Não porque sou aprendiz de escritor e alguém desde a infância enfiado no mundo das letras, mas é justíssima a reivindicação das 80 entidades que compõem o movimento “Mobiliza Tocantins” pela criação de uma secretaria exclusiva para a cultura, atualmente vinculada ao turismo. Cultura não é luxo, mas bem de primeira necessidade, sobretudo num país submerso numa tormenta de ignorância destrutiva que eu, muito equivocadamente, julgava até anos atrás que já tivesse sido superada.
Quem contempla o mundo pelas lentes da cultura não invade prédio para devastar. No máximo intervém com sua arte para levar o público à reflexão. Não crava faca num Di Cavalcanti, porque seria como se na própria carne; nem destrói um relógio do século XVII, sabedor que é de que a memória é necessária à marcha crescente do desenvolvimento humano.
Não aniquila barbaramente vitrais do artista plástico Athos Bulcão, tampouco inutiliza cadeiras do designer polonês Jorge Zalszup, muito menos trucida um vaso chinês da dinastia Shang, de cerca de 3,5 mil anos. Porque vê a selvageria desses atos como imoralidade e a dilaceração da própria alma.
O amante da cultura contempla o belo, enche-se de sensibilidade e aprende a amar a humanidade. Lê com profundidade letras, imagens e sons e enxerga o mundo de uma perspectiva mais crítica. Por isso, pós-iluminista, não se candidata acefalamente a militante trevoso do obscurantismo. Alimenta a saudável utopia da paz e da irmandade entre os povos e entre seu povo.
Quem contempla o mundo pelas lentes da cultura não quer dividir, destruir, desunir, menosprezar, vilipendiar, humilhar. Queremos, sim, somar, construir, unir, amar e exaltar.
Impossível alimentar o sentimento destruidor do vândalo-terrorista-invasor ao, amorosamente, se deparar com a poesia de alma leve de Tião Pinheiro, ou se colocar no ritmo do amor com Orion Milhomem. Ou ao se encantar com nosso folclore pelas histórias ricas e coloridas de Irma Gualhardo.
Impensável que um estúpido assolador da arte e da história surja da convivência com a leveza, a fineza e a elegância da dança de Meire Maria Monteiro. Afinal, como ensina nosso mestre maior Chico Buarque, todos têm defeito, só a bailarina que não tem.
Como cultivar o ódio no coração escutando a simplicidade sublime de “Passarim do Jalapão”, do gigante Dorivã? Ou nutrindo-se do “Frutos da Terra”, na deliciosa melodia com gosto de povo de Genésio Tocantins? Ou da paciência, da beleza e da criatividade das artesãs do capim dourado?
Improvável a tristeza que leva à revolta se sobrepor à alegria da Cafundó do Brejo e da Pizada da Butina. Nada levanta mais a espírito do que nossas quadrilhas. Como quebrar, destruir, odiar diante delas? Simplesmente não dá.
Não é patriota destruir e saquear bens públicos, e pode ter certeza que todos somos despertados para o mais nobre sentimento de brasilidade, a nos orgulhar deste torrão, diante do louvor à nossa “caipiridade” feito Juraildes da Cruz, porque “nois é jeca mais é jóia”.
Enquanto o vandalismo nos remete à idade média, a arte nos projeta para o futuro, e está aí o exemplo da jovem artista plástica palmense Júlia d´Paula, levando nossas exuberantes belezas naturais, com o seu “Jardins do Tocantins”, ao Salão Internacional de Arte Contemporânea Le Carrousel Du Louvre, em Paris.
Quem contempla o mundo pelas lentes da cultura é melhor ser humano, melhor cidadão. A cultura nos humaniza e nos civiliza, e esses tempos obscuros nos impõe justamente que nos reumanizemos e nos recivilizemos para construirmos o Estado e o país próspero, solidário e justo que tanto precisamos.
Por tudo isso, a Secretaria Estadual da Cultura do Tocantins é uma pauta justíssima.
CT, Palmas, 17 de janeiro de 2023.