Três imagens despertaram a minha repulsa nessa quarta-feira, 12. A primeira foi a de um clube de tiros instigando crianças a aprender a manusear armas e a dispará-las. Outra foi de uma fila enorme na porta de escola e os alunos passando um a um por detector de metal na mão de um funcionário. Ainda a de um estudante no interior de São Paulo agredindo, desacatando e ameaçando um professor. Que tempos vivemos! A princípio, uma cena não tem nada a ver com a outra, mas, no pano de fundo do debate sobre a onda de violência que traga nossa rede de ensino, elas se imbricam.
Fico muito satisfeito de ver a classe política em geral se mobilizando para que o terror que assistimos País afora não chegue às nossas escolas. Vereadores, prefeitos e governo do Estado se movimentam, reúnem órgãos de educação e forças de segurança. Isso é muito bom, e até dá mais tranquilidade aos pais, hoje amedrontados por ter que deixar os filhos na escola, local antes visto como um porto seguro.
Contudo, o reforço necessário à segurança não porá fim a um problema que é muito mais profundo. Como bem destacaram os especialistas de importante matéria postada pela Coluna do CT nesta quinta-feira, 13, as soluções principais para os temores de ameaças não estão em medidas paliativas, como detectores de metal e homens armados nas unidades de ensino.
Qual a educação que essas crianças e jovens estão tendo em casa, num tempo em que a mulher merecidamente conquista seu espaço no mercado de trabalho, mas em que pais terceirizam os cuidados dos filhos para babás, TVs, redes sociais, jogos eletrônicos e as próprias escolas? De outro lado, muitos agora querem colocar armas nas mãos de crianças e jovens, até para provar a seu meio social o seu alinhamento à corrente política que predomina nestes tempos de cultura do ódio.
Veja esses números trazidos pela BBC: somente em 2022 e nestes quatro primeiros meses de 2023, o número de ataques em escolas no Brasil já supera o total registrado nos 20 anos anteriores, segundo pesquisadores. O relatório O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental mostra que foram 34 ataques a escolas evitados no Brasil entre 2012 e 2022, sendo 22 deles somente no ano passado. Plantamos a cultura do ódio e estamos colhendo seus frutos.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), retirou os psicólogos das escolas assim que assumiu. Agora, diante da escalada da violência, está retornando com esses profissionais e mostra que, mesmo sendo “filho” do bolsonarismo, tem a inteligência e a sabedoria de entender que o uso de detectores de metal não é prioridade neste momento. “Quanto ao detector de metal, ficaria muito triste com isso. Temos que construir um ambiente seguro. O que o aluno precisa levar na mochila é caderno, borracha; não faca”, disse Tarcísio ao blog da jornalista Andréia Sadi, no G1. E ele está certo.
Em outra matéria sobre o tema postada pela Coluna do CT, o sociólogo Rudá Ricci, pesquisador dos temas educação e cidadania, defende três medidas emergenciais para combater a violência nas escolas. Uma é a policial: “desbaratar e prender os núcleos propagadores das ameaças”. As outras são “criar protocolos de orientação para pais e professores sobre como agir em casos de ameaça, violência, agressividade e incivilidade” e, por fim, “criar serviço de apoio e escuta de psicólogos e assistentes sociais” para pais e profissionais da educação.
Se alguma criança ou adolescente está sofrendo, pais, professores e os profissionais do comportamento humano precisam detectar isso antes de essa dor desaguar num atentado contra outras vidas. Pelo que a gente tem visto dos casos divulgados, os agressores de dentro da escola são tidos como “calados, estranhos, esquisitos, antissociais”, etc. O que essa criança ou adolescente passa na escola? É alvo de bullying? É ridicularizado pelos colegas? O que passa em casa? Ela grita sua dor no seu silêncio e ninguém ouve.
Outros estão envolvidos com redes nazistas, racistas e movimentos abjetos afins. E ninguém percebe isso? Ficam o dia todo em rede social recebendo uma alta gama de lixo tóxico para as suas mentes frágeis, e não há quem se toque? Os pais não têm a mínima curiosidade de saber o que essas crianças e jovens fazem o dia todo na internet? A escola em geral não nota mudança no comportamento de um aluno? Não chama os pais para uma conversa? Os gestores maiores da educação não veem a necessidade de um serviço atuante e preventivo de psicólogos?
E é preciso discutir a própria contribuição do mercado de trabalho, essa máquina destruidora de vidas, que tritura o tempo, a energia, a alma de pais e mães, escravizados nas empresas, sem ter as mínimas condições de sequer pensar na existência de filhos. Como tratar com a questão por esse prisma laboral, que é, sim, importantíssimo, e prejudica muito a relação dos trabalhadores e empresários com as suas famílias?
Como se vê, um problema profundo, complexo e urgente para ser resolvido. A solução passa por muito investimento, reflexão, debates e a ação de todos na sociedade, sem buscar necessariamente culpados, mas saídas efetivas que possibilitem que a escola volte a ser um porto seguro, local de afetos, de conforto e de segurança no seu sentido mais amplo, de refrigério.
CT, Palmas, 13 de abril de 2013.