante de tamanha aporrinhação.
Mas entenderiam que o ungido a presbítero se dirige a tal antro pecaminoso, ainda que como enviado a lobos, para fazer a Tua santa e sagrada obra? Jamais aquelas pobres e inocentes ovelhas conseguiriam descer às abismais e imundas searas sem se contaminar. Coitadinhas! Falariam com o próprio satanás, sentindo o enxofre expelido arder em seus rostos, sem se intimidar e olhando altivas nos olhos de belzebu, pelo santo e honrado Nome, o Nome que está acima de todos os nomes? Mergulhariam no pântano ominoso e revolveriam-se em sua lama malcheirosa sem conspurcar-se com o mal que dela advém? Oh Mestre dos mestres!, só nós, os preparados e fortalecidos por Ti, podemos, por Sua graça e misericórdia, vencer essas provações malignas.
Esses irmãozinhos, oh Altíssimo!, dependentes que são de nosso alimento espiritual, nunca apreenderiam que a aproximação com os ímpios é para que sua Santa e Amada Igreja possa avançar, elevar-se e, assim, conquistar definitivamente esta terra que mana leite e mel.
Tampouco, Senhor dos Exércitos, teriam a sublime iluminação para assimilar que, por vezes, seus generais precisam refazer as forças exauridas nesse campo de batalha, na dura luta contra principados e potestades, contra todo o domínio das trevas. Oh Pai querido e infinitamente benigno!, qual o mal destes reles mas dedicados servos usufruírem de ínfima parte da pujante colheita para o restabelecimento das energias? Ora, o que é, Deus das nossas misérias, um mínimo de conforto físico diante do esplendor da obra – da Sua obra! – que estamos levantando, tijolo a tijolo, para a redenção de todos os eleitos por Ti? Porém, como podem aquelas tolas ovelhas compreender tão extensa e profunda sabedoria? Muitas cedem à difamação deste mundo que jaz no maligno e de sua mídia diabólica. Não veem as pobres criaturas que o ladrão de almas vem para roubar, matar e destruir, e que a maledicência é seu instrumento para isso em meio aos crentes? Ao se deixarem levar por esse ardil perdem a excelsa visão de que tudo é Seu, oh Eterno Deus!, mas também nosso um momentâneo e legítimo usufruto, porque, afinal, somos filhos do Rei do Universo!
Como Seu servo Davi foi pecador mas Seu ungido, também o somos. Todos temos a nossa Bate-Seba, contudo, como o soberano de Israel, sempre obtemos o perdão, por Sua infinita misericórdia. Caímos, contudo, tal qual o homem segundo o coração de Deus, nos ajoelhamos, pranteamos e consagramos a seu Santo e Perfeito Nome todas as nossas ações, todos os recursos que tocamos, e todos eles o Senhor purifica. No entanto, nossos irmãozinhos, pela infantilidade espiritual, incapazes de separar o joio do trigo, não podem absorver a grandeza desses desígnios que colocas em nosso caminho.
Oh Senhor da infinita graça!, sua Palavra nos ensina que até o insensato passará por sábio se ficar quieto. Deus da minha vida, opto pelo silêncio diante dos questionamentos vãos das ovelhas de pouca fé, porque as Letras Sagradas também nos exorta a não escandalizar o irmão pueril, para não ferir sua vulnerável consciência. Como também assinalam as Santas Escrituras, que minha liberdade não seja de alguma maneira escândalo para os fracos. Então, grandioso Pai, procuro descansar, comer, beber e alegrar-me, mas na quietude para não levar os crentes débeis ao pecado.
O Senhor tem nos mostrado que, para a expansão do Seu reino, não bastam os parcos recursos que os irmãos depõem sobre o Seu altar, cheios que são do amor ao dinheiro, a raiz de todo o mal, pecado para o qual ainda se verga grande parte dos varões e das varoas de Sua Santa Casa — o problema não está no dinheiro, e, sim, no amor a ele, como Seu servo Timóteo bem o distinguiu.
Deus Bendito, entendo e aceito a dura missão que me impõe através do deputado Irmão Andrade, porém, na certeza de que não seria necessária se os crentes tivessem o mesmo despojamento daquela pobre viúva dos tempos passados e dessem tudo o que possuem, e não do que lhes sobram — ainda que jurem nada mais haver o que depositar em Seu altar. É o pecado da avareza, oh Todo-Poderoso! Perdoai-lhes! Não fosse essa transgressão de suas almas, teríamos servos do Deus Altíssimo dominando todas as instâncias de Poder, um país vivendo segundo os Teus mandamentos e já poderíamos entoar o canto de ventura contido em Tua doce Palavra, aquela que é refrigério para o nosso espírito: “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”! Aleluia! E eu não precisaria, agora, Oh Javé!, me lançar a lobos em busca de um só objetivo: a expansão de Seu reino neste mundo de perversão, do qual somos separados por Sua imensa graça. Mas vou, oh Pai bondoso!, conforme o ensinamento do amado Mestre: prudente como a serpente e símplice como a pomba.
