A recente prisão do prefeito de Palmas, Eduardo Siqueira Campos, autorizada pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, traz à tona uma série de reflexões que não podem ser ignoradas. A decisão, amparada em conversas de WhatsApp e boatos de bastidor, escancara uma preocupante inversão de valores no funcionamento da Justiça: a transformação de especulações em provas, de conjecturas em elementos concretos para justificar uma medida extrema como a prisão preventiva.
A reportagem exibida pelo programa Fantástico, da TV Globo, nesse domingo, longe de apresentar novidades, apenas confirma o que já se sabia: não há, até aqui, qualquer indício robusto que aponte para a prática de crimes por parte do prefeito no exercício da função. O que se viu foram prints de mensagens amplamente circuladas por grupos políticos e redes sociais nas últimas semanas— o mesmo conteúdo que alimentou a decisão judicial e que já integrava, inclusive, o folclore político tocantinense.
Chama atenção o trecho da reportagem que menciona uma suposta “fonte no STJ” que teria vazado informações ao prefeito. Tal afirmação sequer aparece na decisão do ministro Zanin, o que levanta dúvidas sobre a origem da informação e sobre o rigor jornalístico aplicado em sua veiculação. Mais ainda, evidencia uma prática perigosa: a espetacularização de processos judiciais sem a devida verificação dos fatos.
E aqui surge a pergunta que desafia qualquer lógica jurídica minimamente coerente: se prenderam o prefeito Eduardo Siqueira Campos por, supostamente, ter recebido e repassado uma fofoca, por que não prenderam o suposto “pai da fofoca” — o ministro do STJ que teria sido a fonte original dessa informação confidencial? O que justifica punir o ouvinte da conversa, mas blindar o autor do suposto vazamento?
Essa seletividade é tão arbitrária quanto a prisão em si. E revela que, no caso, não se trata apenas de buscar justiça, mas de escolher alvos.
Mas talvez o aspecto mais emblemático deste caso seja a mudança de postura do próprio ministro Zanin. Até pouco tempo atrás, como advogado do então presidente Lula, Zanin se notabilizou pela defesa aguerrida das garantias constitucionais, da presunção de inocência e da crítica contundente ao uso político de medidas cautelares no âmbito judicial. Hoje, já na cadeira de ministro do STF, adota uma postura que contradiz seu discurso anterior — validando prisões com base em indícios frágeis e antecipando punições sem sentença.
O que mudou de lá para cá? Seria o peso da toga maior do que o compromisso com os princípios?
A democracia se sustenta no equilíbrio entre os Poderes e no respeito às garantias individuais. Quando se prende um prefeito eleito democraticamente sem elementos concretos, sem denúncia formal, sem conexão com desvios de conduta, instala-se um perigoso precedente. A Justiça, neste caso, se afasta de sua missão e se aproxima do arbítrio.
Mais do que uma instabilidade política local, o episódio revela um sintoma nacional: o enfraquecimento do garantismo jurídico e a volta da lógica de que “é melhor prender para investigar do que investigar para, se for o caso, punir”.
Talvez o ministro Zanin precise, como já foi sugerido em tom de ironia nas redes sociais, visitar o Tocantins, experimentar um bom chambari e entender que por aqui, falar de queda de governador virou hábito de roda de conversa — não conspiração.
A Justiça precisa aprender a diferenciar o que é fuxico do que é fato. Porque prender sem prova é tão grave quanto absolver por conveniência. E coerência, no Direito, não é favor — é dever.
FELIPE ROCHA
Empresário, administrador de empresas, especialista em Economia e Política pela FEA-RP/USP.