No dia 18 de agosto de 1992 adentrei pela primeira vez no templo sagrado do jornalismo, a Redação. Meu sonho era ser escritor, mas, com tão pouca experiência de vida, perguntava-me com frequência que profissão me submeteria às mais diversas situações para que pudesse acumular o máximo de material para a produção literária. A resposta que encontrei foi o jornalismo, e esta a razão que me levou para o primeiro impresso em que trabalhei, o Jornal do Povo, em Maringá (PR). Nos anos seguintes passei por veículos no interior paranaense e paulista até chegar ao Tocantins no final de 2002.
O que era para ser uma atividade acessória se tornou a principal, e a literatura foi posta de lado. A paixão pelo jornalismo foi praticamente imediata, sobretudo o político, no qual ingressei de cara e onde estou até hoje, três décadas depois. Naquele início, havia um jovem de 22 anos que acreditava piamente no poder de transformação das palavras atiradas numa lauda, por meio de uma antiga Olivetti.
Essa paixão desenfreada e juvenil fazia com que o iniciante acreditasse mais do que devia naquilo que via e ouvia. O resultado óbvio sempre foi uma fileira enorme de desafetos. Claro que eles existem até hoje e superam em número os poucos bons amigos, porque contrariar interesses é o fruto natural do exercício desta difícil profissão. Ainda mais quando o jornalista se propõe a ler e interpretar os fatos que estão postos à sua frente todos os dias. Quem pode “lucrar” com a leitura da conjuntura sempre vai ter você como “o melhor de todos”. Já os que se sentem prejudicados, obviamente, reservarão para o autor das nefastas palavras os piores adjetivos do dicionário e se filiarão ao seu “clube” de adversários.
Dessa forma, não me emociono com elogio, muito menos me desespero com críticos. O que importa é escrever aquilo em que realmente acredito. É o que tento fazer todos os dias para gostos e desgostos gerais.
Ao longo dessas três décadas, o jornalismo mudou completamente, mas não perdeu a sua importância para a sociedade. Para a cobertura política era fundamental a presença física do repórter ou colunista nos locais de evento. Afinal, não havia celular e era muito difícil, fora dali, conseguir contato direto, via telefone, com as fontes. Sempre éramos barrados por alguma secretária. Hoje temos celular e uma ferramenta mais do que indispensável para o jornalismo, principalmente o político, o WhatsApp.
Outra mudança importante é que a informação não chegava fácil à redações. Precisávamos buscá-la onde estivesse. As assessorias de imprensa eram raras e se concentravam em grandes empresas e alguns órgãos governamentais de peso.
Não tínhamos sequer e-mails. Todo este mundo de hoje ainda não havia iniciado nas redações interioranas. Mas cheguei numa fase de modernização, em que saía o telex e entrava o fax. Três anos depois, em 1995, deixava de datilografar para digitar em computadores de monitores de tela de fósforo verde, que me faziam chorar quase como se tivesse descascando cebola.
As fotos ainda precisavam ser reveladas. Após uma cobertura, antes de voltarmos à redação, passávamos no laboratório terceirizado para entregar os rolos de filmes. O fotógrafo nos deixava no jornal e voltava para buscar as imagens do dia.
Depois de terminar uma entrevista, enviávamos uma mensagem ao pager do motorista ou fotógrafo para que nos buscassem.
Foi como também fiz quando meu filho mais novo nasceu, em março de 1996. Combinei com Paulo Veneno – grande amigo, fotógrafo e companheiro de trabalho em O Imparcial, de Presidente Prudente (SP) – que se a bolsa de dona Sandra estourasse o acionaria pelo pager para nos levar ao hospital – Veneno cobria um jogo de futebol no estádio próximo de casa. Não deu outra. A bolsa estourou, enviei o também chamado “bipe” e em minutos meu amigo encostou o carro. Outro detalhe importante: em início de carreira, não tinha nem uma bicicleta.