Já na antessala deste antro pecaminoso, oh Todo-Poderoso!, peço-Te que me dê a sabedoria do Rei Salomão e coloque em minha boca as palavras certeiras como as de Seu Filho diante do diabo no deserto. Que satanás falhe miseravelmente em todas as armadilhas que levantar contra este Seu servo. Que o anjo do Senhor acampe-se ao redor de Seu escolhido, e mil caiam ao meu lado, e dez mil à minha direita, mas que nenhum mal chegue a mim. Amém, Eterno Deus!
Dai-me forças agora, oh Pai!, para relevar as ironias vertidas por este filho de Belial que tenta minar a minha fé em Ti, tirar-me do sério com gracejos de néscio que desconhece o tamanho e a profundidade de Seu amor por nós. Estás ouvindo, oh Senhor dos Exércitos!, que ele diz que meu Deus não confia tanto assim nos Seus servos ou derramaria o maná sobre a Igreja para garantir a campanha de reeleição do Irmão Andrade. Não sabe esse iníquo que a obra é Sua, oh Rei Bendito!, e, se o quisesses, a faria sem estes miseráveis seres que somos. Contudo, Santo dos Santos, é de Sua vontade que nós mesmos a executemos. E, vermezinhos de Jacó, podemos contestá-Lo?
Exponho a ele a Sua Santa e perfeita Palavra, porém, cego e surdo, a recusa. Mais: o escarnecedor devolveu outro chiste, de que estamos sabotando a obra ao buscar o caminho mais fácil para assegurar a vitória da campanha do irmão deputado. Senhor!, ouviste que eu lhe disse que está escrito: “O porteiro abre-lhe a porta”. Indignou-me, oh Grande Eu Sou!, essa outra bufonaria numa apropriação vã de Suas Santas Letras: “Estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida, não é o que diz a Bíblia que o senhor segue, irmão?”, atirou-me na cara, em meio a uma estrondosa gargalhada de possesso, como se conhecesse a Verdade. Oh Deus amado!, não sabe esse estulto que és Tu, o Comandante Maior dos Exércitos, que aponta a porta que Seus eleitos devem entrar para fazer a Sua obra, e que Seus anjos nos guiam, ainda que o caminho espinhoso nos leve a raça de víboras da qual este que tenta me fazer pecar contra Ti é o mais vil e repulsivo.
Deus querido, que o Senhor nos capacite a honrar todos os compromissos firmados com esse ímpio, pois, o que importa é que Seu nome seja exaltado dentro daquele Parlamento. Qual a relevância dos recursos que aqui empenhamos em enviar para obras mirabolantes, de custos e utilidade até questionáveis, diante da missão gloriosa a que nosso Alfa e Ômega nos convoca em defesa dos valores espirituais que nos sustentam? Afinal, a César e dos seus gentios o que é deles, e a Deus o que é de Deus. E graças Te dou, Misericordioso, porque não sou como este escarnecedor, que, como ouviste, à minha garantia de que Irmão Andrade é um verdadeiro homem de Deus, respondeu blasfemo: “Não quero saber se é Deus ou do diabo, mas que cumpra o acordo que estamos fazendo”. Perdoai-lhe, Pai, não sabe o que diz.
Senhor de infinita misericórdia!, outra vez me dou com o momento mais repugnante desta terrificante ainda que necessária incumbência, com esses dois enormes pacotes jogados à mesa… Soberano da minha indigna alma, nunca sei o que fazer nesta hora de angústia! Não posso tocar no fruto do pecado, mesmo que meus olhos me traiam, tentado que sou pelo mau desejo, arrastado e seduzido por ele. Só me resta, Pai Eterno, abrir o paletó em asas e, sem me voltar em direção a Sodoma, pedir ao ímpio que enfie nos bolsos internos esses fardos diabólicos. Por Ti suporto altivo as gargalhadas demoníacas, oh Pai! Pois todo aquele que se exaltar será humilhado, e todo aquele que se humilhar será exaltado! Assim, este ser infernal pode me espezinhar!
Enfim, oh Deus!, graças à Sua mão protetora, alcanço incólume a rua e volto agora a respirar o puro ar deste belo mundo criado por Ti, mas caído por nossas faltas. Lava-me de todo pecado e leva-me por Seus caminhos de luz à Sua Santa Igreja para que o deputado possa aliviar-me desta encomenda imunda que me encarregaste de conduzir para o bem de Sua obra.
Obrigado, querido Pai, pela santidade do Irmão Andrade, cuja força espiritual é tamanha que pode pegar serpentes com as mãos e até beber mortífero veneno, e nenhum mal lhe fará. Por isso, não será vitimado pelo fruto amargo que desolado carrego. Muito pelo contrário. A enorme fé que lhe permite transportar montes sempre o faz encarar este instante crítico com um extenso e luminoso sorriso na face, por mais terrível e intrincado que represente para nós, homens de pouca fé. Que servo de Deus poderoso e exemplar!
É por esse irmão amado e pela expansão da sua Santa Igreja nesta terra de pecado que oro.
Amém!
Este é um texto de ficção. A história é fruto da imaginação do seu autor. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações é mera coincidência.