A frase-título que dou a este artigo surgiu no início do século XIX, com a invasão de Napoleão Bonaparte à Península Ibérica. Portugal foi tomado pelas forças francesas porque havia demorado a obedecer ao Bloqueio Continental, imposto por Napoleão, que obrigava o fechamento dos portos a qualquer navio inglês. Em 1807, uma das primeiras cidades a serem invadidas pelo general Jean Junot, braço-direito de Napoleão, foi Abrantes, a 152 quilômetros de Lisboa, na margem do rio Tejo. Lá instalou seu quartel-general e, meses depois, se fez nomear duque d’Abrantes.
O general encontrou o país praticamente sem governo, já que o príncipe-regente dom João VI e toda a corte portuguesa haviam fugido para o Brasil. Durante a invasão, ninguém em Portugal ousou se opor ao duque. A tranquilidade com que ele se mantinha no poder provocou o dito irônico. A quem perguntasse como iam as coisas, a resposta era sempre a mesma: “Está tudo como dantes no quartel d’Abrantes”. Até hoje se usa a frase para indicar que nada mudou.
Ao reeditar este artigo que há muito já havia escrito, alimentava a esperança que pudesse refazê-lo de outra forma, pois tinha a convicção de que o tempo e os homens púbicos se encarregariam de dar outros rumos ao nosso País. Infelizmente, com os últimos acontecimentos, constato que os fatos em nada mudaram, aliás, pioraram e muito.
Conforme descreve o historiador Edson Carneiro, “no dia 1º de fevereiro de 1549, parte de Lisboa para o Brasil, o primeiro Governador-Geral Tomé de Sousa, trazendo mais de mil pessoas, entre soldados, degredados e funcionários. Dentre eles Pero Borges, que seria o Ouvidor-geral, uma espécie de Ministro da Justiça. Este já tinha fama em Portugal, pois havia sido supervisor da construção de um aqueduto em Elva, quando costumava receber visitas que lhe levavam dinheiro. O povo desconfia quando o dinheiro público acaba e a obra não estava concluída. Um inquérito apura que Borges embolsou boa parte da verba.
Em 1547, é condenado a pagar pelos desvios e é suspenso dos cargos públicos por três anos. Nem dois anos depois chega aqui recebendo do rei, salário adiantado. Durante o segundo Governo-geral é nomeado Provedor-mor da Fazenda, o equivalente a Ministro da Economia.” (A raposa veio tomar conta do galinheiro.)
Pasmem, até ele se espanta com os costumes da burocracia brasileira e assim se expressa: “Uma pública ladroice e grande malícia!” (Coincidência?)
Debruçado sobre outros fatos do passado, vemos que no ano de 1871 o extraordinário escritor português, José Maria Eça de Queiroz, referindo-se a Portugal, País de onde nos originamos, assim se expressou: “Estamos perdidos há muito tempo. O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada. Os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes, exploram. A classe média abate-se, progressivamente, na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua ação fiscal com um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda parte que o País está perdido.”
Os descobridores do Brasil e aqueles que os acompanhavam, que iniciaram a trajetória de nos dirigir, renascem a cada dia. E o mais espantoso é que os sucessores conseguem superar seus antecessores em suas fraquezas.
Corroborando com minha assertiva acima, trago aqui o que disse o incomparável Rui Barbosa, no início do século passado em relação ao nosso Brasil: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer as injustiças, de tanto ver agigantar-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desaminar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”
Todas as citações acima, inclusive a do título que leva o artigo, se guardam alguma semelhança com o que vivemos e revivemos nos dias atuais, não são meras coincidências, ficando por conta de cada leitor a exata conclusão.
“Quem tem ouvidos que ouça, quem tem olhos que veja!”
JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
É poeta, escritor e advogado; membro-fundador da Academia de Letras de Dianópolis.
candido.povoa23@gmail.com