Não havia internet, e um ansioso como eu passava noites insone. Quando produzia uma matéria importante, não dormia. Ficava revirando na cama até a chegada do jornal por volta das 5h30 do dia seguinte. Só quando lia o que escrevera é que alcançava o sono. Agora temos o sites, que dão as notícias em tempo real, e, mais ainda, as redes sociais.
De certa forma, todas essas facilidades tiraram o romantismo daquele período. A briga pelo “furo”, por exemplo, já não é na mesma intensidade daquela época. Até porque, na maioria das vezes, o que seria o “furo” jornalístico é vazado primeiro pelas redes sociais. Assim, quando o veículo de comunicação vai tratar o assunto, já não é mais novidade. Exige, esse novo momento, outra forma de abordagem da informação que seria exclusiva mas já circula por Facebook, Twitter e WhatsApp.
Nada disso, porém, tira a importância do jornalismo profissional. Muito pelo contrário. Aumenta a responsabilidade do jornalista diante da praga da fake news, que lança a sociedade contemporânea, mergulhada num volume caudaloso de informações, no jogo da desinformação, que é mais perigoso do que não ser informado.
O papel do jornalista mudou diante das novas tecnologias e do fenômeno da fake news. Mais do que informar, o profissional agora tem a função imprescindível de legitimar a informação que já circula em ambientes virtuais sem qualquer controle ou checagem de autenticidade.
No campo político, minha área específica de atuação no jornalismo, a mudança também foi drástica. Quase todos os grandes líderes que nos inspiravam há 30 anos se foram, como Brizola, Mário Covas, Franco Montoro, Miguel Arraes, entre muitos outros. Ficou um vácuo de liderança nunca preenchido, e a política se tornou apenas um negócio altamente lucrativo.
Vivemos naquele momento o fim da ideologia, com a cortina de ferro sendo rasgada lá no início dos anos 1990, o que contribuiu enormemente para a política ser sequestrada pelos mercadores de hoje, os mesmos que só pensam em orçamente secreto e promiscuidades do tipo.
Não me refiro a essa briga estúpida, pseudo-ideológica, da radicalização tóxica pela qual passa o Brasil destes tempos sombrios e estranhos. Essa gente acéfala que aponta o perigo do comunismo, como se tratasse de um monstro ou um fantasma, não é capaz de conceituar aquilo que temem. São apenas uns ignorantes, presos nas garras das fake news enviadas o dia todo pelos “tios do zap” de algum “gabinete do ódio”, que não são poucos e não estão apenas no Palácio do Planalto. E quem ainda defende o comunismo e o socialismo desconhece a história. Ficou parado no tempo e nas leituras, entre o final do século 19 e o início do século 20. Também são uns estúpidos, travestidos de um falso progressismo. Defendem a democracia brasileira ao mesmo tempo em que adulam ditadores com os quais ideologicamente se identificam.
Já aos 52 anos, não tenho mais a disposição de 30 anos atrás. Muito menos a paixão daqueles tempos. Com a idade, chegou a maturidade e também uma enorme descrença no mundo atual e nos seus rumos. Mas devo dizer que a paixão do passado virou amor. Afinal, se de um lado o jornalismo deixou de ser uma grande aventura, de outro, passei a ter com ele uma relação estável e adulta, sem os solavancos juvenis. Agora procuro fazer um exercício diário de sabedoria, a partir de uma compreensão maior do que é o ser humano e sua podridão e da sociedade que ele criou e que reflete essa sua principal faceta.
Não me arrependo da decisão de 30 anos atrás de começar a explorar esse mundo fantástico, mas também, muitas vezes, tenebroso.
Depois dessas três décadas, só agora, nestes últimos cinco anos, me reencontrei com a literatura. Afinal, o estoque de material que acumulei ao longo desse tempo, enfim, considero suficiente para a produção de algo ficcional que mereça ser lido.
CT, Palmas, 18/08/2022.
P.S.: No primeiro semestre de 2023 lançarei meu livro de contos políticos. Vários deles já estou publicando na Coluna do CT.
Nunca fui de fazer fotos minhas em ação, mas seguem algumas que encontrei ao acaso. Muitas estão por aí e outras sumiram em meio a uma infinidade de mudanças:
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