A onda de assassinatos que assustou os palmenses nesse feriado prolongado de carnaval – nove entre quinta-feira, 16, e domingo, 19 – são as irrupções das desigualdades que a Capital esconde sob seu tapete. Os turistas que chegam à cidade ficam impressionados – não por acaso – com as nossas belezas naturais, enormes avenidas planejadas e uma suposta ausência de miséria.
Ao contrário do que se vê nos grandes e seculares centros urbanos, aqui os visitantes não se chocam com favelas expostas em nossas vitrines, pedintes perambulando aos montes, nem cracolândia. Existe em Palmas uma assepsia social histórica, que remete ao processo de implantação da cidade e que empurrou todas as nossas injustiças para muito longe do plano diretor.
Lembro-me de quando cheguei à Capital no início dos anos 2000 e fui lecionar nos cursos de jornalismo e publicidade do Ceulp/Ulbra. Certa ocasião pedi para os alunos fazerem um trabalho fotográfico. Chegaram imagens incríveis de praias, lago, a larga e bela Teotônio Segurado com o Palácio Araguaia erguendo-se imponente ao fundo. Mas um grupo capturou cenas que destoavam totalmente desse paraíso de desenvolvimento que gostamos de vender orgulhosos aos familiares do Sul do País.
Eram casebres improvisados, ruas esburacadas com água torrencial das chuvas correndo por enormes erosões, crianças subnutridas, olhares tristes, semblantes desanimados e ausência total do Poder Público. A pergunta que fiz a esses alunos revelava a perplexidade de todos que acabam de chegar à cidade mais linda do Brasil e não reconhecem sequer a possibilidade de tamanha miserabilidade em meio a tanta beleza: “Mas o trabalho era para ser feito em Palmas!” Não acreditei quando me disseram que aquelas imagens típicas das periferias mais destituídas das mínimas condições de vida eram mesmo de Palmas, cidade pela qual já estava e continuo até hoje completamente apaixonado.
Claro que diante de tamanha onda de assassinatos, a primeira providência que nos vem à mente é exigir a ação firme e forte das Polícias para reprimir e prender os bandidos “para que a paz volte a reinar”. Mas, apesar de medidas de segurança serem fundamentais, não são as forças policiais por si só que vão pacificar nossa sociedade. É preciso a presença do Poder Público nas áreas mais carentes, não só na forma do Leviatã hobbesiano, mas também para oferecer lazer, esportes e perspectivas à nossa juventude de que uma vida melhor é possível.
A verdade do dito de que violência só atrai violência não vale apenas para as nossas relações pessoais, mas também para a forma como o Poder Público trata as franjas do tecido social, seu ponto mais frágil, mais delicado e que mais precisa da intervenção das instâncias municipal, estadual e federal para sobreviver com o mínimo de dignidade e de perspectivas alvissareiras diante das dificuldades da vida presente.
Criminalizar a pobreza e acreditar que a mera intervenção da força policial resolverá o problema da violência só farão com que Palmas continue sendo esta cidade hipócrita que aposta na assepsia social, ao invés de trabalhar pela inclusão tão necessária e o único remédio eficaz para uma sociedade que quer viver em paz.
CT, Palmas, 22 de fevereiro de 2023.