A eleição de presidente da Assembleia mais tensa dos últimos 20 anos do Tocantins foi a de fevereiro de 2007 entre os então deputados Carlos Gaguim e César Halum, e gerou um enorme problema para o segundo mandato do governador Marcelo Miranda (MDB), que viu um de seus amigos mais próximos se tornar adversário. O erro daquela disputa intensa pode trazer hoje de importante lição para o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), que, como Marcelo há 16 anos, tem dois homens de confiança de olho na presidência do Parlamento, Amélio Cayres e Cleiton Cardoso, ambos do Republicanos.
Halum era o presidente da Assembleia no último biênio da legislatura de 2003-2006, e garantiu a tranquilidade que Marcelo precisava quando os confrontos entre marcelistas e siqueiristas estavam no auge. O então governador havia deixado a União do Tocantins de Siqueira Campos em 2005 para voltar ao MDB. O Parlamento, assim, estava dividido e pé de guerra, no melhor período de debates do Legislativo estadual dessas duas décadas.
Por isso, manter Halum na presidência significava para Marcelo a continuidade da paz e da estabilidade política que o governador precisava para administrar um Estado já sem a saúde financeira do primeiro mandato, resultado direto da troca cerrada de tiros com o siqueirismo.
No entanto, na época no MDB, Gaguim saiu da eleição de outubro já falando em ser presidente da Assembleia. Fez uma prévia no partido, que elegeu em 2006 nada menos que seis deputados estaduais, com Josi Nunes a mais votada. O parlamentar ganhou a tal prévia e correu até o governador para anunciar sua candidatura e buscar apoio. Nos bastidores, o que dizia era que Marcelo deu asa à imaginação do deputado e o secretário Brito Miranda, o homem forte na gestão, também não colocou freio.
Sentindo-se avalizado pelo Palácio, com habilidade, Gaguim foi costurando e conquistando votos na Casa. Do outro lado, Brito escalou o senador João Ribeiro para levar os dez deputados utistas para Halum. Como eu acompanhava de perto as movimentações de bastidores, escrevia em meus artigos que os parlamentares da UT estavam fechados com Gaguim. João Ribeiro já me ligava em seguida contrariado, garantindo que todos os dez o seguiriam no apoio a Halum. Minha informação acabou se confirmou em 1º de fevereiro e só restou ao senador emitir uma nota no dia 2 em que se dizia traído.
A eleição da mesa se arrastou por todo o dia. Gaguim trancado com seu eleitorado numa sala, recusava-se a sair. Volta e meia chegava um enviado do Palácio Araguaia, ficava por longo tempo tentando demover o grupo, mas a coesão era total. Enfim, saíram do confinamento no início da tarde, e todo mundo esperava que alguém traísse para atender o Palácio. Nenhum Judas, e o resultado do primeiro turno foi 12 a 12.
Todos os “gaguistas” retornaram logo em seguida para a sala e lá ficaram o resto do dia, com o entra e sai permanente de enviados do Palácio. Já era noite quando houve o segundo turno, e o empate repetiu-se. Como tinha mais mandatos na Casa – três, e Halum, dois –, Gaguim foi eleito presidente da Assembleia, a contragosto do governo.
O novo comandante da Assembleia não era mais o amigo pessoal do governador, mas um ex-aliado que se tornou adversário. Gaguim fez um programa de Assembleia itinerante, que concorreu com uma versão raquítica do Governo Mais Perto de Você, ferramenta que fora poderosa em 2006 e contribuíra decisivamente para a vitória da Marcelo contra Siqueira.
Nas eleições municipais de 2008, o presidente da Assembleia se uniu a João Ribeiro e foi importante para a grande vitória do senador, que elegeu, direta ou indiretamente, os prefeitos das principais cidades do Estado. Uma das exceções foi Palmas, onde Raul Filho acabou reeleito pelo PT, mas, mesmo na Capital, João, com Marcelo Lelis, venceu o Palácio, que apoiou Nilmar Ruiz, a terceira colocada.
Outro episódio em que Gaguim esteve com João Ribeiro contra o Palácio foi na disputa da Associação Tocantinense dos Município (ATM) de 2009, quando o presidente da Assembleia e o senador elegeram o prefeito de Santa Fé do Araguaia, Valtênis Lino, contra o então prefeito de Pium, Nilton Franco, o nome de Marcelo naquele pleito.
A história ainda termina com uma dessas ironias do destino: Gaguim acabou ficando com o mandato de governador de Marcelo, cassado em setembro de 2009 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no Recurso contra Expedição de Diploma (Rced) movido pela União do Tocantins.
A grande lição desse episódio é que o Palácio não pode embalar projetos indesejáveis e tentar demover o candidato preterido somente às vésperas da eleição da mesa. Os rancores podem durar bem mais que o dia da eleição e, se o rejeitado vencer, como em 2007, o mandato do governador pode ser bastante abalado, uma vez que o presidente do Legislativo tem a pauta e a estrutura da Casa em suas mãos.
Aqui, mais do que em qualquer outro lugar, vale o velho dito popular: não se deixa para amanhã o que se deve fazer hoje.
CT, Palmas, 21 de novembro de 2022.